Driblando riscos no campo – Por Maurício Antônio Lopes
Seres humanos estão o tempo todo colocando seus sentidos em sintonia com o ambiente onde vivem para minimizar riscos, que estão por todos os lados. Por isso, durante a evolução, nós acumulamos múltiplos sentidos, como audição, visão, tato, olfato e paladar, que funcionam de forma similar a um sofisticado sistema em constante alerta e que nos mantém vivos em um mundo repleto de perigos.
Risco é, na verdade, o efeito da incerteza sobre tudo à nossa volta – negócios, empresas, governos –, incluindo a nossa própria sobrevivência. Como as incertezas são uma constante em nossas vidas, nossos instintos evoluíram para gerir e driblar riscos. Se queimamos o dedo acendendo um palito de fósforo pela primeira vez, teremos cuidado redobrado ao fazê-lo uma segunda vez.
Gestão de riscos no campo é tema estratégico para o Brasil, uma vez que grande parte das nossas atividades agropecuárias é desenvolvida a céu aberto, exposta a todo tipo de incertezas. Apesar das causas de risco no campo estarem mais associadas a fatores climáticos e biológicos, os agricultores estão também sujeitos a variações imprevisíveis em diversas outras instâncias, como a regulatória, de mercado, de crédito, de percepções e expectativas da sociedade, dentre outras.
Tais pressões possuem efeitos multiplicadores que se propagam muito além das lavouras e criações, devido a impactos na renda, no abastecimento, na redução de empregos e na arrecadação de impostos. Por isso, falhas na gestão de riscos no campo podem levar a severos prejuízos na produção de bens que afetam muitos outros componentes da economia — o comércio, a indústria e os serviços —, além de agravar situações de pobreza e exclusão nas regiões mais pobres.
São muitas as evidências de expansão das pressões e dos riscos sobre a produção agropecuária. As mudanças climáticas já produzem intensificação de estresses térmicos, hídricos e nutricionais, com crescentes riscos para os recursos naturais e a produção. Por isso, precisamos de inovações tecnológicas capazes de identificar tendências e padrões, ampliando a capacidade humana de analisar e interpretar incertezas de grande complexidade e viabilizando formas eficazes de gerir os riscos no campo.
Felizmente o Brasil está dando passos sólidos nessa direção. Duas décadas atrás, a falta de gestão de riscos na condução das lavouras levava a perdas severas e filas de agricultores nos bancos, renegociando dívidas. Para superar essa dificuldade, a Embrapa mobilizou uma grande rede de parceiros e integrou volumes massivos de dados de clima, solo e cultivos de modo a definir épocas e locais de menor risco de perdas na produção das nossas lavouras.
Daí surgiu o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), um instrumento de política agrícola e gestão de riscos que cobre 44 tipos de lavouras em todo o Brasil. O resultado é de uso fácil pelos agentes financeiros, técnicos e produtores e trouxe uma economia de cerca de R$ 16,8 bilhões para o agronegócio brasileiro só no ano de 2018. São prejuízos que o País deixou de sofrer com as perdas de safras e as indenizações securitárias que elas provocariam.
É certo que o futuro virá pleno de riscos e incertezas, mas a boa notícia é que vivemos num mundo marcado pela produção vertiginosa de conhecimento e avanços tecnológicos. Portanto, o sucesso do ZARC atesta a capacidade brasileira de inovar para a construção de um futuro menos arriscado para os nossos agricultores e consumidores (Maurício Antônio Lopes é pesquisador e ex-presidente da Embrapa)