12/03/2025

Empresas que não mudarem hoje não sobreviverão nos próximos 10 anos

Empresas que não mudarem hoje não sobreviverão nos próximos 10 anos

Sam Samaratunga Foto PwC – Divulgação

 

Entrevista com Sam Samaratunga, sócio global de riscos da consultoria PwC. Ao avaliar riscos trazidos pela inteligência artificial e pelas mudanças climáticas, Sam Samaratunga alerta para a necessidade de preparação e de flexibilidade para rever o rumo.

 

Mudanças sempre vão trazer riscos, mas as empresas podem e devem estar preparadas para lidar com elas, sejam as novas tecnologias, sejam as mudanças climáticas, diz Sam Samaratunga, indonésio radicado no Reino Unido e sócio global de risco da consultoria PwC.

 

Samaratunga esteve no Brasil em fevereiro e atendeu o Estadão com exclusividade. Na PwC desde 1998, o executivo é especialista em serviços financeiros, mercados de capital e infraestrutura de mercado, assessorando clientes da consultoria na análise de riscos, controle e mudanças em sistemas de informação complexos.

 

Na entrevista, Samaratunga fala sobre os diferentes riscos com que uma empresa precisa lidar atualmente. Também dá uma visão geral sobre quatro níveis nos quais as companhias precisam estar preparadas para as mudanças — a chave é saber quando agir, sem esperar demais. Confira os principais trechos da entrevista.

 

Para quais riscos você acha que as empresas estão bem preparadas hoje em dia?

 

Há mais riscos para os quais as empresas precisam estar bem preparadas. As empresas melhoraram, mas ainda há mais a fazer, porque o ambiente de risco muda o tempo todo. Os riscos cotidianos, como a segurança cibernética, as empresas sempre lidam com esse tipo de coisa. Mas o problema é que o cenário de risco está mudando o tempo todo, ou seja, é constante. Nos últimos dois ou três anos, uma das coisas que os CEOs estão dizendo cada vez mais é que suas organizações não sobreviverão nos próximos 10 anos se continuarem fazendo o que fazem hoje. Agora, a razão pela qual eles estão dizendo isso é principalmente por causa do que eu chamaria de riscos macro como, por exemplo, geopolíticos, a volatilidade econômica e a inflação, as mudanças climáticas. Alguns dos riscos com os quais elas poderiam ter lidado no passado estão evoluindo devido a esses grandes fatores.

 

E há algum risco novo?

 

E acho que um novo tipo de risco é a necessidade de se reinventar. E o que isso significa é que, em algumas áreas, elas precisam assumir alguns riscos para avançar. Ficar parado não é uma opção. Quando analisamos as nossas pesquisas, os riscos típicos que aparecem repetidamente, e um dos riscos que aparecem com muita frequência é a segurança cibernética. Como há muitas formas de ataque, pode ser por causa de ransomware (softwares maliciosos), pode ser por espionagem, pode ser por sabotagem. Também é possível receber ataques em nível estatal, que buscam sabotar a infraestrutura, como serviços públicos, eletricidade e assim por diante.

 

Como as empresas podem estar preparadas para readaptar suas estratégias diante de guinadas na geopolítica ou na inovação?

 

Primeiro, temos de ajudar nossas organizações a pensar sobre onde podem assumir riscos, mas fazer isso de forma inteligente. A segunda coisa é, ao mesmo tempo, como elas gerenciam determinados riscos e também criam resiliência. Além disso, as empresas precisam operar e analisar os riscos em quatro níveis. O primeiro nível é esse risco estratégico, esses riscos macro. Como elas realmente entendem as implicações de coisas como geopolítica e tecnologia.

 

O segundo nível é como as empresas lidam com o risco no dia a dia, como elas gerenciam coisas como a governança, o risco de segurança cibernética, o risco regulatório. É o gerenciamento diário do risco, certificar-se de que tudo está funcionando bem em um ambiente muito restrito em termos de custos. A camada três é a resiliência. Uma empresa ter de lidar com uma crise não é ‘se’ ela acontecer, é ‘quando’ ela acontecer.

