Embrapa é indutora na revolução verde agropecuária, diz presidente
Silvia Massruhá - Foto Felipe Rau-Estadão
Silvia Massruhá já foi pesquisadora sênior e chefe da área de pesquisas da Embrapa
Por Isadora Duarte
Para Silvia Massruhá, o campo precisa comprovar, com métricas e fatos, que já produz com sustentabilidade.
Uma das grandes responsáveis pela transformação da produtividade da agropecuária brasileira, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem um novo desafio: apoiar o produtor na transição para uma agropecuária mais verde, regenerativa, conservacionista e de baixo carbono. “Passamos por um novo momento em que, além de falarmos que podemos aumentar a produção e a produtividade com sustentabilidade, precisamos comprovar com métricas. A Embrapa tem um papel importante, por ser um grande articulador, um novo indutor e facilitador da revolução verde”, diz a presidente da Embrapa, Silvia Massruhá.
O caminho passa por desenvolver e transferir novas tecnologias aos 5 milhões dos produtores brasileiros, quer sejam os bioinsumos, a calculadora da pegada de carbono, ou a integração lavoura-pecuária-floresta, ou em levar indicadores para mostrar a sustentabilidade da agropecuária brasileira. “Mas temos também de avançar, estimulando os produtores de forma que possam ser recompensados por adotarem práticas mais sustentáveis”, defende.
A Embrapa foi fundamental para o agronegócio brasileiro dar um salto em produtividade. Há uma nova revolução verde em curso no setor, do alimento à energia. Qual o papel da instituição nisso tudo?
No histórico, a Embrapa teve um papel de estimular a produção no País. Passamos de importadores para grandes exportadores de alimentos, desenvolvendo tecnologia para o nosso tipo de clima e solo, ou seja, para a agricultura tropical. Foram tecnologias para aumentar a produtividade, o chamado efeito “poupa terra”, que permitiram expandir em 140% a área plantada e em 580% produção de grãos nos últimos 50 anos. Hoje passamos por um momento em que, além de mostrarmos que podemos aumentar a produção e a produtividade com sustentabilidade, precisamos comprovar isso com métricas. Vejo que, neste novo momento, a Embrapa tem um papel importante por ser um grande articulador, um novo indutor e facilitador da revolução verde. Isso passa pelo portfólio de tecnologias que ela possui e pode ajudar na nova revolução verde e por levar métricas e indicadores para comprovar que a nossa agropecuária é sustentável ambiental, econômica e socialmente. Mas temos também de avançar, estimulando mais os produtores de forma que possam ser recompensados por adotarem práticas sustentáveis.
Na prática, como a pesquisa e a tecnologia se inserem nesse processo da agricultura regenerativa?
A Embrapa pode ser um novo indutor, oferecendo o portfólio de tecnologias, participando desse movimento de agricultura sustentável. Por exemplo, com a fixação biológica de nitrogênio, o plantio direto, os sistemas integrados de lavoura, pecuária e floresta (ILPF), os sistemas agroflorestais, os sistemas consorciados, a recuperação de florestas e o próprio incentivo aos bioinsumos. São maneiras de incentivar o melhor aproveitamento do solo e com a visão de agricultura regenerativa, adotando práticas mais sustentáveis. Nessa pauta, entra também a recuperação de áreas degradadas. Hoje o Brasil tem mais de 160 milhões de hectares de pastagens, sendo aproximadamente 40 milhões de hectares com aptidão agrícola. Podemos trabalhar essa recuperação com pastos e práticas sustentáveis ou sistemas agroflorestais, a depender da região.
Está em curso o programa de recuperação de pastagens degradadas, com a meta do governo de converter 40 milhões de hectares de pastos em dez anos. Quais são os caminhos para acelerar esse movimento e como se dá a participação da Embrapa no programa?
A Embrapa está fazendo um estudo com o cruzamento de informações dessa área possível de ser recuperada com o zoneamento agrícola de risco climático, para mapear qual a maior aptidão agrícola de cada área. O Ministério da Agricultura tem apresentado o projeto no mundo todo para captar recursos. A Embrapa entra com tecnologias. A partir do cruzamento de dados das pastagens com o zoneamento, veremos quais são as tecnologias mais adequadas que podemos aplicar. Já existe um embrião que começamos no Rio Grande do Sul este ano junto com Banco do Brasil e a Cooperativa Central Gaúcha.
