Desmatamento no cerrado cresce 83% em maio; acumulado é recorde
Desmatamento no cerrado - Foto Blog De Olho nos Ruralistas
Destruição na Amazônia Legal, por outro lado, registrou nova queda e voltou ao patamar de 2020.
Enquanto o desmatamento na Amazônia vem caindo, no cerrado ele bateu novo recorde. Nos cinco primeiros meses de 2023, foram registrados 3.532 km² de destruição no cerrado, 35% a mais que o visto no mesmo período do ano anterior.
O mês de maio especificamente teve uma explosão de 83% nos alertas de desmatamento no bioma, chegando a 1.326 km².
Os dados do Deter —programa de monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)— foram divulgados nesta quarta-feira (7) pelo Ministério do Meio Ambiente.
No cerrado, 77% do desmatamento foram computados em propriedades registradas no CAR (Cadastro Ambiental Rural). "Em mais de três quartos do desmatamento, nós podemos ter acesso a quem são os responsáveis por essas áreas", afirmou André Lima, secretário extraordinário de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial.
"Estimativa é que mais da metade do desmatamento no cerrado é autorizado pelos órgãos ambientais estaduais", completou. O secretário afirmou ainda que a pasta suspeita que também metade dessa destruição seja ilegal.
Para o secretário executivo do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, "não é possível dizer com certeza e segurança qual o universo de áreas que foram legalmente autorizadas". "Não é possível dizer se essas autorizações foram legais", acrescentou.
Capobianco afirmou que a pasta já solicitou as informações às autoridades estaduais, sem sucesso.
A partir de agora o Meio Ambiente buscará dividir as frentes de atuação, para separar o desmatamento ilegal do que é autorizado, e desenvolver formas de combater ambos.
"A agenda do desmatamento ilegal é agenda do crime", disse Lima. "A agenda do desmatamento autorizado vamos trabalhar com pente fino para ver se estão ou não cumprindo a lei e, no que está cumprindo a lei, vamos trabalhar com instrumentos econômicos." Mesmo em situações de desmate permitido por governos e prefeituras, há previsão de compensação com reflorestamento em outras áreas.
Para o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, "a ideia é ser muito duro neste momento que a gente precisa conter o desmatamento". "Nessas propriedade autuadas, já conseguimos comprovar que não tinham autorização [para desmatar]", citou ainda.
O desmate permitido pelo Código Florestal em propriedades rurais é de 20% dos terrenos na Amazônia e de 50% para as áreas de cerrado.
Em junho, acontecerá a primeira reunião da comissão do PPCerrado, programa de controle ao desmatamento e restauração do bioma.
Segundo Capobianco, o plano deve ser lançado em até setembro. "Vamos ver se conseguimos antecipar isso", disse. "É uma prioridade enorme para que possa agir a tempo."
Já na Amazônia Legal, o desmatamento apresentou queda de 31% com relação ao mesmo período do ano anterior, retornando ao patamar registrado em 2020. Foram 1.986 km² de floresta derrubada contra 2.867 km² em 2022, 2.543 km² em 2021 e 2.038 no ciclo anterior.
"Quase a metade é desmatamento que estamos registrando dentro do Cadastro Ambiental Rural, o CAR, áreas onde há interesse privado, digamos assim", afirmou André Lima.
O secretário extraordinário disse que agora as ações do governo vão focar em autuar e até suspender o cadastro rural dos proprietários onde há desmatamento ilegal. Lima detalhou que 21% do desmatamento da Amazônia Legal foram em assentamentos e 15% em áreas de florestas publicas não destinadas.
"Alertas do Inpe estão se transformando em autos de infração", explicou Agostinho. "Logo na sequência, essas áreas serão embargadas."
O presidente do Ibama afirmou ainda que, neste ano, já foram mais de R$ 2 bilhões em multas aplicadas pelo instituto em mais de 2.200 propriedades.
Outra medida, destacou Capobianco, é impedir cadastros rurais registrados em cima de terras indígenas. "Não temos no Brasil mais nenhum cadastro ambiental rural incidindo sobre terra indígena", disse.
O desmatamento na Amazônia Legal e na região do cerrado vem registrando recordes em 2023. Em abril, por exemplo, o cerrado atingiu sua máxima da série histórica iniciada em 2019, com mais de 700 km², segundo o monitoramento.
Fronteira agricola no cerrado da Bahia - Marcio Sanches-WWF Brasil
Já a Amazônia, nos quatro primeiros meses do ano, ultrapassou pela primeira vez os 1.000 km² de dematamento registrado.
O Deter mapeia e emite alertas de desmate com o objetivo de orientar ações do Ibama e outros órgãos de fiscalização. Os resultados representam um alerta precoce, mas não são o dado fechado do desmatamento.
O mês de maio marca o início da temporada de seca, quando as queimadas, naturais ou causadas pela intervenção humana, tendem a aumentar a quantidade de floresta desmatada.
Levantamento do MapBiomas mostrou que o Brasil queimou, em média, 160 mil km² de vegetação por ano de 1985 a 2022. O número é equivalente a mais de três vezes e meia a área do estado do Rio de Janeiro (43,7 mil km²).
O estudo foi feito a partir de 150 mil imagens de satélite, analisadas por meio de inteligência artificial para identificar as áreas com registros de fogo.