 

Uma maneira de minimizar o risco de uma crise é desenvolver a resiliência e saber qual é a tolerância da empresa. Qual é o limite em que uma empresa pode operar? E como você cria resiliência para isso? A camada quatro é quando algo acontece, como você reage? Porque as empresas precisam ser capazes de lidar com crises. É lidar com uma crise, sobreviver a ela e, depois, continuar a prosperar.

 

A empolgação com a IA pode afetar a preparação para riscos, se as empresas começarem a usá-la sem um plano?

 

Sim, acho que pode. As empresas precisam ser capazes de usar a inteligência artificial com confiança. A IA depende muito dos dados que ela usa para dar as respostas. Portanto, a primeira pergunta é: como saber se o que ela está dizendo ou os resultados dela são confiáveis? Existe um conceito chamado alucinação, quando ela apresenta respostas estranhas. Uma parte do uso da IA com confiança é saber que a organização pode confiar no resultado.

 

A segunda parte de usar a IA com confiança é saber que a segurança do que está sendo usado, dos dados que estão sendo usados, não foi comprometida e aspectos como privacidade e confidencialidade de determinados tipos de informações foram garantidos. A terceira é a regulamentação. Agora, em muitas partes do mundo, estão surgindo cada vez mais novas regulamentações relacionadas à IA.

 

E, por fim, ela também precisa ser eticamente correta. Se uma empresa simplesmente mergulha nela por causa de toda a empolgação, ela pode não ter as bases para usar a IA de forma adequada e confiante. Por outro lado, é preciso usá-la porque ela pode criar oportunidades e vantagens competitivas.

 

Como a equipe deve estar preparada para usar a IA da maneira correta?

 

Em primeiro lugar, acho que é preciso ter consciência dos problemas que precisam ser resolvidos, dos desafios, se preferir. Leis, regulamentações, alucinação, todas essas coisas têm de ser resolvidas. É importante que as organizações tenham as bases tecnológicas certas, como programas de conformidade de segurança e assim por diante, para poder usar a IA. O segundo ponto é saber onde aplicar a IA dentro da companhia. A terceira é a governança e os controles sobre o uso da IA, como a pessoa responsável por garantir que, antes de ser usada adequadamente. E a última coisa são as habilidades e conhecimentos das pessoas na organização para usar esse material.

 

Além da IA, quais outras tecnologias podem oferecer novos riscos para os quais as empresas precisam estar preparadas?

 

A mais recente é o uso da nuvem. A maioria das organizações tem várias soluções baseadas em nuvem. Esse foi um dos maiores impulsionadores do passado. Hoje, é a IA. Amanhã, provavelmente será a computação quântica. Como as organizações podem usar a computação quântica de forma mais eficaz quando ela estiver madura e disponível? Por isso, volto à questão da tecnologia como um risco macro e uma oportunidade, porque acho que muitas organizações têm dificuldade para pensar em quando fazer uma mudança. Mudo para a nuvem ou não? Uso IA ou não?

 

Porque fazer isso, por um lado, tem riscos, mas tem oportunidades. Por um lado, tem custo, mas tem um retorno. Se você gastar dinheiro hoje e a tecnologia mudar amanhã, será que fui rápido demais? Se eu não fizer isso hoje e meus concorrentes fizerem, será que fui devagar demais? Devo agir amanhã? Estou gerenciando o risco? Será que não estou? As organizações precisam estar prontas para tomar decisões, mas devem ser rápidas e capazes de reverter algumas dessas decisões se as coisas mudarem rapidamente.

 

As empresas estão levando a sério os riscos ambientais, como as mudanças climáticas e a poluição?

 

Tenho de olhar para isso de duas maneiras. Eu tenho dois filhos e quero que o mundo em que eles crescerão seja um lugar melhor do que o mundo em que vivemos hoje, inclusive do ponto de vista climático. Portanto, as organizações devem levar a sério o risco da sustentabilidade, que, obviamente, vai além do clima, mas inclui a mudança climática. O desafio para as organizações é gerenciar os negócios de hoje, o crescimento e a lucratividade de curto prazo, e elas precisam fazer isso em relação às questões de sustentabilidade climática, que alguns podem ver como problemas de médio a longo prazo. Porém, se forem desafios de curto prazo e não lidarmos com eles hoje, o problema se tornará cada vez maior no futuro.