Como a Embrapa contribuirá para ajudar os produtores no que tange à pressão internacional por desmatamento zero e melhor uso da terra?
Primeiramente, com as tecnologias, por exemplo, na Amazônia e no Cerrado, de incentivar os modelos integrados e a ILPF. Hoje, há 17 milhões de hectares cultivados com o sistema ILPF, sendo a maioria integração-lavoura-pecuária (ILP). A Embrapa vem trabalhando via Rede ILPF para alcançar 30 milhões de hectares, incluindo a integração com o reflorestamento. No Norte, desenvolvemos muito os sistemas agroflorestais, com cacau, café e açaí. Além disso, trabalhamos com a dimensão sobre o uso de cobertura da terra, participando dos projetos TerraClass Amazônia e TerraClass Cerrado, que, a partir de dados do Prodes, classificam e analisam os dados. Estamos trabalhando o modelo junto com os Ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia para ampliar o TerraClass Brasil para os outros quatro biomas. A partir da classificação dos dados, é possível ter um monitoramento melhor da dinâmica de uso e cobertura da terra e trabalhar com políticas públicas para incentivar o uso dessas tecnologias, visando à adoção da agricultura regenerativa.
As pressões globais sobre uma agricultura de baixo carbono são cada vez mais frequentes. No Brasil, essa transição está de fato sendo concretizada? Com a regulação em trâmite do mercado de carbono, a Embrapa pode ajudar o produtor na mensuração do balanço de carbono?
A agricultura de baixo carbono já está sendo concretizada, pois temos, há mais dez anos, o Plano de Agricultura de Baixo Carbono, hoje “RenovaAgro”. No Brasil, começamos a estabelecer alguns protocolos, o de soja e carne e leite de baixo carbono por meio de parceria público-privada. Agora, estamos avançando no cálculo da pegada de carbono do ciclo de vida do sistema de produção. Temos uma metodologia já reconhecida e validada internacionalmente. O balanço da pegada de carbono começou com a cana-de-açúcar e avançou para soja, milho, leite e café. É uma metodologia que estamos aplicando em outras cadeias produtivas. A agricultura emite carbono, mas sequestra também. Na análise do ciclo, muitas vezes o saldo é positivo. Portanto, temos que trazer esses dados por cadeia e trazer referências tropicalizadas, visando às exigências de mercado.
A ideia é mensurar o balanço de carbono de toda a cadeia produtiva?
Já temos calculadora para a pegada de carbono de soja, a PRO Carbono Footprint. Estamos avançando na validação da calculadora para milho. A metodologia para calcular a pegada de carbono foi desenvolvida pela Embrapa Meio Ambiente com base em vários modelos para mensurar o balanço de carbono, independente da cultura. Outra parte do processo é a validação da metodologia com vários produtores, coletando dados de solo e fazendo análise do ciclo de vida antes e dentro da porteira, a fim de mensurar quanto emite e quanto sequestra e comparar com práticas mais sustentáveis. Trabalhamos com soja, leite, carne, milho, café, algodão e há outras culturas nas quais queremos avançar, como arroz e feijão. A partir disso, o produtor poderá ser recompensado, porque hoje não temos como contabilizar a pegada de carbono das culturas.
Na outra ponta, da redução da pegada de carbono, quais projetos atuais da Embrapa visam à redução do CO2 na agricultura brasileira, aos moldes da contribuição da fixação biológica de nitrogênio?
Temos investido em bioinsumos, uma alternativa que visa à redução da pegada de carbono. Já temos dez tecnologias, além de mais de 240 que estamos discutindo em várias cadeias. Os sistemas consorciados também são uma maneira de reduzir a pegada de carbono e de a Embrapa incentivar práticas mais sustentáveis. Há ainda a participação da agricultura na produção de biocombustíveis, e o Brasil já vem fazendo isso com etanol de segunda geração (Estadão, 17/11/23)