Entenda o que aconteceu com a tal da “vaca louca” - Por Lygia Pimentel
VACA LOUCA. Foto Shutterstock Agia Reprodução.jpg
Saiba por que essa doença chama a atenção do mercado e como o acordo do Brasil com a China leva a esse tipo atual de impasse.
Nas últimas duas semanas, o Brasil esteve investigando um caso isolado de Encefalopatia Espongiforme atípica, encontrado no Pará, identificado e notificado às autoridades. E aí, na semana passada, foi uma explosão de informações, inclusive muitas equivocadas, sugerindo que o Brasil tinha um caso de vaca louca clássica. O público leigo, obviamente, entende muito pouco, porque é um assunto muito técnico. Então, para isso, estou aqui para explicar o que aconteceu, o que é um caso clássico, o que é um caso atípico e o que esperar desse caso, agora do Brasil, que foi identificado e já notificado, e contra aprovado a atipicidade para o nosso caso. Então, vou explicar para vocês.
As Encefalopatias Espongiformes bovinas são doenças degenerativas do sistema nervoso central que causam lesões, que fazem o sistema nervoso –, o tecido nervoso – , parecer uma esponja. Formam-se os buracos ali no tecido nervoso que causam uma sintomatologia também nervosa. Então, o animal tem descoordenação motora e muita vocalização. Por isso que as pessoas chamam de vaca louca, de maneira vulgar ou popular. Só que as encefalopatias podem ser causadas por diferentes agentes etiológicos.
No caso da vaca louca clássica, que é uma versão transmissível da doença, ela foi identificada no Reino Unido na década de 1990 e foi muito emblemática, porque foi causada por uma ração contaminada com restos animais (ovinos) ministrada para animais (bovinos). Esses animais (ovinos) contraíram um vírus e esse vírus degenerou (o sistema nervoso) desses bovinos, que foram abatidos e sua carne foi servida ao ser humano.
Então, se viu cenas de pessoas que morreram e isso chamou muita atenção, porque você identifica o risco dessa vaca louca clássica, também chamada de típica ou transmissível. Que não é o caso do ocorrido aqui no Brasil. No país, a gente teve a versão não transmissível da doença.
“Ora Lygia, se essa versão não é transmissível, ela é causada pelo quê?”. Ela é causada por uma degeneração natural decorrente da idade do animal. A gente pode fazer uma comparação muito grosseira, aqui, com Alzheimer no ser humano.
Então esse caso aí do Pará. Havia todas as dicas de que era um caso atípico, não clássico ou não transmissível, ou seja, esse tipo de caso apresenta zero risco para a saúde humana. Era só um animal e essa é a primeira dica, é a mais importante – era um animal de 9 anos. E mais: esse animal não era alimentado com ração. Ele foi identificado dentro de uma fazenda por um veterinário que notificou ao ministério (da Agricultura), rapidamente foram em busca da prova laboratorial brasileira. Mas pelo acordo comercial que a gente tem com China, mesmo sobre suspeita e mesmo que essa suspeita seja quase mínima – por todos os indícios que a gente tinha de atipicidade –, precisamos suspender a certificação de carne para a China, pedir uma contraprova laboratorial um laboratório internacional, nesse caso em Alberta, no Canadá.
Hoje, 3 de março, saiu a contra a prova laboratorial do Canadá. De fato, foi confirmado que o caso é atípico não transmissível, que não apresenta risco à saúde humana. Agora, o Brasil tem que inserir essas informações em todo o sistema e enquanto isso as importações do Brasil para China estão suspensas.
Inclusive na minha coluna anterior – vou fazer um parênteses aqui – falei sobre a representatividade da China na formação dos preços domésticos brasileiros e que tinha aí uma uma representatividade de 10% a 15% na formação dos preços domésticos. Justamente. A partir do momento que a gente precisou suspender a certificação de carne a ser exportada para China – para mostrar que focinho de porco na tomada – o mercado doméstico do boi caiu bastante, em média 12% até o momento. Conforme essa suspensão continua, o mercado vai cair mais um pouquinho. É isso que acontece.
Tivemos outros casos no passado e isso é normal. Afinal de contas, o Brasil tem um rebanho de 190 milhões de cabeças, aproximadamente. Esse rebanho é grande o bastante para ter casos de animais mais velhos, mais idosos. Até lembrando que o Brasil tem passado por uma revolução tecnológica sem precedentes na pecuária e com isso ele vai eliminar muitos animais mais velhos, porque a pecuária eficiente é feita de animais mais jovens, menos erados como a gente diz no jargão do mercado. Então, a liquidação desses animais mais velhos, com certeza vai trazer animais com alterações neurológicas, como naturalmente acontece.
Ocorre que nós tivemos outros casos no passado (2010, 2014, 2019 e em 2021) e esses casos só ganharam repercussão porque passaram a influenciar a formação de preços domésticos brasileiros. Antes da gente exportar muito pra China e de ter essa regra do acordo comercial, nós descobrimos esses casos, notificávamos as autoridades – e a gente sabe do baixíssimo risco que o Brasil tem para esse tipo de enfermidade na sua versão clássica – e o que acontecia que não havia qualquer dano em termos de preço para o Brasil, porque não haviam suspensões das exportações. Ou havia uma outra, muito insignificante. Agora que a gente tem uma participação da China enorme nas nossas exportações, de aproximadamente 50% a 55% –a depender do mês – o que acontece é que quando a gente suspende essas exportações o mercado sente muito e isso vira uma grande notícia.
Talvez, uma maneira interessante de a gente contornar esse problema seria usar o status da OIE (Organização Internacional de Saúde Animal), que é muito rápida em receber as informações do laboratório e a partir daí emitir o seu o seu parecer sobre o risco de determinado país para determinada doença. Saiu nesta sexta (3), o resultado, a contraprova laboratorial do Canadá. A OIE deve se manifestar nos próximos dias, informando que o Brasil segue com risco insignificante para vaca louca clássica, aquela transmissível, e isso deveria o padrão de suspensão de certificação das exportações do Brasil (Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Atualmente é CEO da AgriFatto. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone; Forbes, 3/3/23)