23/04/2018

Disputa no transporte de fertilizantes em Santos

Disputa no transporte de fertilizantes em Santos

Uma velha disputa entre empresas de fertilizantes e transportadoras de cargas no porto de Santos teve um novo capítulo escrito nesta semana. Na terça-feira, o Ministério Público do Estado de São Paulo emitiu parecer favorável à liminar pedida pela Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda) para que a Associação Comercial dos Transportadores Autônomos (Acta) e o Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Cargas a Granel de Santos (Sindgran) desocupem áreas no Guarujá e no próprio porto e permitam o livre acesso de caminhoneiros ao Termag, principal terminal público para a importação de fertilizantes do Sudeste do país.

A relação entre as partes começou a se deteriorar há alguns anos, mas se tornou insustentável em janeiro de 2017, quando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) condenou a Acta e o Sindgran por práticas anticoncorrenciais no mercado de fretes rodoviários na Baixada Santista. Em sua decisão, o Cade aplicou multa de R$ 1 milhão às entidades, que não foi paga, e as proibiu de organizar filas, selecionar transportadoras para operar nos terminais da região e impor valores mínimos, médios ou máximos para os fretes, entre outras restrições.

Segundo a Anda e outras entidades que representam empresas de fertilizantes, a ocupação do terreno em Guarujá pela Acta e pelo Sindgran impede o livre acesso de caminhoneiros ao Termag. Por controlarem o terreno, sustentam as associações, Acta e Sindgran controlam, por meio de credenciamentos discricionários e tabelamento de preços, a oferta de caminhoneiros que podem carregar fertilizantes. A Anda estima que o segmento teve prejuízos superiores a R$ 1 bilhão nos últimos anos pelas distorções de preços provocadas pela situação.

 

Por não ter competência para determinar a desocupação de terrenos de prefeituras, o Cade enviou em fevereiro de 2017 um ofício ao município de Guarujá apontando que Acta e Sindgran ocupam a área em questão de forma ilegal, já que não disputaram licitação para se estabelecerem no local. O mesmo ofício foi encaminhado à Codesp, estatal que controla o porto de Santos, pois Acta e Sindgran ocupam uma área dentro do porto que serviria de suporte às práticas anticoncorrenciais apontadas

De lá para cá, segundo a Anda, nada mudou. Por isso o pedido de liminar foi apresentado. "Dominaram o terreno, dominaram a rua, acabou a competição. E sem qualquer licitação", disse ao Valor Gabriel Dias, do escritório Magalhães e Dias, que representa a Anda na disputa. No parecer favorável à liminar, o promotor de Justiça substituto Cássio Serra Sartori sustentou que "a área pública vem sendo indevidamente ocupada há anos, causando não apenas prejuízo ao interesse público - que certamente seria melhor atendido com a cessão da área a título oneroso, mediante prévia licitação -, mas também, ao que tudo indica, à logística do porto de Santos e ao transporte e exportação de produtos, como já reconhecido pelo Cade".

Ainda que Acta e Sindgran já tivessem assinado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a promessa de desocupar o terreno de Guarujá até junho deste ano, o promotor argumentou que não existe, até o momento, "notícia do edital de licitação de concessão do imóvel". Em seu parecer, pediu que a Justiça determine ao município de Guarujá a obrigação de não renovar a atual permissão ou concedê-la novamente à Acta e ao Sindgran sem prévia licitação, sob pena de multa diária de R$ 10 mil aplicada ao prefeito Válter Suman (PSB).

Defendeu, também, que o município seja obrigado, caso continue adotando a política de conceder a área para exploração do setor privado, a realizar licitação para concessão do imóvel em 30 dias. E, finalmente, que a Justiça requeira a desocupação da área pelas duas entidades tão logo se encerre o atual termo de permissão de uso. Nos dois casos, também sob pena de multa diária de R$ 10 mil ao prefeito e às entidades, respectivamente.

Procurada, a Prefeitura de Guarujá informou que tem a titularidade da área e que atualmente existe um decreto garantindo, a "título precário", sua utilização até junho de 2018, "com ciência do Ministério Público Municipal". E revelou que abriu um processo administrativo sobre as acusações da Anda, ainda em tramitação.

A Acta, por sua vez, informou que não foi condenada por formação de cartel, "imputação afastada de plano pela relatoria do Cade e pelo Ministério Estadual, incluindo o Gaeco [Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado]", conforme nota enviada pelo advogado Roberto Antonio Ferreira. Segundo ele, a multa aplicada à Acta, "na qualidade de crédito não tributário, está 'sub judice'". Tramita na Justiça Federal de Brasília. Sobre a ocupação da área de Guarujá, onde está desde a década de 1980, a Acta destacou que o faz licitamente. "A Prefeitura, comprometida junto ao Ministério Público, vem adotando todos os procedimentos adequados às devidas regularizações do uso do terreno, fato iniciado e positivado pela municipalidade mediante o Decreto nº 12.466/66/2017". O Sindgran preferiu não se manifestar.

Em relação aos terrenos dentro do porto, finalmente, o advogado da Anda afirmou que a Codesp já reconheceu que estão irregulares. "Se não tomarem providências proximamente, por certo também teremos que buscar o Judiciário, pois já estivemos várias vezes na Codesp apontando o problema", afirmou Gabriel Dias ao Valor. A preocupação do segmento com a situação em Santos se justifica pelo fato de o Brasil importar cerca de 80% dos fertilizantes demandados pelos produtores rurais. No primeiro trimestre deste ano, quando as vendas domésticas de adubos alcançaram 6,3 milhões de toneladas, as importações somaram 4,7 milhões de toneladas (Assessoria de Comunicação, 20/4/18