É preciso entender o agronegócio. Um novo Brasil olha para o antigo
entender o agronegócio-Imagem Portal do Agronegócio
Por Elio Gaspari
Na quinta-feira o novo Brasil e seu desafio estavam na vitrine. Uma fotografia de Danilo Verpa mostrava o pátio da montadora Volkswagen empanturrado com milhares de carros. No mesmo dia noticiava-se que a empresa havia suspendido sua produção e que o governo ampliaria o socorro ao setor, com facilidades para os compradores.
Noutra ponta, os números do Censo de 2022 informaram que a região Centro-Oeste, onde está boa parte do agronegócio, teve um crescimento populacional de 1,2% ao ano, o dobro da média nacional. Isso durante o governo de Luiz Inácio da Silva, o Lula, filho de "seu" Aristides e dona Lindu.
Lula tinha sete anos em 1952, quando Lindu e o tio Dorico subiram com as crianças num caminhão, com destino a Santos. Eles eram guiados pela esperança dos brasileiros dos anos 1950. Aristides era um nordestino da grande migração. Estava em Santos e carregava sacos de café no porto. Desde o Império, a riqueza nacional estava naqueles sacos. Lula nunca carregou café. Fez um curso no Senai, tornou-se torneiro mecânico e orgulhava-se ao circular com o macacão sujo de graxa. O Brasil de Juscelino Kubitschek produzia automóveis.
Passou o tempo e a história de Lula é conhecida. Com ele no Planalto, os carros das montadoras estão encalhados e há um fluxo migratório para o Centro-Oeste. Muitos Aristides de hoje vão para Goiás e os dois Matos Grossos.
No primeiro trimestre deste ano, o agronegócio cresceu 21,6%, enquanto a indústria encolheu 0,1%. Há um ano, na ponta da produção, o tempo de espera por uma colheitadeira de soja e milho estava em seis meses, agora está em três. Na última safra o plantio rendeu mais de 50%, em dólares. Na próxima deverá render 25%.
Um setor tornou-se internacionalmente competitivo, enquanto o outro continua competindo por proteção e benefícios.
O Brasil precisa dos dois, mas uma parte dele não lida direito com a novidade. Felizmente Lula parou de chamar uma parte dos empresários do agronegócio de "fascista", constrangendo aqueles que o apoiaram contra a facção troglodita que seguia Bolsonaro.
Os grandes empresários do agronegócio não são os velhos coronéis do Nordeste do século 20, nem os agrotrogloditas do 21. Por artes de Asmodeu, acabaram no mesmo panelão.
(Ao tempo de JK era irrelevante registrar que Schultz-Wenk, o presidente da Volks brasileira, que desfilava num Fusca ao lado do presidente, havia sido um moço entusiasta da Juventude Hitlerista, filiado ao partido nazista dois anos antes de sua chegada ao poder.)
A ORFANDADE CULTURAL DO AGRO
Há algum tempo ridicularizavam-se os conservadores do Parlamento, dizendo que existia a bancada do BBB, com o boi, a Bíblia e a bala. O boi impulsionava a economia, a Bíblia era o livro mais vendido no país e boa parte da população defendia a pena de morte para bandidos. Em 2018 deu Bolsonaro.
O Brasil do século 20 legou ao 21 uma cultura capenga ao lidar com o país rural. Ele foi retratado pelas injustiças, pelo sofrimento e pela exaltação vazia. Euclides da Cunha disse que o sertanejo é antes de tudo um forte e, como repórter, estava alistado na tropa que massacrou a gente de Canudos. Jorge Amado, Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto expuseram este país, mas ele não é mais o mesmo. Guimarães Rosa trouxe um sertão épico, porém inerte.
Como um penetra que se enfia numa festa, o Brasil rural instalou-se na música e há décadas o gênero sertanejo está nas paradas. Em janeiro deste ano ele foi o mais tocado nas rádios do país. Em segundo lugar vinha o forró.
Enquanto a questão esteve no campo da cultura, esse problema teve bom tamanho, mas estava circunscrito. Hoje ele está na vitrine e nas estatísticas.
A encarnação do poderoso senhor do agronegócio nada tem a ver com os clássicos proprietários rurais da literatura. Ele é um colono do Sul do Brasil, cujo pai não lhe deixou um tostão. Subiu para Goiás, Mato Grosso e chegou a Roraima. Ralou como o Severino de João Cabral. Diferenciando-se dele, na parte que lhe coube do latifúndio, plantou soja. Culturalmente órfão, está vivo, educou bem o filho e não se importa com isso (Folha, 2/7/23)