Entenda o acordo que gera tensão entre a Europa e o agro brasileiro
Em protesto contra acordo com o Mercosul, agricultores jogam estrume em frente à prefeitura da cidade de Limoges, na França. Foto Reuters
Carrefour anunciou que suas lojas na França não vão mais comprar carnes do Mercosul. Medida foi tomada em meio a novos protestos de produtores franceses contra a possibilidade de livre comércio entre a UE e o bloco sul-americano, que beneficiaria principalmente o Brasil.
O que existe em comum entre a decisão do Carrefour de vetar carne do Mercosul em suas lojas na França e os protestos de agricultores daquele país durante a reunião do G-20, que acontecia no Rio? A resposta é um acordo comercial entre a União Europeia e o bloco sul-americano.
Ele não é uma novidade: foi assinado em 2019, mas até agora não saiu do papel porque falta consenso. Ao longo dos anos, França e outros países da UE se posicionaram contra ou fizeram restrições parciais aos termos.
No último domingo (17), a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse à GloboNews, que o bloco tem trabalhado intensamente no acordo: "Como sabemos, o diabo está nos detalhes, e a reta final é a mais importante, mas, normalmente, a mais difícil" (assista abaixo). Ela veio ao Brasil para o G-20, assim como vários líderes mundiais.
Presidente da Comissão Europeia diz que principal dificuldade para acordo entre UE e Mercosul é conseguir consenso entre países membros.
Enquanto o encontro acontecia no Rio, agricultores protestavam em cidades francesas para demonstrar insatisfação com o acordo UE-Mercosul e com o governo do seu país. Eles jogaram estrume nas ruas, esvaziaram tanques de vinho e bloquearam estradas.
No terceiro dia de manifestações, o CEO do Carrefour anunciou o veto à carne do Mercosul, em uma carta dirigida aos produtores rurais franceses.
A posição foi alvo de críticas do governo brasileiro e dos agricultores do bloco sul-americano que tem ainda Argentina, Paraguai e Uruguai.
Alexandre Bompard não deixou claro qual é a extensão da medida. Posteriormente, a rede de supermercados explicou que a restrição valerá somente para lojas da França — que, no entanto, praticamente não vendem carne que não seja daquele país.
Ainda assim, as principais associações do agro brasileiro mantiveram as críticas: “Se [a carne do Mercosul] não serve para abastecer o Carrefour no mercado francês, não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país”, disseram, em nota.
Foi o segundo episódio em menos de 1 mês em que executivos de empresas com sede na França falaram sobre restrições que envolvem o agro brasileiro, um dos maiores exportadores do mundo.
Em outubro, o diretor financeiro global da Danone afirmou à Reuters que a gigante de laticínios não comprava mais soja do Brasil. Dias depois, a empresa disse que a informação "não procedia", mas não explicou a fala.
Neste caso, a motivação seria uma lei da União Europeia contra produtos que venham de áreas de desmatamento. Ela entraria em vigor no fim de dezembro, mas acabou de ser adiada em 1 ano.
A questão ambiental também é usada pelos europeus em argumentos contra o acordo UE-Mercosul .
Afinal, por que agricultores franceses (e de outros países europeus) são contra esse acordo? Que benefícios ele traria para o Brasil? As leis europeias são mesmo mais rigorosas do que as brasileiras? O g1 ouviu economistas e representantes do setor que fazem parte das negociações do acordo. Eles destacam os seguintes pontos:
- Os agricultores e pecuaristas europeus temem perder espaço com a livre comercialização dos alimentos do Mercosul no bloco, principalmente os brasileiros. Isso porque a mercadoria do Brasil passaria a ser mais competitiva em preços, devido à alta produtividade do país e ao aumento do custo de produção na Europa por causa das guerras.
- O Brasil , por sua vez, seria o principal beneficiado pelo acordo, com uma estimativa de aumento de 0,46% no PIB, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
- Não é verdade, no entanto, que as leis ambientais sejam menos rigorosas para a agricultura no Brasil do que para a europeia, como alegam produtores contrários ao acordo. O Brasil é um dos poucos países com um Código Florestal que exige que as lavouras tenham uma área extensa de reserva. Mas ainda tem que lidar com altas taxas de desmatamento ilegal.