 

Acho que as organizações deveriam estar fazendo mais. Ao mesmo tempo, entendo que as organizações têm prioridades conflitantes, mas podemos fazer mais de uma forma mais conectada em todo o mundo. A dificuldade, porém, é que as regulamentações relacionadas à sustentabilidade, por exemplo, não são as mesmas em todos os territórios. Precisamos que o setor de serviços financeiros faça mais para incentivar o uso de, por exemplo, investimentos verdes, tecnologias verdes e assim por diante. Mais deve ser feito antes que seja tarde demais.

 

Quais ferramentas as empresas podem usar para se preparar para os riscos climáticos que podem afetar suas operações?

 

A modelagem climática é uma ferramenta. Quando você olha para as áreas que são mais afetadas, parte disso está relacionada à compreensão do clima e de como ele vai mudar e como vai evoluir, e é aí que entra a modelagem climática, que é, obviamente, um modelo. Com os avanços tecnológicos e nossos recursos de ciência de dados, podemos fazer isso melhor do que antes. A segunda é analisar as implicações das cadeias de suprimentos globais, que são uma parte crucial do gerenciamento da sustentabilidade. Você precisa entender essas cadeias de suprimentos, onde estão as vulnerabilidades, onde estão os pontos fracos e como lidar com eles. Há uma terceira área, que não se trata de modelagem, mas de incentivos. Como os governos reguladores, por exemplo, incentivam as organizações a lidar com isso de forma mais eficaz.

 

Como as empresas podem se preparar para os riscos geopolíticos?

 

Para mim, os riscos se enquadram em duas grandes categorias. Coisas sobre as quais se pode fazer algo e coisas sobre as quais não se tem controle. A geopolítica é algo que pode ser dentro ou fora de um país, mas que ainda assim tem um impacto sobre a organização. Como é fora da empresa, não há muito o que fazer, exceto estar preparado para o que pode acontecer. Hoje, a geopolítica se move em um ritmo bastante acelerado.

 

O que as organizações precisam fazer é saber realmente o que está acontecendo, saber quais são as dimensões e a dinâmica política, e saber o que elas podem fazer se as coisas acontecerem de uma forma ou de outra. Quando uma empresa decide entrar em um novo mercado ou ter um fornecedor de um novo lugar, é preciso ter consciência do que pode ser o ambiente político nos locais relevantes para a empresa, entender como ele pode mudar e ter um plano de como lidar com isso. Por exemplo, não depender de apenas um fornecedor em um território, especialmente se for em um local politicamente volátil.

 

A polarização pode ser um risco para a comunicação das empresas e para a construção de suas marcas?

 

No mundo de hoje, a comunicação é importante e a alternativa de não se comunicar o suficiente é muito prejudicial para as organizações. A comunicação é uma parte crucial para manter os clientes, acionistas e órgãos reguladores atualizados sobre o que a organização está fazendo, e é importante fazer isso de forma transparente. Em outras palavras, de uma forma que crie confiança nas comunidades com as quais a organização está se comunicando. Coisas como greenwashing, mais cedo ou mais tarde, vêm à tona, e destroem a confiança. É mais difícil para a organização reconquistar a confiança. Faz muito mais sentido se comunicar, ser transparente e fazer isso de forma a criar confiança nas pessoas com quem se está comunicando.

 

Como as empresas podem trabalhar a seleção de talentos e a relação com a equipe?

 

Remete ao ponto mencionado anteriormente sobre confiança, porque uma organização tem o dever de cuidar de seus profissionais, e a comunicação é uma parte fundamental disso. Mas isso está evoluindo. As expectativas das diferentes gerações são muito diferentes, e parte disso é a compreensão. É preciso estar em sintonia com as expectativas geracionais, as expectativas culturais, que são diferentes, especialmente quando se trata de uma multinacional.

 

E, é claro, as expectativas de uma época específica. Mas tem de ser uma via de mão dupla. Por um lado, com os profissionais, é muito importante proporcionar a eles o ambiente certo para trabalhar, torná-lo um lugar gratificante e assim por diante. Por outro lado, é importante que os funcionários também entendam que estão trabalhando para uma empresa e que precisam fornecer o tipo certo de serviço para essa empresa. É sempre um ato de equilíbrio (Estadão, 12/3/25)