Dólar alto: Produto nacional rende mais no exterior; quem paga a conta?
Legenda: Com alta taxa de desemprego e auxílio emergencial menor, renda do consumidor vai encurtar ainda mais - Rubens Cavallari - 25.mar.2020/Folhapress
Números vindos do campo são de produção recorde, mas os desacertos da economia e na política geram dólar elevado.
Após um 2020 com preços recordes no campo e alta inflacionária nos supermercados, o cenário para 2021 não deverá ser muito diferente.
Os números vindos do campo são de produção recorde, mas os desacertos da economia e na política geram um dólar elevado, o que favorece as exportações. Em muitos casos, os ganhos com as vendas externas são bem maiores do que os com as internas.
A pressão de demanda internacional ocorrida no ano passado se mantém, mas há um componente novo: a alta externa das commodities. Os preços atuais voltaram a patamares elevados, e as negociações no mercado futuro não apontam recuos substanciais.
O preço dos alimentos neste ano poderá ter um efeito ainda mais dramático no bolso do consumidor, principalmente para os de menor renda.
A taxa de desemprego está em 14%, e a assistência emergencial, quando vier, será em valores menores e com tempo de duração mais curto. A renda do consumidor vai encurtar ainda mais.
Um dos exemplos dessa continuação das saídas de alimentos do país é a soja, o carro-chefe da agricultura brasileira. A Bolsa de Chicago está negociando o produto a US$ 14 por bushel (27,2 quilos), um valor bem acima da média histórica.
Brasil e Estados Unidos deverão ter safra recorde neste ano, mas o contrato de negociação de novembro, quando a soja norte-americana já estará no mercado, se mantém em US$ 12,4 por bushel.
Mesmo com safras recordes nos dois países, o volume será restrito diante das importações de 100 milhões de toneladas pela China. Além disso, os Estados Unidos têm um dos menores estoques da oleaginosa na história.
A alta da soja encarece o óleo usado na cozinha pelo consumidor e eleva ainda mais o valor do farelo, gerando custos na produção de proteínas.
Outro componente de custos para a ração, o milho, também não tem espaço para intensas quedas em Chicago. Do lado do Brasil, o dólar alto torna o cereal mais competitivo e atraente no mercado internacional, facilitando exportações.
Entre as proteínas, o boi é o que tem os preços mais aquecidos no momento. Mesmo com demanda menor tanto internamente como externamente neste primeiro trimestre, os preços não cedem e superam R$ 310 por arroba. A menor oferta de animais sustenta esses valores.
O consumidor interno vai disputar até o açúcar com o do mercado externo. O preço no país, mesmo em patamar recorde, dá uma remuneração menor às usinas do que o externo.
Atraso na safra brasileira, problemas climáticos em concorrentes do Brasil, escassez de produto a curto prazo e estimativa de déficit mundial vão manter os preços atrativos no exterior.
O dólar, que deverá se manter acima dos R$ 5 neste ano, segundo o mercado financeiro, freou as negociações internas do arroz no Sul. Apesar do avanço de 20% da safra no Rio Grande do Sul, as vendas estão abaixo da média histórica.
O cereal está sendo negociado a R$ 86 a saca, bem abaixo dos preços de até R$ 110 registrados no segundo semestre do ano passado, mas 74% acima dos valores de março de 2020, segundo o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).
Os consumidores não verão a volta dos preços do arroz para os patamares tradicionais. A exportação vai dar suporte ao cereal nas gôndolas dos supermercados.
A pressão no bolso do consumidor virá até de produtos normalmente com preços comportados, como é o café.
A saca já é negociada a R$ 740, sustentada pela queda de produção no Brasil, no Vietnã e na América Central. No caso do Brasil, além de problemas climáticos, a safra sofre o efeito da bienalidade. Após uma colheita de 63 milhões de sacas no ano passado, o país colherá um volume próximo de 50 milhões em 2021, segundo a Conab.
Além de favorecer as exportações, o dólar traz custos que são incorporados ao valor do alimento adquirido pelo consumidor. Esses custos vão das compras de trigo ao transporte interno das commodities (Folha de S.Paulo, 16/3/21)