Entenda melhor esses pontos abaixo.
O que é o acordo entre Mercosul e União Europeia?
O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia tem o objetivo de reduzir ou zerar as tarifas de importação e exportação entre os dois blocos. Ele não vale apenas para produtos agrícolas, mas este setor tem protagonizado boa parte dos embates.
A negociação começou em 1999 e o termo foi assinado em 2019. Desde então, o texto tem passado por revisões e exigências adicionais, principalmente por parte da União Europeia, devido à pressão imposta pelos por agricultores dos países-membro.
Para ser colocado em prática, o documento precisa ser ratificado pelos parlamentos dos 31 países envolvidos.
O ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, Carlos Fávaro, disse ao Valor Econômico que a expectativa do governo federal é de que o acordo seja anunciado na reunião da cúpula do Mercosul, no próximo dia 6 de dezembro. A fala foi na última segunda-feira (18), também durante o G20.
Alguns dos pontos do projeto relativos ao agronegócio são:
- a UE vai isentar de tarifas 82% das importações agrícolas do Mercosul;
- produtos agrícolas brasileiros, como suco de laranja, frutas, café solúvel, peixes, crustáceos e óleos vegetais terão tarifas eliminadas;
- exportadores brasileiros também terão preferência na venda de carnes bovina, suína e de aves, açúcar, etanol, arroz, ovos e mel;
- o acordo possui um mecanismo de salvaguarda que vai permitir a implementação de medidas temporárias caso haja um aumento inesperado e significante de importações que possa causar prejuízos às empresas e produtores agrícolas domésticos;
- alguns produtos ficarão sujeitos a um valor estabelecido por cotas, entre eles a carne bovina, a de aves, a de porco, o arroz e o mel;
- Mercosul e UE se comprometem a reduzir entraves de medidas sanitárias e fitossanitárias;
- UE e Mercosul se comprometem a implementar efetivamente o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, que inclui, entre outros assuntos, combate ao desmatamento e redução da emissão de gases do efeito estufa;
- segundo a UE, não haverá mudanças nos padrões de segurança alimentar e saúde animal do continente – ou seja, o bloco continuará podendo barrar a entrada de produtos que não se enquadrem aos requisitos locais.
Por que a finalização do acordo tem demorado?
Desde 2019, agricultores europeus, principalmente os franceses, têm se manifestado contra a aprovação do acordo.
Um dos receios dos produtores é de que o tratado torne os alimentos sul-americanos mais baratos na UE, reduzindo a competitividade das mercadorias europeias.
Os trabalhadores também alegam que haveria uma concorrência desleal, já que, segundo eles, a produção desses alimentos no bloco sul-americano não está submetida aos mesmos requisitos ambientais e sociais, nem às mesmas normas sanitárias em caso de controles defeituosos que a europeia.
Na França, o agro tem grande relevância no cenário político, influenciando no posicionamento dos líderes, afirma Paulo Feldmann, professor de economia da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA/USP).
Da forma como foi assinado, em 2019, o acordo UE-Mercosul era equilibrado, com vantagens e desvantagens para os dois lados, avalia Sueme Mori, diretora de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA).
Desde então, os europeus fizeram novas exigências, como uma carta que solicitava maior comprometimento ambiental. E foram implementadas no bloco outras regras de comercialização, como a lei de antidesmatamento, que dificulta a venda de produtos brasileiros para a Europa.
Deste modo, o acordo foi se tornando desequilibrado, para beneficiar mais a Europa, diz Mori.
Os produtores franceses, em específico, querem uma maior atitude protecionista por parte da União Europeia, completa Leonardo Munhoz, pesquisador do Centro de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Por isso o acordo está travado e se discute ter mais critérios ambientais."
Para Ingo Plöger, vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), se trata de um problema político. “Mais fácil jogar para um inimigo externo aquilo que você não fez”, diz.
Mori, da CNA, entende que a Europa tenta fazer com que o Mercosul siga regras que funcionam para eles, mas não funcionariam aqui devido às diferenças regionais.
Por exemplo: lá o clima é temperado e neva, portanto, técnicas para preservação do solo valorizadas no Brasil, como o plantio direto, não são reconhecidas.
