29/10/2024

É grave a suspeita sobre venda de sentença no TJ-MS

É grave a suspeita sobre venda de sentença no TJ-MS

Editorial

Segundo a PF, esquema envolve 5 desembargadores; investigação deveria estimular mudanças para inibir condutas ilegais.

A fotografia divulgada pela Polícia Federal impressiona: maços volumosos de notas de R$ 50, R$ 100, R$ 200 e US$ 100 se distribuem sobre uma mesa de vidro, perfazendo cerca de R$ 3 milhões apreendidos na última quinta-feira (24).

Impressiona ainda mais que o dinheiro estivesse na residência de Júlio Cardoso, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e um dos alvos da Operação Ultima Ratio, deflagrada pela PF.

O órgão suspeita que exista um esquema de venda de decisões no TJ-MS. Além de Cardoso, participariam pelo menos outros cinco desembargadores, todos da ativa: Vladimir Abreu da Silva, Marcos José de Brito Rodrigues, Sideni Soncini Pimentel, Alexandre Aguiar Bastos e Sérgio Fernandes Martins, presidente do tribunal.

Eles foram afastados de seus cargos por 180 dias, não podem frequentar as dependências da corte, estão proibidos de se comunicar entre si e devem usar tornozeleira eletrônica.

Convém lembrar que todas são medidas cautelares, tomadas no curso do processo; não implicam culpa de quem quer seja, mas demonstram que, para os investigadores, há elementos suficientes para justificar a adoção de providências dessa natureza.

Por meio da quebra do sigilo de comunicações, por exemplo, a PF entendeu que os desembargadores agora afastados promoviam as negociações ilícitas com a intermediação de seus próprios filhos —na maioria, advogados que utilizariam seus escritórios para burlar a fiscalização.

Não seria a primeira vez que isso acontece. Basta lembrar que, por fatos muito semelhantes, o TJ da Bahia está há cerca de cinco anos sob a lupa do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Conselho Nacional de Justiça e da PF.

A peculiaridade do caso sul-mato-grossense é a suspeita ainda mais grave de que a corrupção tenha subido os degraus até o STJ —razão pela qual se determinou a transferência do inquérito para o Supremo Tribunal Federal.

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente da corte, afirmou que, se forem confirmadas as hipóteses da PF, não haverá tolerância ou condescendência.

É o mínimo, mas não basta. O Judiciário, de olho na própria legitimidade, deveria ser o primeiro a propor mudanças institucionais capazes de inibir o comportamento ilegal de seus membros.

Um bom começo seria tornar mais rigorosa a lei disciplinar que, hoje, estabelece como pena máxima para magistrados a aposentadoria compulsória com manutenção dos proventos. Trata-se de condescendência vergonhosa (Folha, 29/10/24)