21/10/2024

Dinheiro não cai do céu, mas Lula insiste em negar essa obviedade

Dinheiro não cai do céu, mas  Lula insiste em negar essa obviedade

Lula dá repetidos sinais de que não há preocupação com a contenção de gastos. Foto Wilton Junior Estadão

 

Discurso na Bahia, no qual Lula voltou a dizer que investimento não é gasto, foi mais uma expressiva manifestação contra a ideia da disciplina financeira.

 

Dinheiro não cai do céu, é finito e cada real investido fica indisponível para outras finalidades, tanto quanto o recurso destinado ao custeio do governo ou ao consumo dos indivíduos. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva insiste em negar essa obviedade. Investimento não é gasto, repetiu ele na Bahia, ao discursar sobre o Pé de Meia, programa de incentivo a estudantes. Não importa quanto custa, disse ele, defendendo o apoio à permanência de estudantes na escola. No governo, como na vida familiar ou empresarial, é indispensável escolher prioridades, escalonar as ações e levar em conta a limitação dos meios, mas o presidente parece haver esquecido esse aprendizado.

 

Investimento é despesa, sim, tanto quanto o consumo ou o custeio da atividade pública, mas é um gasto diferenciado por seu efeito sobre o potencial produtivo. Esse efeito pode ser nulo ou até negativo, se o recurso for mal aplicado, por incompetência ou corrupção, como já ocorreu muitas vezes no Brasil. O investimento bem concebido e bem executado pode ampliar e modernizar a capacidade produtiva das empresas, da infraestrutura, dos serviços públicos e privados e também das pessoas.

Mas no Brasil se investe bem menos, proporcionalmente, que em várias economias emergentes, como indicam os dados de instituições multilaterais. O investimento brasileiro em ativos fixos, como redes de água e saneamento, estradas, portos e aeroportos, sistemas elétricos, máquinas, equipamentos e instalações empresariais, raramente supera 20% do Produto Interno Bruto (PIB) e várias vezes, neste século, ficou abaixo de 18%. Deficiências do governo, juros altos e insegurança quanto ao futuro da economia limitam a capacidade e a disposição de investir das empresas brasileiras e tornam o País menos atrativo para o capital internacional.

O trabalho dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, poderá mudar esse quadro, se o presidente Lula for convencido a cuidar mais seriamente do equilíbrio das contas públicas. O presidente se mostra, de vez em quando, receptivo às sugestões dos dois ministros, mas essa boa vontade é logo desmentida por seu voluntarismo e por sua propensão à gastança. O discurso na Bahia foi mais uma expressiva manifestação contra a ideia da disciplina financeira.

 

As propostas de Haddad e Tebet poderão, de acordo com as primeiras informações, fortalecer as contas federais nos próximos dois anos, facilitar o cumprimento das normas do arcabouço fiscal e permitir a redução de custos tributários para empresas e pessoas físicas. Com a contenção de gastos, o setor público poderá, segundo estimativas divulgadas em Brasília, economizar cerca de R$ 40 bilhões até 2026. Ministros e presidente deverão discutir o pacote depois do segundo turno das eleições municipais.

Enquanto os ministros tentam conter a despesa, rever seus componentes e iniciar a recomposição do gasto federal, o presidente apoia a proposta, do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, de retirar companhias estatais do Orçamento Geral da União, embora várias dessas empresas dependam de recursos do Tesouro. Se essa mudança ocorrer, um efeito é apontado como certo por analistas: o chefe de governo terá mais dinheiro para gastar. Os apoiadores da gastança - incluídos líderes do PT, vários ministros e grande parte dos congressistas - terão, muito provavelmente, uma boa novidade para comemorar (Estadão, 19/10/24)