Ela também destaca que se trata de uma agricultura mais subsidiada, ou seja, com mais programas com pagamentos dos governos europeus para os agricultores.
Veja como os países da União Europeia têm se posicionado, segundo a agência de notícias Reuters:
- Espanha: os sindicatos expressaram sua preocupação, sobretudo em relação à pecuária. Contudo, o governo é a favor do acordo.
- França: país onde a mobilização é mais forte. O presidente Emmanuel Macron afirmou no dia 17, em Buenos Aires, que a França não assinará o tratado "tal como está" negociado e que não acredita que a presidente da Comissão o assinaria sem o apoio de Paris.
- Alemanha: o chanceler Olaf Scholz é a favor do acordo, uma vez que busca ampliar as suas exportações industriais. Por outro lado, a Associação Alemã de Agricultores (DBV) considera "urgente renegociar" as cláusulas para proteger a produção nacional.
- Itália: o ministro italiano da Agricultura, Francesco Lollobrigida, alega que a versão atual do documento não é aceitável e exige as mesmas "obrigações" para os agricultores do Mercosul e da UE.
- Países Baixos: O principal sindicato agrícola holandês, LTO, pediu para "parar as negociações", que constituem uma ameaça para a produção avícola e láctea.
- Polônia: o Ministério da Agricultura expressou suas "sérias reservas", dizendo que o acordo "talvez traga alguns benefícios para a indústria, o transporte marítimo e alguns serviços, em detrimento da maioria dos segmentos da produção agroalimentícia".
- Áustria: os parlamentares da Câmara Baixa consideraram "incompatível" uma política que "restringe a produção agrícola na Europa impondo normas cada vez mais estritas ao mesmo tempo que impulsiona acordos comerciais antigos".
- Irlanda: os representantes dos pecuaristas (ICSA) protestaram na Câmara Baixa do Parlamento, a poucos dias das eleições legislativas do fim do mês.
As acusações feitas contra o Brasil fazem sentido?
A produtividade brasileira permite que o Brasil comercialize seus produtos por um preço mais competitivo na comparação com a Europa, aponta Leonardo Munhoz, da FGV.
Ainda assim, como, atualmente, a Europa cobra taxas de exportação, os alimentos locais ainda valem mais a pena dentro do bloco. Com o acordo em prática, isso poderia mudar.
No caso da carne, uma das vantagens brasileiras é que o país também é um importante produtor de soja, que gera a ração para os animais.
Portanto, não precisa comprar esse insumo de outros países.
O Brasil também abate o gado mais cedo, o que otimiza a produção, e mais cabeças são criadas sem ser em confinamento. Além disso, existe mais tecnologia para exportar diversos cortes para outros continentes, o que torna o país um grande exportador, explica Plöger, da Abag.
Outro ponto importante na competição é a preferência do consumidor europeu pelos cortes brasileiros, como a picanha, completa.
Já a França tem apenas pequenos criadores de gado de corte; o país foca mais na pecuária leiteira.
Além disso, os custos de produção na Europa estão maiores por causa das guerras como a da Ucrânia, que elevaram os preços dos combustíveis e dos insumos agrícolas, explica Munhoz.
“Mas você tem que lembrar também que a Europa é fora da concorrência externa. Ela sempre teve um setor agropecuário muito protegido por subsídios agrícolas [...] Então, qualquer concorrência incomoda muito”, explica.
Munhoz explica que não é verdade que as leis ambientais sejam menos rigorosas para o agro brasileiro.
O país, na realidade, é o único do mundo que tem uma obrigatoriedade em larga escala da preservação de vegetação nativa em propriedades rurais, que são as reservas legais, segundo estudo feito pelo Observatório de Bioeconomia da FGV que compara o Brasil com outros países.
O pesquisador diz que países europeus que têm alguma lei semelhante abrangem áreas menores de matas ciliares e oferecem um pagamento pelo serviço ambiental aos produtores. É a Política Agrícola Comum (PAC).
Em 2023, ela passou a prever que, para receber esses pagamentos, os agricultores teriam que cumprir com “boas condições agrícolas e ambientais”, como manter uma proporção de pastagens permanentes para terras agrícolas e proteger pântanos e turfeiras.
Mas, após protestos no início deste ano, os agricultores europeus conseguiram afrouxar algumas regras, como eliminar a quantidade mínima de terra que deve ser preservada nas propriedades.
