25/09/2024

Diplomacia precisa se concentrar na crise do clima – Editorial Folha

Diplomacia precisa se concentrar na crise do clima – Editorial Folha

 

Discurso equilibrado de Lula na ONU indica caminho proveitoso, com menos atenção à ideologia derrotada de Celso Amorim.

Quando assumiu o seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) julgou que o mundo continuava a obedecer aos vetores da primeira década do século 21, que permitiram uma fugidia exposição internacional relativamente favorável de países com as características do Brasil.

Com a imodéstia que lhe é peculiar, o chefe do governo brasileiro pôs-se a perambular pelo planeta, ao lado de seu assessor para assuntos ideológicos Celso Amorim, com a firme convicção de que era um iluminado destinado a desfazer os mais graves impasses geopolíticos. Deu com os burros n’água reiteradamente.

Agora, perto de concluir a primeira metade de sua terceira administração, Lula parece ter captado parte das transformações da arena global, ou ao menos se acomodou ao statu quo pela via dolorosa da tentativa e do erro.

Afinal, o líder petista não conseguiu nem sequer afiançar eleições limpas na Venezuela, vizinho do norte, depois de toda a bajulação à ditadura de Nicolás Maduro. Vive às turras também com o vizinho do sul, a Argentina, e nesse caso muito em razão da irascibilidade de Javier Milei.

Quem tem um desempenho sofrível como esse nas linhas fronteiriças não deveria se atrever a resolver conflitos no Oriente Médio e no leste da Europa. Melhor cuidar da casa, que não vai bem.

O discurso de Lula na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas reflete esse ajuste algo sutil, mas perceptível, de ênfase.

A não ser pela omissão do descalabro humanitário e político na Venezuela, a intervenção do presidente brasileiro foi equilibrada quando abordou as guerras e mazelas globais, homenageando a melhor tradição do Itamaraty.

Criticou o terrorismo do Hamas e a reação desproporcional de Israel. Condenou a invasão russa do território ucraniano e recomendou saída diplomática.

Foram preâmbulos para o tema em que o Brasil tem de fato potencial para fazer diferença no jogo internacional, que é o enfrentamento da crise climática e a aceleração da transição para a economia de baixo carbono.

Lula fez bem em não fugir das responsabilidades pelo combate a emergências como os incêndios florestais que agora dizimam porções da fauna e da flora nacionais e empesteiam o ar respirado por dezenas de milhões de cidadãos.

Seu governo tem o que mostrar na redução do desmate amazônico e no combate a atividades degradantes do ambiente como o garimpo ilegal. Já o arremedo de plano de transição energética apresentado em agosto deixa a desejar. Trata-se, na verdade, de um programa de incentivo ao gás natural, um combustível fóssil.

De todo modo, é muito melhor que a diplomacia brasileira e presidencial se concentre no tema da transição verde, classificado corretamente por Lula na ONU de "celeiro de oportunidades".

Do saco de ideias ultrapassadas cultivadas por Amorim e os radicais do PT não vai sair um tostão furado para o futuro do país (Folha, 25/9/24)