Empresas de alimentos pedem que tradings de soja ajudem a salvar o Cerrado
Legenda: A vegetação natural do bioma desempenha um papel crucial no armazenamento de dióxido de carbono (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)
Um grupo de empresas internacionais que inclui Tesco, Walmart (WMT), Unilever e McDonald’s pediu nesta terça-feira que grandes tradings de commodities parem de trabalhar com soja associada ao desmatamento do Cerrado brasileiro.
O grupo de 163 companhias, signatárias da Declaração de Apoio ao Manifesto do Cerrado, disse que escreveu em novembro às tradings Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Louis Dreyfus, Cargill, Cofco International e Glencore pedindo para que elas deixem de obter soja, direta ou indiretamente, de áreas desmatadas no Cerrado após 2020.
Nenhuma das tradings concordou com as medidas, segundo o comunicado.
“Pedimos às tradings que intensifiquem seus próprios compromissos e implementem sistemas robustos de monitoramento, verificação e relatórios na região, e estabeleçam uma data limite em 2020 livre de conversão de desmatamento do Cerrado para a soja”, disse Anna Turrell, diretora de Meio Ambiente da Tesco.
Atualmente, a região do Cerrado produz cerca de 60% de toda a soja do Brasil, maior produtor e exportador global da oleaginosa, que é processada para produção de ração e óleo.
A vegetação natural do bioma desempenha um papel crucial no armazenamento de dióxido de carbono.
A queima de combustíveis fósseis e a destruição de florestas estão aumentando as emissões de carbono, aquecendo o planeta e contribuindo para a elevação do nível dos oceanos, tempestades severas e outros problemas.
A vida selvagem também está sob ameaça na região, lar de animais como araras-azuis, lobos-guará e onças, assim como de milhares de plantas, peixes, insetos e outros seres endêmicos, muitos dos quais estão apenas começando a ser estudados.
No ano passado, grupos ambientais criticaram a Cargill após a companhia afirmar que ela e a indústria de alimentos em geral não conseguiriam atingir a meta de eliminar o desmatamento das cadeias de oferta até 2020.
Na América do Norte, empresas estão encorajando produtores a adotar práticas mais sustentáveis, devido à pressão do consumidor e às expectativas de mais regulamentações.
A Cargill disse em comunicado em seu website que reconhece “a urgência de abordar a questão do desmatamento e da conversão de terras com vegetação nativa no Cerrado.”
“Podemos confirmar que a Cargill não fornecerá soja de agricultores que desmatam ilegalmente ou em áreas de proteção, e temos as mesmas expectativas em relação aos nossos fornecedores”, afirmou a trading.
Um porta-voz da ADM, em resposta a um pedido da Reuters por comentários, disse que a “ADM possui uma rígida Política de Não Desmatamento, e contamos com tecnologias de satélite para garantir que possamos cumprir nossa política.”
A Bunge afirmou que “não adquire soja de áreas desmatadas ilegalmente” e “se dedica a uma cadeia produtiva sustentável e tem o compromisso público, desde 2015, de eliminar o desmatamento de todas as nossas cadeias produtivas até 2025, prazo mais curto do setor”.
Cofco, Louis Dreyfus e Glencore não responderam de imediato a um pedido por comentários (Reuters, 15/12/20)
Definir 2020 como limite para conversão do Cerrado em soja é inviável, diz Abiove
Legenda: A legislação brasileira permite que os proprietários de terras desmatem até 80% da vegetação nativa no Cerrado (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)
Definir 2020 como uma data limite para a proibição de novos desmatamentos e conversões de terras para áreas de soja no Cerrado não é algo viável, disse nesta terça-feira o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar.
Ele fez o comentário em resposta a uma carta de um grupo de empresas internacionais, que pediu que grandes tradings de commodities deixem de comprar soja associada ao desmatamento do bioma.
Companhias do setor discutiram por anos, com ONGs e clientes europeus, formas para garantir desmatamento zero nas cadeias de oferta, segundo Nassar.
Mas esse debate sempre colocou os grupos em “lados opostos”, afirmou ele em entrevista à Reuters, à medida que operadores se recusam a impor uma moratória vista como injusta aos agricultores.
“Impor uma data limite significaria excluir produtores mesmo quando eles ampliam as áreas legalmente”, disse Nassar. “Nós sempre dissemos que não faríamos isso.”
A legislação brasileira permite que os proprietários de terras desmatem até 80% da vegetação nativa no Cerrado.
A Abiove e seus membros propuseram aos signatários da Declaração de Apoio ao Manifesto do Cerrado que fossem introduzidos incentivos financeiros para que os agricultores recebessem uma compensação por não desmatarem novas áreas.
Pelo plano, os produtores não cultivariam as áreas em troca de pagamentos. O esquema duraria cinco anos e poderia provocar uma mudança cultural gradual, disse Nassar.
Segundo ele, apenas três empresas participantes do Manifesto do Cerrado afirmaram publicamente que investiriam dinheiro em uma iniciativa como essa.
Individualmente, as tradings possuem suas próprias metas para erradicar o desmatamento. A carta desta terça-feira, porém, foi vista como uma tentativa de acelerar o processo.
“É uma forma de fazer pressão”, disse Nassar. “É uma forma de dizer à opinião pública e às ONGs… na Europa, ‘fizemos o que tínhamos que fazer” (Reuters, 15/12/20)