"Ou seja, eles seriam pagos para preservar a vegetação nativa e estão reclamando disso. Aqui no Brasil é obrigação por lei", diz Munhoz.
No Brasil, a área de reserva legal deve ser: na Amazônia Legal, de 80% da propriedade nas áreas de florestas; no Cerrado, 35%. Nas demais regiões, a área mínima é de 20%.
“Do ponto de vista jurídico, o produto brasileiro preserva muito mais do que o produtor europeu. Isso é inquestionável”, afirma Munhoz.
Para o pesquisador, o problema do Brasil são os altos índices de desmatamento ilegal.
A área desmatada na Amazônia foi de 6.288 km² entre agosto de 2023 e julho de 2024, de acordo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ainda assim, quando comparado ao último levantamento, houve uma queda de 30,6% do total da área desmatada entre as duas temporadas.
Plöger, da Abag, afirma que as carnes exportadas, por exemplo, são fiscalizadas, portanto, dificilmente provenientes de desmatamento. Ainda assim, o Brasil não tem, hoje, uma política pública nacional para rastrear toda a cadeia da carne — o governo federal diz que tem planos para criar uma.
Além disso, a maior parte das empresas só checa a situação dos seus fornecedores diretos, ou seja, das fazendas que engordam os bois. Não existe a mesma verificação dos fornecedores indiretos, que são, geralmente, as fazendas que criam bezerros e bois magros. É este gargalo que o rastreamento com uso de chips pretende resolver.
Para Munhoz, a lei europeia antidesmatamento , que foi adiada para o final de 2025, já coloca o Brasil em uma situação menos competitiva no exterior, uma vez que é o país do Mercosul com mais mata nativa, portanto, com mais risco de desmatamento.
"[O desmatamento na Europa] é menor. Por que é menor? Porque eles já derrubaram muita coisa", afirma.
Como o Brasil é beneficiado pelo acordo?
O Brasil seria o país mais beneficiado pelo livre comércio e entre União Europeia e Mercosul, aponta pesquisa do Ipea. Entre 2024 e 2040, o acordo provocaria um crescimento de 0,46% no PIB brasileiro, mais do que a União Europeia (0,06%) e os demais países do Mercosul (0,2%).
Ainda segundo o Ipea, o acordo aumentaria os investimentos vindos do exterior no Brasil em 1,49%, na comparação com o cenário sem a parceria.
Na balança comercial, o país teria um ganho de US$ 302,6 milhões, enquanto para o restante do Mercosul seria de US$ 169,2 milhões. Já a União Europeia teria uma queda de US$ 3,44 bilhões, com as reduções tarifárias e concessões de cotas de exportação previstas.
Considerando somente as exportações brasileiras, elas aumentariam continuamente no período até alcançarem um ganho acumulado de US$ 11,6 bilhões.
Isso seria possível, porque o Brasil teria uma grande redução nas tarifas de exportação, que hoje tem uma média de 17% do valor do produto, mas que em alguns casos chegam até a 200%, afirma Pedro Henrique Rodrigues, assessor de Relações Internacionais da CNA.
O acordo também permitiria acesso a um mercado de valor agregado, com consumidores de produtos "premium", além de garantir renda para os agricultores, uma vez que, em setores como a pecuária, o país produz mais do que consume, afirma Rodrigues.
Atualmente, os principais produtos exportados para a União Europeia em 2023, segundo a Agrostat, plataforma do Ministério da Agricultura e Pecuária, são:
- complexo soja, que é o conjunto de produtos derivados da soja (US$ 8,5 bilhões)
- café (US$ 3,7 bilhões)
- produtos florestais (US$ 2,6 bilhões)
- carnes (US$ 1,6 bilhão)
- sucos (US$ 1,3 bilhão)
- complexo sucroalcooleiro, que são produtos derivados da cana-de-açúcar (US$ 1,7 bilhões)
- fumo e seus produtos (US$ 1 bilhão)
- frutas, incluindo nozes e castanhas (US$ 919 milhões) (G1, 23/11/24)
Entenda a crise criada pelo boicote do Carrefour à carne do Mercosul
Nesta sexta-feira, outra rede varejista francesa também anunciou que vai deixar de vender carne da região; governador de Mato Grosso propôs boicote ao Carrefour e ao Atacadão no Brasil.
