Em busca da virada nos campos de arroz
Para quem contempla de longe a imensidão das planícies gaúchas, os pequenos tufos de cabelos verdes que brotam do chão compõem um cenário inspirador. Diante da calmaria, é impossível imaginar o trabalho dos produtores de arroz da região para pincelar o quadro. Fileira por fileira, em linha com um planejamento de quase uma década. E poucas são as garantias de que o esforço será recompensado com bons preços, tendo em vista as conhecidas dificuldades desse mercado, dependente de uma demanda doméstica que há tempos não apresenta crescimentos dignos de nota.
Na granja Quatro Irmãos, em Rio Grande, a estratégia para a ocupação dos 13.000 hectares da propriedade nesta safra 2017/18 começou a ser traçada em 2011. A última etapa foi a escolha dos insumos, sempre em evolução. E metade dos 6.400 hectares destinados ao arroz foram cultivados com sementes da RiceTec, multinacional controlada pela família real de Liechtenstein (pequeno país europeu de 37.000 habitantes, situado entre a Suíça e a Áustria), que começou o desenvolvimento de variedades híbridas na década de 1990, no Texas (EUA).
“Os resultados constatados em outras safras sinalizam produtividade elevada em um curto ciclo de desenvolvimento”, disse Jorge de Barros Iglesias, diretor agrícola da fazenda. O que ele não sabe é que esse desempenho positivo não foi suficiente para manter o equilíbrio financeiro da RiceTec. Pelo menos não nos países que formam o Mercosul, onde têm participação expressiva.
Após perder três safras na Argentina e sofrer com o avanço de concorrentes, a empresa decidiu paralisar as operações no país. Uma fábrica de beneficiamento de US$ 3.3 milhões está à venda e a ordem para defender os domínios no Mercosul é estabelecer parcerias e acelerar o desenvolvimento de novos traits (eventos) do cereal para a região.
O fato é que muitos clientes da RiceTec, inclusive a granja Quatro Irmãos, descobriram que os tufos de cabelos verdes que marcam a paisagem poderiam crescer disciplinados como é necessário também com sementes desenvolvidas por institutos de pesquisa do Brasil (Irga) e da Argentina (Inta). E, para a RiceTec, é hora de parar de perder mercado.
“Chegamos a ter 8% do mercado geral de sementes de arroz e quase 20% do mercado de sementes certificadas (no Mercosul). Mas a participação caiu para 5,5%”, disse Ricardo Blohm Benzius, presidente da RiceTec na região. “Nossos concorrentes tomaram mercado onde queríamos crescer, como no Paraguai, e onde estávamos bem posicionados, como no Brasil e no Uruguai”. O executivo está conduzindo a reestruturação em curso, mas as mudanças incluem sua própria saída, no fim do ano.
Estima-se que o mercado de sementes certificadas de arroz movimente US$ 80 milhões ao ano na América do Sul. Como as sementes híbridas comercializadas pela RiceTec custam quatro vezes mais que as convencionais, a fatia da empresa na receita é maior que no volume de vendas. A RiceTec faturou US$ 226 milhões em 2016, e o Mercosul representou 10% do total. Essa fatia, contudo, chegou a ser de 18%. O Brasil era, e continua a ser, responsável por 80% das vendas do Mercosul.
Mas não foi só a concorrência que afetou a posição da RiceTec no Mercosul. O El Niño provocou grandes perdas para a empresa nos campos do norte da Argentina, que era seu principal polo de atuação na região. “Só no ano passado, perdemos 46% da produção e US$ 4.4 milhões pela falta de sementes para comercializar. O custo das operações disparou e o acionista pediu para fecharmos a fábrica no país”, disse Benzius.
A saída foi atender Brasil, Uruguai e a própria Argentina com estoques e com sementes produzidas no Uruguai. Se o Brasil é o maior mercado do da empresa na América do Sul, o Uruguai está em segundo lugar, com 15%. Atualmente a Argentina é o menos relevante, segundo Leandro Pasqualli, que substituirá Benzius a partir do próximo ano.
A RiceTec garante que, com tratos culturais corretos, suas sementes geram uma produtividade acima de 10.000 quilos por hectare. O objetivo é desenvolver, em cinco anos, uma semente que renda 15.000 quilos por hectare. Para isso, a empresa aposta nos melhoristas de seu centro de pesquisa em Santa Maria (RS), que recebe US$ 3.4 milhões por ano para desenvolver variedades.