Juntos, a Amazônia (43,6%) e o cerrado (42,7%) concentraram mais de 86% da área queimada nos últimos 37 anos.
No cerrado foram queimados, em média, 79 mil km² todos os anos desde 1985, área maior do que a de países inteiros, como a Escócia (77,9 mil km²). No caso da Amazônia, a média anual foi de 68 mil km² —quase uma Irlanda (84,4 mil km²).
Os dois biomas também têm índices altos de recorrência do fogo, ou seja, regiões que queimam mais de uma vez em períodos relativamente curtos de tempo.
Na Amazônia, 39% da área queimada pegaram fogo uma única vez entre 1985 e 2022, enquanto outros 48% queimaram de duas a quatro vezes (Folha, 8/6/23)
Brasil precisa lidar com desmatamento legal no cerrado, dizem especialistas
O Cerrado brasileiro (Foto Revista Epoca-Jim Wickens-Ecostorm)
Metade do desmate no bioma é autorizado por estados; 24 cidades concentram problema.
Dados do Deter, sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), divulgados nesta quarta-feira (7) mostraram que o desmatamento no cerrado em maio cresceu 83% em relação ao mesmo mês do ano passado, com 1.326 km² derrubados.
No acumulado dos cinco primeiros meses do ano, o número está 35% maior do que o período anterior, batendo recorde na série histórica para o bioma, iniciada em 2019.
O Ministério do Meio Ambiente estima que metade da área desmatada no período no cerrado tenha autorização legal dada pelos estados.
Assim, dizem especialistas ouvidos pela Folha, há indicativo de que o país precisa lidar, além do desmatamento ilegal, com a derrubada legal na savana mais diversa do mundo.
Via de regra, é mais fácil desmatar o cerrado. Isso porque as reservas legais no bioma variam de 20% a 35%, quase inversas às da Amazônia, com 80% protegidos por lei nas propriedades rurais.
Na Amazônia Legal, o desmatamento acumulado nos cinco primeiros meses do ano apresentou queda de 31% com relação ao mesmo período do ano anterior, retornando ao patamar registrado em 2020. Foram 1.986 km² de floresta derrubada em 2023, contra 2.867 km² em 2022.
No combate à derrubada ilegal, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima registrou alta em emissão de autos de infração (16%), embargos de propriedades (37%) e destruição de equipamentos (38%) de janeiro a maio deste ano, em comparação com a média dos quatro anos anteriores.
O governo diz ainda que tem tentado agilizar a revisão do PPCerrado, plano de prevenção e controle de desmatamento, cuja primeira reunião ocorrerá na próxima semana. O documento equivalente para a Amazônia foi publicado na segunda (5).
Para enfrentar a alta na derrubada, a pasta quer discutir com os estados as autorizações de desmatamento, já que 24 cidades, distribuídas em seis estados —Bahia (10), Maranhão (5), Piauí (4), Tocantins (3), Mato Grosso (1) e Pará (1), concentram metade da área desmatada.
"A primeira ação é verificar se esse desmatamento está sendo autorizado, e se a base legal da autorização está sendo respeitada. Esse é o primeiro passo: separar o legal da ilegalidade", afirmou o secretário-executivo da pasta, João Paulo Capobianco.
Ele disse que todos os estados do cerrado foram oficiados formalmente pelo ministério em 5 de maio, para que encaminhassem dados de autorização de supressão de vegetação. Os requerimentos foram repetidos no dia 22. Nenhum estado respondeu até o momento, segundo o governo federal.
Capobianco afirma que nova notificação foi feita nesta quarta.
Para Yuri Salmona, diretor-executivo do Instituto Cerrados, o país tem um problema crônico com o desmatamento legal: as chamadas autorizações para supressão de vegetação nativa, concedidas pelos órgãos ambientais de cada estado.
"No cerrado, a gente tem 20% de reserva legal, 35% na área de transição [com a Amazônia]. O que pode ser autorizado é imensamente maior", disse Salmona, comparando o cenário com o da Amazônia. Para ele, as ações governamentais deveriam focar na melhoria do uso de áreas já desmatadas.
"O caminho é olhar para o fato de que estamos com mais de 30 milhões de hectares de pastagens subutilizadas, que fazem com que a gente não precise mais desmatar. Há uma série de políticas públicas que os estados podem fazer para corrigir essa trajetória."
A falta de consolidação dos dados das autorizações também é problemática, explica.
"Temos o Sinaflor [Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais], que deveria reunir essas informações, mas os estados não usam e dão a autorização [para desmatamento]. Falta uma checagem para saber o que é ou não legal. O próprio ministério tem essa dificuldade", destaca.
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede que reúne mais de 90 organizações socioambientais, afirma que o governo precisa dos estados para lidar com o problema.
"Não dá para o governo lançar um PPCerrado sem que os estados estejam embasados no plano. Tem que investigar e sentar junto com o estado, ou fica uma mensagem dupla: o governo federal coloca dificuldades e o governo estadual afrouxa", avalia.
Segundo o WWF-Brasil, ações adotadas pelo ministério, como a limitação a crédito em propriedades rurais com desmatamento ilegal, são bem-vindas, mas o governo precisa criar um combate estruturado rápido.
"Esperamos que assim como a Amazônia, essa região receba mais proteção e iniciativas como o PPCerrado", disse a organização, em nota (Folha. 8/6/23)