11/01/2021

É tempo de investir em resiliência no setor sucroalcooleiro

É tempo de investir em resiliência no setor sucroalcooleiro

Por Giovana Araújo e Martiniano Lopes

                                                     

 No início deste ano, o cenário que se desenhava para o setor sucroalcooleiro era de recuperação de rentabilidade em um contexto de retomada dos preços do açúcar no mercado internacional e de redução da taxa de juros básica da economia, particularmente relevante para um segmento intensivo em capital com um contingente não desprezível de empresas ainda com elevado nível de alavancagem. A única nuvem que persistia no horizonte do setor era o preço do petróleo no mercado internacional e o impacto de uma eventual apreciação do real frente ao dólar na paridade de importação da gasolina e, consequentemente, nos preços do etanol no mercado interno.

A pandemia da covid-19 não trouxe apenas uma reversão de expectativas como pegou o setor sucroalcooleiro em um momento particularmente delicado, no início da moagem da safra 2020/21 na região Centro-Sul. Os preços do etanol chegaram a cair quase 40% no início da pandemia, entre final de março e início de abril, motivados pela retração da demanda e preocupações com capacidade de armazenagem do etanol, assim como, pela forte queda dos preços do petróleo no mercado internacional, que balizam a formação de preços da gasolina no Brasil. E não menos importante, a aversão a risco pautou o mercado de crédito e foi precificada no custo das operações de financiamento junto a empresas do setor.

A tormenta passou, mas o mar é revolto. A demanda de etanol no país ainda acumula retração em relação ao mesmo período do ano passado (-17% considerando o período abril a outubro), mas essa retração foi mais do que compensada pelo aumento da demanda de açúcar na safra 2020/21,  2,2 vezes maior em volume, medido em Açúcar Total Recuperável (ATR). A forte desvalorização do real frente ao dólar reforça a competividade do açúcar do Brasil no mercado internacional e favorece a recuperação da participação de mercado do país no mercado global. As exportações de açúcar seguem atrativas e os mercados futuros têm gerado oportunidades de fixação acima de R$ 1.700/tonelada. O preço do petróleo WTI (referência para o mercado norte-americano) está em torno dos USD 40 por barril, quase 30% abaixo do mesmo período do ano passado, mas a desvalorização cambial amorteceu, substancialmente, o impacto dessa queda sobre os preços da gasolina na refinaria no Brasil, balizado pela paridade de importação. Os custos de captação das operações de crédito com menor risco estão convergindo para os níveis pré-crise, enquanto operações com maior risco seguem com custos mais altos.

Dito isso, algumas empresas do setor de açúcar e etanol conseguiram acessar o mercado de crédito em plena pandemia, atrelando taxas de juros a metas socioambientais e de governança. Persiste o impacto negativo da desvalorização cambial sobre o endividamento em dólar (que representa cerca de 35% do endividamento do setor), particularmente, para as empresas com compromissos a vencer no curto prazo.

Passada a fase de adaptação e ajustes à nova realidade trazida pela pandemia, é tempo de acelerar a transformação e a inovação das organizações do setor sucroalcooleiro. A pandemia não só amplificou os sinais de ruptura que vinham se formando no mercado de combustíveis para fins de transportes no mundo inteiro, como trouxe mudanças estruturais e desafios, entre os quais, os preços de equilíbrio a médio prazo, mas também oportunidades para o setor sucroalcooleiro no país. E para enfrentar os desafios será necessária uma mudança radical na forma de produzir em direção à transformação digital das operações e na cultura das organizações frente à inovação nos modelos de negócios.

Quanto mais avançada a organização estiver nessa jornada de transformação digital e inovação, maior a resiliência e maior o potencial de crescimento no futuro (orgânico e inorgânico). Essa transformação se dará tanto no campo, como no processamento e no backoffice, portanto, estamos falando da Agrícola 4.0, Indústria 4.0 e Backoffice 4.0. No primeiro momento, essa transformação está se concentrando na melhoria da eficiência operacional, redução de custos e melhoria do nível de compliance das usinas, mas as oportunidades não pararam aqui e o movimento seguinte se dará na monetização de dados através de ecossistemas próprios ou compartilhados e, por fim, na gestão de plataformas digitais colaborativas, alavancando novos modelos de negócios e abrindo um novo horizonte para o crescimento.

Em outras palavras, um novo mundo de oportunidades está se abrindo para o agronegócio e para o setor sucroalcooleiro. Quem sair na frente terá o privilégio de colher os frutos primeiro, tornando-se referência para o mercado. Não estamos falando de uma corrida de 100 metros, mas sim de uma maratona, que exigirá não só domínio de novas tecnologia digitais, mas uma mudança no modelo mental.  Trata-se de uma transformação cultural digital profunda nas empresas do setor nos próximos anos (Giovana Araújo é sócia líder de agronegócio da KPMG e Martiniano Lopes é sócio de consulting da KPMG)