Na quarta-feira, 20, um comunicado do presidente do grupo Carrefour, Alexandre Bompard, em suas redes sociais, deu início a uma grande polêmica no Brasil. No comunicado, o executivo afirma que a rede varejista se comprometia, a partir daquela data, a não vender carnes do Mercosul, bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, independentemente dos “preços e quantidades de carne” que esses países possam oferecer.
Bompard afirmou que a decisão foi tomada após ouvir o “desânimo e a raiva” dos agricultores franceses, que têm protestado contra a proposta de acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Os atos de protesto, organizados pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas (FNSEA) e pelos Jovens Agricultores (JA), começaram na última segunda-feira, 18, com bloqueios de rodovias e outras manifestações.
Embora a a França, segundo dados do site especializado Farmnews, tenha comprado, de janeiro a outubro deste ano, menos de 40 toneladas de carne bovina in natura do Brasil, o agro brasileiro teme que o boicote acabe estimulando a adesão de outros países, por pressões locais.
Nesta sexta-feira, 22, outro grande grupo varejista francês, o Les Mousquetaires, seguiu na mesma direção do Carrefour. O CEO do grupo, Thierry Cotillard, também em publicação nas redes sociais, afirmou que as unidades do grupo (que detém as marcas Intermarché e Netto) se comprometem a não comercializar carne da América do Sul.
Cotillard disse que a medida visa à soberania alimentar e ao apoio aos agricultores franceses. Ele ainda pediu uma mobilização coletiva nesse sentido. “Faço um apelo às indústrias para que demonstrem o mesmo nível de comprometimento e transparência quanto à origem da matéria-prima utilizada”, escreveu. De acordo com ele, o boicote deve ser aplicado também aos produtos que são utilizados para fabricação de itens de marca própria do grupo.
O que está por trás do boicote?
Esse movimento dos grupos varejistas e dos agricultores franceses tem como pano de fundo as discussões sobre o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. Nas negociações desse acordo, que já duram vários anos, a questão agrícola sempre foi um ponto de confronto importante.
Os agricultores europeus sempre pediram algum tipo de proteção contra os produtos do Mercosul. Mas, agora, com o avanço das conversas e a possibilidade real de o acordo ser assinado, essas manifestações contrárias se tornaram mais veementes.
No último dia 13, o primeiro-ministro francês, Michel Barnier, afirmou que a França não aceitará a assinatura do acordo se o texto se mantiver como atualmente proposto. “Nas condições atuais, este acordo não é aceitável para a França e não o será. Recomendo que a posição de um país como a França não seja ignorada”, declarou.
O argumento central dessa nova investida contrária ao acordo é ambiental - os franceses alegam que os produtores brasileiros não respeitam as mesmas regras impostas a eles. “A Europa não deve se converter em um filtro e não pode importar produtos que não respeitam nenhuma de nossas normas (ambientais)”, disse à rádio France International o presidente da FNSEA, Arnaud Rousseau.
Os sindicatos do setor agrícola dizem rejeitar o acordo com o Mercosul argumentando que os franceses encontrariam nos seus pratos mais produtos que dizem não querer: cultivados com pesticidas proibidos na União Europeia e criados com químicos que ativam o crescimento.
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O que a França representa para a exportação brasileira de carne?
Um grupo do porte do Carrefour anunciar o boicote à carne do Mercosul pode ter um efeito grande na imagem do produto, abrindo caminho para atitudes parecidas em outros países europeus e prejudicando os produtores daqui. Mas, nesse momento, em termos práticos, o efeito é quase nulo.
Segundo dados do site especializado Farmnews, a França, como um todo, comprou, no período de janeiro a outubro deste ano, menos de 40 toneladas de carne bovina in natura do Brasil. Isso representa, na prática, 0,002% do total embarcado pelo Brasil no período, de 1,41 milhão de toneladas.
