24/08/2018

Due diligence de integridade

Due diligence de integridade

Devida cautela ao se relacionar com seus parceiros comerciais

Por Carlos Gomes Monteiro

 

Há pouco mais de um mês estive em uma simpática cidade do interior de São Paulo, próxima ao Vale do Paraíba, para encontrar-me com um amigo de muitos anos.

Fomos caminhando ao restaurante onde almoçamos e, no caminho, passamos por uma revenda de automóveis usados, onde, incrédulo, me deparei com Daewoo Espero 1997.

Para quem não conhece, o Daewoo é um carro coreano que foi comercializado no Brasil na última década do século passado.

Há muito tempo não via um Daewoo.

É inacreditável vê-lo em uma loja de automóveis, pois me parece bastante improvável que, nos dias de hoje, se espere tirar alguma vantagem comercial na venda de um veículo importado, com mais de 20 anos de uso de uma montadora já extinta.

No para-brisa dianteiro o revendedor anotou com letras brancas: “mecânica 100%, nada para fazer”.

Acredite se quiser!

Na mesma hora em que vi o Daewoo e li o anúncio no para-brisa, eu disse para o amigo que me acompanhava:  “Haja apetite ao risco!”

Apetite ao risco é a disposição de uma organização ou individuo em aceitar um risco com o propósito de agregar valor e atingir seus objetivos.

O apetite ao risco influencia diretamente as atitudes dos indivíduos e a cultura de uma organização.

Um colecionador de carros antigos tem um apetite ao risco distinto de uma pessoa que queira um automóvel para se locomover diariamente com sua família com segurança e economia.

Para a pessoa que utilizaria o Daewoo exclusivamente para se locomover parece que o risco é muito grande, mesmo acreditando na integridade do revendedor que anunciou que a mecânica está 100%.

Quando vamos comprar um automóvel usado, via de regra, para começo de conversa, buscamos informações sobre a agência que o está comercializando, sobre o vendedor e sobre a procedência do veículo.

Agimos com a devida cautela.

Como podemos perceber, cotidianamente nos deparamos com inúmeras situações que nos impõem avaliar riscos.

Para tomar uma decisão em face dos riscos, nossa primeira providência é buscar mais informações a respeito.

Em termos de gestão organizacional, de modo similar ao que fazemos cotidianamente, conduzindo um processo de análise e avaliação de riscos buscamos inicialmente delinear os contextos internos e externos.

É preciso conhecer o contexto em que estamos inseridos para inventariar, analisar e avaliar os riscos com maior precisão.

Depois da entrada em vigor da Lei da Empresa Limpa – a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) e do Decreto 8420/15, que regulamenta a Lei, as organizações passaram a incorporar em suas práticas de gestão a realização da “due-diligence” de integridade ou “due-diligence” de compliance.

A “due-diligence” (melhor traduzido para o português como devida cautela) é uma expressão utilizada para denominar o procedimento do Departamento de Compliance que engloba o inventário, a análise e a avaliação dos riscos à integridade a que a organização está exposta nos relacionamentos com prestadores de serviços, fornecedores, prepostos e parceiros comerciais.

O procedimento de “due-diligence” de integridade fundamenta-se no levantamento de informações sobre os parceiros comerciais relacionadas à sua imagem reputacional, bem como à efetiva implementação de programas de integridade e ao desenvolvimento de ações de combate à fraude e à corrupção.

Esse levantamento de informações terá maior ou menor profundidade, em vista da criticidade e da motricidade dos riscos decorrentes do relacionamento comercial considerado.

No contexto da gestão da integridade, a “due diligence” ganhou relevância em razão de que a Lei Anticorrupção dispõe sobre a responsabilidade objetiva administrativa e civil da pessoa jurídica pela prática de atos lesivos no relacionamento com agentes públicos nacionais e estrangeiros.

Isso significa que a pessoa jurídica responderá judicialmente se um funcionário seu, um parceiro comercial ou, até mesmo, um preposto cometer qualquer ato ilícito que venha trazer vantagem indevida em proveito da organização.

Para realizar a “due diligence” o Departamento de Compliance deverá, com base em dados transmitidos pelo setor contratante, considerar aspectos específicos da parceria, como escopo do trabalho, nível de remuneração dos contratos a serem celebrados, objetivos comuns e interesses de cada parte.

Antes de contratar um serviço, é prudente agir com a devida cautela para conhecer o histórico da empresa e identificar se possui eventuais ligações com integrantes de órgãos públicos que possam vir a exercer influências no sentido de se obter vantagens indevidas.

Também é preciso ter conhecimento a respeito da sua estrutura societária e levantar informações a respeito de seus principais funcionários (gestores e técnicos) envolvidos no contrato.

Importa também conhecer a infraestrutura geral do parceiro comercial, confrontando-a com as condições propostas para prestação do serviço.

De todo modo, como já foi destacado, a criticidade e a motricidade do risco determinarão a profundidade da “due diligence”.

Nesse aspecto há um outro ponto a levar em conta.

O Departamento de Compliance, em conjunto com o setor contratante, deve mensurar o valor que a parceria agregará à organização, posto que o processo de “due diligence” demanda a aplicação de recursos e custos que devem ter proporcionalidade com a relevância do serviço que será contratado.

A questão é que o combate que todos queremos travar contra a fraude e a corrupção acentua os rigores da legislação e maximiza o impacto dos relacionamentos comerciais para as organizações, razão pela qual, os gestores das empresas do agronegócio devem levar em conta suas especificidades e refletir a respeito dos seus parceiros de negócios e de suas eventuais necessidades de aprofundamento da “due diligence”, em face de seus riscos peculiares.

Quais os custos operacionais que decorrem da contratação por preços menores de empresas já autuadas por transportar cargas com peso acima do permitido, em carretas terceirizadas com manutenção precária e que possuam um histórico de acidentes com vítimas fatais?

Quais os custos reputacionais decorrentes da compra a baixo custo de insumos químicos de fornecedores de origem duvidosa?

Quais as demandas jurídicas que decorreriam da autuação de um prestador de serviços terceirizado por oferecimento de propina a um agente público, com vistas a acelerar um processo de desembaraço alfandegário trazendo vantagem indevida à sua agroindústria?

Para desenvolver suas atividades mitigando os riscos do relacionamento com os parceiros comerciais é preciso que os gestores do agronegócio desenvolvam processos que aperfeiçoem sua governança, protejam sua imagem e garantam a continuidade de sua atividade produtiva.

Todos sabemos que os custos de não ter a devida cautela nos relacionamentos com parceiros comerciais estão ficando cada vez maiores.

Afinal, se nem sempre podemos pagar mais e comprar um carro zero quilômetro para mitigar riscos, ao menos precisamos saber quem está querendo nos vender um carro usado, anunciando que a mecânica está 100%, com nada para fazer (Carlos Gomes Monteiro é Coronel da Reserva do Exército Brasileiro, foi Chefe da Agência de Inteligência do Comando Militar Leste (Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais) e Comandante e Diretor de Ensino da Escola de Inteligência Militar do Exército. É sócio da consultoria Linha Limite Soluções Integradas em Gerenciamento de Riscos – www.linhalimite.com.br)