“Já em 2019, uma semente com gene tolerante a herbicida que acabe com o arroz vermelho (praga que atinge 12% das lavouras do continente) entrará em fase comercial”, informou Pasqualli.
No caso das parcerias, o foco são empresas de agroquímicos e de genética. A primeira foi fechada em junho, com a Adama. A companhia israelense, controlada pela ChemChina, vai comercializar no Brasil seu herbicida junto à semente tolerante da RiceTec.
Na Argentina e no Uruguai, o acordo visa a garantir que o insumo esteja disponível nas regiões atendidas pela RiceTec. Nesse sentido, Benzdius vê outras empresas, como Basf, DowDuPont e FMC, como potenciais parceiros no modelo de comercialização integrada.
Se as dificuldades atuais forem superadas, o futuro da RiceTec poderá até contemplar uma mudança de controle. Os executivos entrevistados pelo Valor dizem que a empresa quer conquistar a Ásia, maior mercado global de arroz, mas que a ideia é que as Américas financiem essa expansão. Nos Estados Unidos, afirmam, a empresa é altamente lucrativa. Caso essa realidade vire regra também no Mercosul, a companhia poderá chamar a atenção dos grandes grupos do segmento.
No Brasil, a empresa também está tentando abrir novos mercados, como em Tocantins. Com 18 meses de operação no estado, a companhia conseguiu 10% da área semeada de arroz na safra 2017/18 (132.000 hectares). No país, 70% da produção de arroz se concentra no Rio Grande do Sul, em pouco mais de um milhão de hectares.
Nas terras gaúchas, cerca de 60% dos produtores costumam salvar as próprias sementes, o que limita a demanda. Mas os clientes gaúchos são maiores e o tíquete de vendas da empresa no estado é de cerca de R$ 150.000,00 por safra, contra R$ 20.000,00 em outras regiões do país.
Planejamento: receita para bons resultados
No que depender da avaliação de Jorge de Barros Iglesias, diretor agrícola da granja Quatro Irmãos, é perfeitamente possível que a RiceTec consiga recuperar algum espaço perdido nas planícies gaúchas nos últimos anos. Ele afirma que o ciclo mais curto das sementes vendidas pela companhia da família real de Liechtenstein diminui a necessidade de aplicação de defensivos, o que reduz custos.
O fato de a janela climática de plantio diminuir com uma semente de ciclo curto pode até se transformar em um problema, mas é para isso que existe planejamento. “Dividindo a safra 2017/18, pudemos plantar 48% da nossa área com sementes do IRGA a partir de agosto. O restante cultivamos com sementes da RiceTec. Assim, mitigamos o risco climático”, disse Iglesias.
Como a Quatro Irmãos começou a plantar mais cedo do que as propriedades vizinhas, estará bem posicionada quando as indústrias retomarem suas compras de arroz, em janeiro.
Iglesias também realça que a escala da fazenda permite que o gerenciamento das vendas seja mais eficiente, diferentemente do que acontece com boa parte dos arrozeiros de menor porte. Da colheita da safra 2016/17, por exemplo, a Quatro Irmãos negociou até agora 85%, a um preço médio de R$ 39,00 por saca de 50 quilos, diante de um custo de produção de R$ 38,00, incluindo depreciação e amortização.
O diretor agrícola admite que o resultado poderia ter sido melhor, mas não lamenta. “Pelo menos não estamos no vermelho, como a maior parte dos arrozeiros”. Para os próximos meses, ainda período de entressafra, ele prevê um aumento de até R$ 1,50 por saca.
A Quatro Irmãos é uma das fazendas mais profissionalizadas do país. Pertence aos herdeiros de Joaquim Oliveira, que fundou a Josapar, dona da marca de arroz Tio João. Mas, por causa de divergências com os herdeiros da Josapar, a produção da Quatro Irmãos não é vendida para a empresa.
Os principais clientes da fazenda são Camil, SLC, Arrozeira Pelotas e Extremo Sul. Em 2016/17, a produtividade média da propriedade foi de 10.550 quilos por hectare, acima das médias gaúcha (8.400) e nacional (6.200). A fazenda também planta soja, para rotação com arroz, milho para silagem e produz leite