19/03/2025

Doença muda o mapa da laranja e cientistas tentam ajudar no controle

Doença muda o mapa da laranja e cientistas tentam ajudar no controle

 

Pomar experimental de laranja do Fundecitrus. Foto Divulgação Fundecitrus

 

Com o avanço do greening, produtores e indústrias buscam terras fora do cinturão citrícola tradicional; Embrapa e Fundecitrus se unem para definir riscos climáticos e fitossanitários.

 

O avanço do greening, ou huanglongbing (HLB), pior doença da citricultura mundial, está deslocando as lavouras de laranja no país. Em reportagem publicada em agosto do ano passado, a Globo Rural já adiantava que produtores e indústria estavam comprando terras fora do cinturão citrícola tradicional para fugir da doença. Agora, eles terão apoio da Embrapa e do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), que estão estudando zoneamento de riscos climáticos e fitossanitários para o cultivo fora de São Paulo e Triângulo e Sudoeste de Minas Gerais.

 

“A Embrapa está imbuída em colaborar de todas as formas para mitigar e controlar o HLB, mas a avaliação de que a citricultura pode mudar e se expandir para novas áreas é uma realidade”, afirma o pesquisador Francisco Laranjeira, chefe-geral da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) e fitopatologista da equipe técnica de citros.

Neste momento, as entidades estudam Estados limítrofes ao cinturão produtor, como Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná e Distrito Federal, formando o que a Embrapa chama de Cinturão Citrícola Expandido (CCE).

Área de produção de citrus no Brasil. Foto Divulgação IBGE

 

]A pesquisa das entidades considera o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) – que indica os riscos climáticos envolvidos na produção em diferentes regiões brasileiras –, os alertas fitossanitários e a indicação de diversas medidas de manejo.

 

O Zarc considera riscos de 20% a 40% para a perda da produção associados a todas as fases de desenvolvimento dos frutos, desde a floração, passando pela frutificação, até a colheita. “Com os resultados de risco climático ao nível municipal para o Brasil inteiro, gerados pelo Zarc, conseguimos separar essas regiões que são limítrofes do cinturão cCitrícola existente e fazer um planejamento de expansão”, explica Mauricio Coelho, pesquisador da Embrapa, coordenador do Zarc Citros .

 

“A partir do momento em que a citricultura se expande, pode envolver locais com riscos climáticos ainda mais elevados. Isso já está acontecendo em algumas regiões, como Triângulo Mineiro e Alto Parnaíba, no oeste paulista, que apresentam maior déficit hídrico, e temperaturas elevadas no período de floração”, ressalta o especialista.

 

Riscos fitossanitários

 

Para além do clima, a Embrapa e o Fundecitrus observarão o risco fitossanitário, para greening e podridão floral, que afeta as flores e, consequentemente, a produção de frutos.

 

Tal qual o Zarc tradicional, o projeto vai usar modelos matemáticos e computacionais para estimar esses riscos e a expectativa é que os mapas que indicarão a ocorrência de psilídeos estejam prontos ainda em 2025.

 

Coelho explica que o controle tem que ser contínuo. "Existem condições ideais para o desenvolvimento tanto do microrganismo quanto do vetor, ou seja, há períodos naturalmente limitantes para esses organismos, como os de baixas temperaturas", afirma. Segundo o pesquisador, no atual cinturão citrícola, as baixas temperaturas restringem o crescimento das plantas e o desenvolvimento do fungo, especialmente quando associadas ao período mais seco do ano. "Isso resulta na falta de crescimento vegetativo e na ausência de floração natural", comenta.

 

O processamento dos dados das pesquisas será feito pela Embrapa Agricultura Digital, cujo data center fica em Campinas (SP), onde estão 4 mil séries históricas de 30 anos de plantio, de pontos de observação e de estações meteorológicas e pluviométricas espalhadas por todo o Brasil.

 

Migração crescente

 

Segundo o Fundecitrus, a migração dos pomares começou em 2023 e continua em ascensão. “Em 2024, os produtores começaram, com maior intensidade, a buscar novas regiões em áreas livres ou com baixa incidência do greening”, informa o pesquisador Renato Bassanezi.

