Energia barata não, competitiva sim – Por Adriano Pires
Quando houver concorrência na oferta de gás, a presença do consumidor livre no mercado de gás crescerá.
Energia barata é uma espécie de fetiche de diferentes governos, sejam de centro, mais à esquerda ou mais à direita. Isso porque não existe energia barata, e sim energia competitiva. Afinal, energia é um insumo que entra no custo, e países onde a energia não é competitiva em nível global acabam por perder uma grande vantagem comparativa.
Portanto, o slogan choque de energia barata deveria substituir o barata por competitiva, e com isso certamente poderíamos ter evitado a fatídica Medida Provisória 579 do governo Dilma, que deixou um rombo no setor elétrico de quase R$ 200 bilhões; e os subsídios ao diesel e à gasolina, também no governo Dilma, que provocaram um buraco no caixa da Petrobrás de algo como R$ 80 bilhões, mais uma vez buscando o combustível barato. A questão é como implantar um programa com políticas públicas que estimulem a oferta de energia competitiva. Ao longo dos últimos anos temos tido todas as evidências de que não é com a caneta nem tampouco com a boa vontade e crença dos governantes.
Em primeiro lugar, energia competitiva não combina com subsídios nem com impostos elevados. E este é o caso do Brasil. Temos subsídios quase eternos na energia elétrica e os impostos federais e estaduais representam uma das maiores parcelas da tarifa de energia elétrica, do gás natural e dos preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha. No caso dos Estados, o ICMS é cobrado ad valorem, ou seja, um porcentual sobre a tarifa e o preço. Assim, quanto mais cara a energia, mais os Estados arrecadam. Não dá para ter imposto na energia com o conceito arrecadatório que temos nas bebidas e nos cigarros.
O debate no atual governo tem se concentrado muito em reduzir o preço do gás natural e, com isso, o da energia – chega-se a falar de 50%. Acho que está havendo muita confusão em toda esta discussão. Primeiro, é completamente errado prometer qualquer porcentual de redução no preço. Isso é coisa de Dilma.
Em segundo lugar, é fundamental entender que a regulação federal do gás natural termina no city gate, daí para a frente é estadual. É possível resolver alguns impasses via infralegal; outros, só por lei; mas do city gate para a frente, só com decisões estaduais. Do ponto de vista federal, cabe ao Ministério de Minas e Energia coordenar as proposições, e a primeira medida é implantar o acesso negociado a gasodutos de escoamento da produção, Unidades de Processamento de Gás Natural e gasodutos de transporte, criando uma forma de compensar a Petrobrás por abrir mão da capacidade nessas infraestruturas. Feito isso, outros produtores poderiam ofertar gás para as distribuidoras e os consumidores livres. Essa concorrência entre produtores poderá, no curto prazo, reduzir o preço da molécula, que é o principal custo, seguido pelos impostos. A existência do consumidor livre é consequência, e não causa.
Quando houver concorrência na oferta de gás, a presença do consumidor livre no mercado de gás crescerá. Mas, para que isso tudo funcione e o gás chegue ao consumidor, precisamos dar alguns passos essenciais. Primeiro, acordar o melhor modelo para a gestão da oferta e demanda do fluxo físico do gás, que atenda os agentes de mercado e garanta o suprimento ao consumidor final. Segundo, solução das questões tributárias e troca de gás em pontos da rede de transporte.
Por fim, comparar os EUA com o Brasil não faz sentido. Os EUA são exportadores e nós, importadores, e a principal diferença e que lá existe uma grande infraestrutura construída e amortizada. O nosso maior desafio é fazer crescer a infraestrutura, de gasodutos de escoamento da produção até os de distribuição.
Nesse sentido, excetuando-se o oportunismo de alguns (comum nestes momentos de discussão mais acirrada), não há nenhuma contradição ou mesmo situações que ponham em oposição agentes da cadeia de valor do gás no Brasil. Ao contrário, é preciso que todos tenham margens adequadas para investir no crescimento da infraestrutura indispensável ao País, para que com isso possamos aumentar a oferta de gás e, ao mesmo tempo, criar a demanda capaz para termos gás competitivo no Brasil. Este é o jogo do ganha-ganha que o programa do novo mercado de gás precisa implantar no País (Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura – CBIE; O Estado de S.Paulo, 4/5/19)