Propostas de boicote ao Carrefour no Brasil
O setor agrícola brasileiro também se posicionou de forma veemente. Entidades do agronegócio e da indústria assinaram uma nota conjunta repudiando as declarações, reafirmando o compromisso das empresas de alimentos e dos produtores rurais com a produção sustentável e com a segurança alimentar. A nota é assinada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Sociedade Rural Brasileira (SRB) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
“Se o CEO Global do Grupo Carrefour, Alexandre Bompard, entende que o Mercosul não é fornecedor à altura do mercado francês - que não é diferente do espanhol, belga, árabe, turco, italiano -, as entidades abaixo assinadas consideram que, se não serve para abastecer o Carrefour no mercado francês, não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país”, dizem na nota.
Da mesma forma, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), defendeu um boicote ao Carrefour e ao Atacadão (controlado pelo grupo francês). “Ele (Carrefour) tem direito de comprar de quem ele quer para mandar produto lá para a França, mas nós brasileiros também temos o direito de comprar de quem quisermos. Então, se o Brasil não serve para vender carne para eles, então eles não servem para vender produtos franceses e essa empresa não deveria ser bem vista aqui no nosso País”, disse Mendes, em vídeo publicado nas suas redes sociais.
“Quero dizer ao diretor geral do Carrefour e do Atacadão, que eu, como cidadão, não vou comprar mais das lojas deles, e acho que aqueles que são do agro e até a população brasileira, para honrar o nosso País, deveriam pensar em dar a eles o mesmo tratamento que estão dando ao nosso País”, defendeu o governador.
Essas propostas de boicote se dão porque a rede francesa informou que a medida contra a carne do Mercosul só valeria para as unidades francesas do grupo. Procurado, o Carrefour Brasil informou apenas que “nada muda nas operações do País”.
Reação dos produtores do Mercosul
Em nota nesta quinta-feira, 21, a Federação das Associações Rurais do Mercosul (Farm), composta por entidades representativas da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Uruguai e Paraguai, disse manifestar “veemente discordância e repúdio à decisão anunciada pelo CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, de suspender a compra de carne proveniente do Mercosul. Essa atitude, arbitrária, protecionista e equivocada, prejudica o bloco e ignora os padrões de sustentabilidade, qualidade e conformidade que caracterizam a produção agropecuária nos seus países membros”.
“Embora decisões comerciais sejam de competência interna das empresas, a postura pública do CEO do Carrefour, ao transformar uma política de compras em palco para questionamentos infundados, ultrapassa os limites aceitáveis”, diz a nota, assinada por Gedeão Pereira, presidente da Farm e vice-presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). “Não se trata de uma decisão isolada, mas de um ataque direto à credibilidade e à contribuição do setor agropecuário do Mercosul para a segurança alimentar mundial.”
Nesta sexta-feira, outra rede varejista francesa também anunciou que vai deixar de vender carne da região; governador de Mato Grosso propôs boicote ao Carrefour e ao Atacadão no Brasil.
Na quarta-feira, 20, um comunicado do presidente do grupo Carrefour, Alexandre Bompard, em suas redes sociais, deu início a uma grande polêmica no Brasil. No comunicado, o executivo afirma que a rede varejista se comprometia, a partir daquela data, a não vender carnes do Mercosul, bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, independentemente dos “preços e quantidades de carne” que esses países possam oferecer.
Bompard afirmou que a decisão foi tomada após ouvir o “desânimo e a raiva” dos agricultores franceses, que têm protestado contra a proposta de acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Os atos de protesto, organizados pela Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas (FNSEA) e pelos Jovens Agricultores (JA), começaram na última segunda-feira, 18, com bloqueios de rodovias e outras manifestações.
Embora a França, segundo dados do site especializado Farmnews, tenha comprado, de janeiro a outubro deste ano, menos de 40 toneladas de carne bovina in natura do Brasil, o agro brasileiro teme que o boicote acabe estimulando a adesão de outros países, por pressões locais.
Nesta sexta-feira, 22, outro grande grupo varejista francês, o Les Mousquetaires, seguiu na mesma direção do Carrefour. O CEO do grupo, Thierry Cotillard, também em publicação nas redes sociais, afirmou que as unidades do grupo (que detém as marcas Intermarché e Netto) se comprometem a não comercializar carne da América do Sul.