 

Em curto prazo, a previsão é o aumento da doença no Estado de São Paulo. Em 2024, a incidência de greening aumentou de 38% para 44%, bem menor do que no ano anterior, que tinha sido de 24% para 38%.

 

Essa redução em si já tranquilizou o setor. A verdade é que o produtor tinha negligenciado um pouco a rotação de inseticidas, o que levou a populações de insetos a resistir aos principais inseticidas usados, que eram os mais baratos”, afirma o pesquisador Renato Bassanezi.

 

“Para fugirem da temperatura alta de Mato Grosso do Sul, por exemplo, os citricultores vão ter que antecipar a florada com irrigação e mantê-la”, destaca.

 

Para Danilo Yamane, da FortCitrus Consultoria e membro do Grupo de Consultores em Citros (GConci), os produtores enfrentam, neste momento, três principais desafios. O primeiro é o clima. Com as altas temperaturas e a falta de chuva, a umidade do solo é reduzida, não permitindo que a flor se desenvolva como deveria.

 

O segundo desafio é a localização geográfica. O mercado consumidor da fruta fresca está em São Paulo, assim como praticamente todas as processadoras de suco, o que aumenta o custo do transporte.

 

E o terceiro ponto, apontado pelo especialista, é a falta de mão de obra para trabalhar nas fazendas, inclusive na colheita, porque são áreas que não têm a laranja como cultura tradicional.

 

Exemplos

 

Uma das empresas que comprou uma área de plantio fora do Cinturão Citrícola foi a Cambuhy Agrícola, da família Moreira Salles, cuja sede principal fica em Matão (SP). “A decisão foi tomada no último ano devido ao aumento expressivo da doença e vai gerar 1,2 mil empregos diretos”, conta Fabrício Lanza, gerente de controle agrícola da empresa, à Embrapa.

 

A empresa optou por plantar a variedade laranja-pera nos novos pomares de Ribas do Rio Pardo, em Mato Grosso do Sul. A densidade escolhida foi de 444 plantas por hectare.

LARANJAS- REPRODUÇÃO INTERNET

Outra empresa a apostar no Estado foi a Agroterenas. “Com a explosão do greening em 2022, começamos os plantios em 2024 e devemos terminar 1,5 mil hectares até 2026”, conta Ezequiel Castilho, diretor agroindustrial da AGT Citrus. “Precisamos ir por uma questão de segurança, mas é importante lembrar que a laranjeira é uma planta de clima temperado, assim como a soja, a maçã, a pera e a uva, que acabaram indo para outras regiões. Acho que é um processo natural. Questões relacionadas à mão de obra e à infraestrutura, vão melhorando aos poucos. O governo estadual tem dado muito apoio e se comprometido com o investidor”, pondera.

 

À Globo Rural, Sarita Junqueira Rodas, CEO de um dos mais tradicionais produtores de laranja do país, o grupo Junqueira Rodas, afirmou que procurou outros caminhos para fugir do greening e foi parar no município de Paranaíba, em Mato Grosso do Sul. “Começamos a buscar lugares em que pudéssemos plantar de forma isolada, ao mesmo tempo que não fosse distante dos nossos clientes, as indústrias de suco”, relata a empresária.

 

A fazenda, comprada no ano passado, recebeu as primeiras mudas fevereiro de 2025, e os primeiros frutos serão colhidos daqui a quatro anos.

 

O problema que essa "fuga" para lugares isolados exige um investimento de milhares de reais e um período de adaptação e aprendizado. “Em Mato Grosso do Sul, o solo é mais arenoso e a temperatura média é mais alta, portanto, o manejo é diferente do que estamos habituados há décadas. Toda a produção precisa ser irrigada e não há mão de obra especializada”, diz Sarita.

Sarita Junqueira decidiu investir em outros Estados para produzir laranja. Foto Ricardo Benichio (Globo Rural, 18/3/25)