Esquema de créditos de carbono buscou grilar 3,5 mi de hectares
O empresário Ricardo Stoppe Júnior - Ricardo Stoppe Junior no facebook Reprodução
OUTRO LADO: Grupo Ituxi, alvo de operação, diz que se posicionará após acessar íntegra das investigações; Ibama afirma que não concedeu licenças.
O suposto esquema de geração de créditos de carbono em áreas griladas na amazônia, investigado pela PF (Polícia Federal), foi além dos três projetos operantes no mercado e tentou emplacar novas iniciativas de constituição desses créditos.
A investigação cita nominalmente mais dois projetos em andamento e lista seis cidades ao sul do Amazonas onde os suspeitos do esquema pretendiam ampliar a geração e oferta de créditos de carbono, usando áreas públicas, conforme a PF.
O grupo tinha como objetivo alcançar 3,5 milhões de hectares de áreas griladas, segundo a PF, o que supera, por exemplo, a área do estado de Alagoas.
Área da amazônia em Lábrea (AM) parte do projeto Fortaleza Ituxi, do grupo Ituxi, que é investigado pela PF - Divulgação
A polícia afirmou que o grupo investigado pretendia ainda instalar e operar pelo menos cinco PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) em rios das propriedades griladas na amazônia. Para isso, os empresários buscaram obter as licenças junto ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
"As PCHs já contam com autorização de captura, coleta e transporte de material biológico, emitida em 01/2022, aproximando-se a fase de emissão da licença prévia", cita um relatório da PF.
O Ibama afirma que os processos foram abertos, mas o empreendedor ainda não apresentou os estudos. As autorizações foram emitidas apenas para coletas de dados que referenciam esses estudos, e nenhuma licença ambiental foi concedida, segundo o órgão.
No último dia 5, policiais federais deflagraram a operação Greenwashing e prenderam preventivamente três empresários —Ricardo Stoppe Júnior, Elcio Aparecido Moço e José Luiz Capelasso— e outras duas pessoas —Ricardo Villares Stoppe, filho de Júnior, e Poliana Capelasso, filha de José Luiz. Eles são suspeitos de integrarem uma organização criminosa.
O grupo Ituxi, com atuação em Lábrea, no sul do Amazonas, é o principal investigado no inquérito da PF em Rondônia. Um dos donos do grupo, Stoppe Júnior é apontado nas investigações como principal liderança da suposta organização criminosa.
A defesa do grupo Ituxi afirmou que só se manifestará quando tiver acesso à íntegra das investigações.
Três projetos de geração e venda de créditos de carbono estão no cerne das investigações: Fortaleza Ituxi, Unitor e Evergreen. O grupo Ituxi desenvolveu esses projetos em parceria com a empresa Carbonext, que se apresenta como a maior geradora de créditos de carbono no país a partir da proteção da amazônia.
Os créditos foram certificados pela empresa internacional Verra e vendidos a multinacionais interessadas em compensar suas próprias emissões de gases de efeito estufa. Entre os compradores, segundo a PF, estão Boeing, Gol, iFood, Toshiba, Itaú, Ecopetrol, Nestlé, Spotify e PwC. A polícia trata essas empresas compradoras como vítimas.
Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida para a atmosfera em razão do desmatamento que foi evitado. É vendido, então, a empresas que precisam compensar suas próprias emissões de gases de efeito estufa.
Os três projetos comercializaram R$ 180 milhões em créditos de carbono. A investigação da PF aponta que o grupo suspeito não se limitou a esses três projetos.
Conforme informações do inquérito reproduzidas na decisão da Justiça Federal no Amazonas, que autorizou as prisões preventivas, Stoppe Júnior adquiriu 100% das áreas que seriam utilizadas no projeto Samaúma, cuja fase era de validação na Verra.
"Ricardo Stoppe Júnior sabia que as áreas correspondentes à Samaúma eram griladas, mas ainda assim comprou as áreas", afirmou a PF.
Houve articulação posterior para "esquentamento" de documentos referentes à grilagem, segundo a polícia. O empresário pretendia negociar pelo menos 6 milhões de créditos de carbono a partir do projeto Samaúma, cita o inquérito.
Documentos referentes às áreas griladas têm "vícios grosseiros e evidentes", como "assinaturas post mortem", e fraudes, afirmou a PF.
Outro projeto que o grupo pretendia tirar do papel é o Fortaleza Ituxi 2, por meio da matrícula de um imóvel duplicada e sobreposta à Floresta Nacional do Iquiri, segundo a investigação.
Em arquivos de Stoppe Júnior, conforme a PF, foram encontradas evidências de outros projetos em seis cidades do Amazonas: Manicoré, Borba, Lábrea, Humaitá, Carauari e Itacoatiara.
"O grupo objetiva alcançar 3,5 milhões de hectares de áreas griladas, havendo notícia de que já teria alcançado 1 milhão de hectares", cita a decisão judicial.
A Carbonext afirmou, em nota, não ter ligação com os outros projetos do grupo. A parceria se deu para os três projetos já consolidados: Fortaleza Ituxi, Unitor e Evergreen.
A empresa especializada em créditos de carbono chegou a identificar uma sobreposição de terras que Stoppe Júnior dizia serem suas, conforme a investigação. A área integrava a gleba Guariba, de propriedade da União, e mesmo assim o empresário agiu para geração de créditos de carbono no local, segundo a PF.
"A empresa [Carbonext] requereu esclarecimentos a Ricardo Stoppe Júnior, por intermédio de e-mail, e teria recebido uma resposta ‘explosiva’ do investigado, que fez acusações e se negou a entregar os documentos relativos às terras", cita a investigação, em trecho reproduzido na decisão judicial.
Mesmo com essa constatação de sobreposição de áreas, o projeto Evergreen foi adiante e gerou R$ 37,1 milhões em créditos de carbono, conforme tabela reproduzida em laudo pericial.
"Assim que foi identificada a possível irregularidade referente à matrícula nº 99, solicitamos esclarecimentos e, neste caso, foi necessário judicializar a questão para obter a documentação oficial que descartasse a irregularidade", disse a Carbonext. "O projeto somente foi retomado após a documentação ter sido apresentada em juízo, validada pela Justiça, auditoria externa e Verra."
A empresa afirmou ainda que verifica a regularidade das terras e segue métodos de "due diligence", por meio do georreferenciamento do Sigef (Sistema de Gestão Fundiária), do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
A PF diz que certificadoras internacionais não verificam a cadeia de domínios de áreas na amazônia.
Após a deflagração da operação Greenwashing, a Verra comunicou a suspensão e revisão dos três projetos consolidados do grupo Ituxi que comercializavam créditos de carbono.
Além de grilagem e créditos de carbono, o suposto esquema envolveu "esquentamento" de madeira ilegal, segundo a PF, que apontou uma movimentação de R$ 1,6 bilhão pelo grupo investigado. Houve pagamento de propina a integrantes de órgãos do governo do Amazonas e a servidor do Incra, conforme a polícia (Folha, 22/6/24)