Cotillard disse que a medida visa à soberania alimentar e ao apoio aos agricultores franceses. Ele ainda pediu uma mobilização coletiva nesse sentido. “Faço um apelo às indústrias para que demonstrem o mesmo nível de comprometimento e transparência quanto à origem da matéria-prima utilizada”, escreveu. De acordo com ele, o boicote deve ser aplicado também aos produtos que são utilizados para fabricação de itens de marca própria do grupo.
O que está por trás do boicote?
Esse movimento dos grupos varejistas e dos agricultores franceses tem como pano de fundo as discussões sobre o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. Nas negociações desse acordo, que já duram vários anos, a questão agrícola sempre foi um ponto de confronto importante.
Os agricultores europeus sempre pediram algum tipo de proteção contra os produtos do Mercosul. Mas, agora, com o avanço das conversas e a possibilidade real de o acordo ser assinado, essas manifestações contrárias se tornaram mais veementes.
No último dia 13, o primeiro-ministro francês, Michel Barnier, afirmou que a França não aceitará a assinatura do acordo se o texto se mantiver como atualmente proposto. “Nas condições atuais, este acordo não é aceitável para a França e não o será. Recomendo que a posição de um país como a França não seja ignorada”, declarou.
O argumento central dessa nova investida contrária ao acordo é ambiental - os franceses alegam que os produtores brasileiros não respeitam as mesmas regras impostas a eles. “A Europa não deve se converter em um filtro e não pode importar produtos que não respeitam nenhuma de nossas normas (ambientais)”, disse à rádio France International o presidente da FNSEA, Arnaud Rousseau.
Os sindicatos do setor agrícola dizem rejeitar o acordo com o Mercosul argumentando que os franceses encontrariam nos seus pratos mais produtos que dizem não querer: cultivados com pesticidas proibidos na União Europeia e criados com químicos que ativam o crescimento.
O que a França representa para a exportação brasileira de carne?
Um grupo do porte do Carrefour anunciar o boicote à carne do Mercosul pode ter um efeito grande na imagem do produto, abrindo caminho para atitudes parecidas em outros países europeus e prejudicando os produtores daqui. Mas, nesse momento, em termos práticos, o efeito é quase nulo.
Segundo dados do site especializado Farmnews, a França, como um todo, comprou, no período de janeiro a outubro deste ano, menos de 40 toneladas de carne bovina in natura do Brasil. Isso representa, na prática, 0,002% do total embarcado pelo Brasil no período, de 1,41 milhão de toneladas.
Como o Brasil está reagindo?
O movimento francês provocou reações fortes no lado brasileiro. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que isso tudo parece uma “ação orquestrada”. “Me parece que estão querendo arrumar o pretexto para que a França não assine e continue com a posição contra a finalização do acordo Mercosul-União Europeia”, disse. Em sua visão, seria mais “bonito e legítimo” só manter a posição contra o acordo.
“Não precisava ficar procurando pretexto naquilo que não existe na produção sustentável e exemplar brasileira. Eu seria o último das pessoas a apontar qualquer defeito na produção francesa, mas fico indignado quando eles querem fazer isso com o Brasil”, completou.
Para Carlos Fávaro, movimento lembra uma 'ação orquestrada'. Foto: Joédson Alves - Agência Brasil
Em nota oficial, o ministério disse que “não aceitará tentativas vãs de manchar ou desmerecer a reconhecida qualidade e segurança dos produtos brasileiros e dos compromissos ambientais brasileiros. Mais uma vez, o Ministério reitera o compromisso da agropecuária brasileira com a qualidade, sanidade e sustentabilidade dos alimentos produzidos no Brasil para contribuir com a segurança alimentar e nutricional de todo o mundo”.
O deputado Alceu Moreira (MDB-RS), diretor de Política Agrícola e ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), vai apresentar ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um requerimento para instalar uma comissão externa da Casa com o objetivo de “colocar o dedo na ferida” da empresa.
Na justificativa para criar a comissão, Moreira diz que é preciso avaliar a conduta e as denúncias contra o Carrefour no Brasil. O deputado afirma que há antecedentes “graves” da rede de supermercados francesa no País ligados a violações raciais, ambientais e trabalhistas.
“É uma atitude absolutamente irresponsável, falaciosa e discriminatória, em uma clara afronta protecionista ao setor agropecuário brasileiro”, disse Moreira (Estadão, 23/11/24)