06/03/2018

Era Abilio-Tarpon mais próxima do fim na BRF

Era Abilio-Tarpon mais próxima do fim na BRF

A era de Abilio Diniz e da gestora de recursos Tarpon à frente da BRF, iniciada em 2013, encara hoje o que deverá ser o começo de seu fim. O atual conselho de administração discute, a partir das 9 horas, a lista apresentada pelos acionistas Petros e Previ para substituir 70% dos atuais membros do colegiado. Após dois anos seguidos de prejuízos, o objetivo da proposta de mudança, nas palavras do presidente da fundação Petros, Walter Mendes, é "colocar a companhia nos trilhos".

A expectativa dos fundos de pensão, que têm participação somada de 22% na BRF, é que o conselho atual marque data e convoque uma assembleia de acionistas para avaliar a chapa proposta. Abilio e Tarpon têm atualmente, juntos, três dos dez assentos do conselho e controlam perto de 12% do capital da companhia, que não tem controlador definido Até agora não está claro se apresentarão resistência ao plano das fundações – que, em geral, vem sendo enxergado com bons olhos pelo mercado.

A lista de conselheiros dos fundos frustrou expectativas saudosista de uma parte dos investidores da empresa, inclusive minoritários, que esperavam ver na chapa nomes como o dos ex-presidentes Nildemar Secches ou José Antonio Fay – ambos afastados com a chegada de Abilio. Entre os sete nomes sugeridos também não há executivos com experiência em gestão industrial de "cadeia viva", embora a administração da cadeia de suprimentos seja apontada como o calcanhar de aquiles da atual gestão. Mas, segundo Mendes, da Petros, a "diversidade de competências" almejada foi alcançada.

O escolhido pelas fundações para substituir Abilio na presidência do colegiado é Augusto da Cruz Filho, presidente do conselho da BR Distribuidora. Trata-se de um nome que tornará essa mudança, se concretizada, ainda mais amarga para o empresário. Cruz foi o primeiro presidente do Pão de Açúcar fora da família fundadora, e não deixou saudades quando se desligou do grupo, em 2005. "Infelizmente, não se saiu bem nos desafios. A empresa andou de lado", escreveu Abilio em seu livro "Novos caminhos, novas escolhas".

Além de diversidade, Mendes disse ao Valor que a lista apresentada levou em consideração o tempo disponível dos participantes. "O trabalho neste primeiro ano será muito intenso. A empresa é muito grande, complexa, e rever sua estratégia exigirá tempo disponível"

Os outros seis nomes indicados pelos fundos são: Guilherme Affonso Ferreira, dono da gestora Teorema; José Luiz Osório, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e principal sócio da gestora Jardim Botânico Investimentos; Roberto Mendes, diretor de finanças da Localiza; Dan Ioschpe, membro dos conselhos de WEG e Cosan; Roberto Funari, vice-presidente da Reckitt; e Vasco Dias, ex-presidente da Shell para América Latina e da Raízen.

Da atual formação, foram escolhidos para seguir no conselho o advogado Francisco Petros, que continuaria na vice-presidência do colegiado; Luiz Fernando Furlan, ex-ministro e membro da família fundadora de Sadia; e o vice-presidente do Banco do Brasil, Walter Malieni.

Quanto à diretoria executiva, Mendes, da Petros, afirmou que "não há e nem poderia haver uma decisão, pois caberá ao novo conselho, se eleito, fazer a avaliação". A expectativa é que os primeiros esforços de mudança desde que a Tarpon começou a perder espaço na gestão da BRF, no ano passado, não sejam ignorados. Executivos recém-contratados, como o vice-presidente de finanças e relações com investidores, Lorival Luz, e o vice-presidente de operações, Alexandre Almeida, são bem avaliados. Ex-Votorantim, Luz atuou para trazer a companhia de volta à realidade, com orçamento e projeções. E Almeida, de acordo com uma fonte, já está corrigindo falhas operacionais consideradas cruciais.

Já no caso do presidente José Aurélio Drummond, também recém-eleito, a avaliação das fontes consultadas pelo Valor não é consensual. Mesmo os críticos reconhecem um ponto positivo do executivo. "É um homem de indústria", disse um dos envolvidos na tentativa de mudança, ressaltando que essa é uma veia necessária à companhia. Mas, segundo a mesma fonte, tem mantido um estilo "mercurial" e entrou em rota de colisão com parte do conselho depois de eleito CEO com voto de minerva de Abilio. Ao Valor, Mendes transpareceu a expectativa de que conselho e executivos atuem com grande proximidade.

Abilio investiu na BRF e assumiu a presidência do conselho após uma campanha liderada pela Tarpon e que contou com amplo apoio da Previ. O discurso desses acionistas dizia que, três anos após a fusão de Sadia e Perdigão, era preciso "se modernizar". A estratégia deveria, então, ser voltada ao varejo e não à parte industrial do negócio, alegavam.

Hoje, o diagnóstico por trás da iniciativa das fundações é que a BRF pegou a rota errada e diversas deficiências fizeram a companhia perder rentabilidade justamente quando tem uma dívida salgada para carregar. O endividamento líquido dobrou: saiu de R$ 7,5 bilhões, em 2013, para R$ 14,4 bilhões, ao fim de dezembro. O caminho errado, segundo investidores, em larga medida decorreu da falta de foco nas questões industriais. Há relatos de falhas na integração da cadeia viva, na logística dos suprimentos e na distribuição.

Mas, apesar das críticas, os acionistas da BRF nunca colocaram tanto dinheiro no bolso como na Era Abilio-Tarpon. Na forma de juros sobre capital próprio e dividendos, os pagamentos foram calcados principalmente nos resultados recordes de 2014 e 2015, quando o custo baixo dos grãos e o dólar em alta ampliaram o retorno logo após os esforços de corte de custo. De 2013 a 2016, foram pagos R$ 3,2 bilhões em proventos. Com prejuízo em 2016, o conselho não declarou pagamentos no ano passado – o que deve se repetir neste ano após as perdas de 2017, conforme o Valor apurou.

Esse montante representa mais de 50% do lucro líquido do período de pagamento – proporção pouco maior que a dos três primeiros anos completos da união de Sadia e Perdigão. Entre 2010 e 2013, sob a batuta de Secches, a distribuição somou R$ 1,2 bilhão, ou 39% do resultado.

Por dois anos e meio, a gestão Abilio-Tarpon foi saudada pelo mercado. Hoje avaliada em R$ 25 bilhões na B3, a BRF chegou a valer R$ 63 bilhões. A virada do humor dos investidores veio no fim de 2015, após o relançamento da marca Perdigão, que teve que ficar um tempo suspensa por determinação do Cade após a fusão. "Foi um dia desastroso", recorda um analista, sobre aquele 30 de outubro.

No tradicional encontro anual com analistas, inesperadamente, a empresa deixou de apresentar os dados da Nielsen sobre sua participação no mercado brasileiro de alimentos à base de carnes. Foi um "presságio" de que as coisas caminhavam mal, disse o analista. Ocorre que a marca recém-recuperada estava, na verdade, roubando participação da própria Sadia, que oferecia margens maiores. O problema ocorreu na mesma época em que a JBS, com a Seara, conquistava mercado – além de "inteligência" – da BRF.

Abilio e Tarpon trocaram dezenas de executivos e gerentes. Também fizeram baixas importantes na equipe de vendas. Ao todo, cerca de 800 pessoas dessa área foram demitidas sob o argumento de que poderiam funcionar com metade do time original. Mas o que se viu foi a queda dos volumes vendidos, provocando uma corrida dos vendedores nos últimos três dias do mês, em uma pressão que derrubava preços e espremia margens

A partir de 2015, desentendimentos passaram a ocorrer com frequência no conselho. Quando o cenário de grãos e câmbio virou, e veio o pesadelo. Outro problema começou, então, a emergir: a dívida. A companhia tem hoje despesa financeira líquida anual de R$ 2 bilhões. Até 2014, esse carregamento custava menos de R$ 1 bilhão ao ano (Assessoria de Comunicação, 5/3/18)