Estado de Direito rejeita inquéritos eternos – Editorial Folha de S.Paulo

Investigação de milícias digitais aberta em 2021 no STF pode ser prorrogada; ação não deve servir ao controle político.
É preocupante a perspectiva de que o Supremo Tribunal Federal renove mais uma vez o inquérito das milícias digitais. A investigação, capitaneada pelo ministro Alexandre de Moraes e que tem como alvo figuras de proa do bolsonarismo, foi iniciada em julho de 2021.
Reportagem da Folha, que ouviu 7 dos 11 ministros do STF, além de advogados próximos a eles, mostra que a tendência da corte é manter o inquérito aberto ao longo de 2026. Na visão do próprio Moraes, a investigação seria útil para evitar conturbações políticas num ano eleitoral.
Não é que a análise sociológica do ministro esteja errada. O problema é que cortes constitucionais, embora tenham sempre uma dimensão política, precisam se pautar por razões jurídicas.
Nesse quesito, é longa a lista, talvez não de irregularidades, mas ao menos de heterodoxias que esse e outros inquéritos semelhantes acumulam.
Para início de conversa, o Estado de Direito rejeita investigações eternas. Inquéritos precisam ter um objeto claro. O desse é por demais amplo, já tendo abarcado vários eixos, que vão da falsificação de certificados de vacinas à importação irregular de joias, passando por ameaças a ministros do Supremo.
Ou as autoridades reúnem indícios suficientes para apresentar uma denúncia com acusação concreta, ou as investigações devem ser encerradas. No caso específico, a Procuradoria-Geral da República já descartou abrir processos nos casos de vacinas e joias, mas o inquérito segue a pleno vapor, mudando de objeto conforme o tempo passa.
Não seria prudente estabelecer um limite temporal máximo objetivo para a permanência de inquéritos, já que a complexidade de cada investigação pode variar muito, mas é seguro afirmar que em nenhuma hipótese as apurações deveriam se tornar ferramenta de controle político.
Diga-se, em favor do Supremo, que até um passado recente havia justificativa para algumas das heterodoxias. Ela se chamava Augusto Aras —em cuja passagem pela PGR nada que contrariasse Jair Bolsonaro (PL) prosperava.
Sob essas circunstâncias, o STF fez bem ao encontrar um caminho, ainda que incomum, para superar a inércia do procurador.
Não parece exagero afirmar que a firmeza da corte foi relevante para impedir que Bolsonaro intensificasse seus ataques às instituições democráticas.
A questão é que essas circunstâncias especiais não perduram mais. Aras concluiu seu termo, e a PGR, sob a direção de Paulo Gonet, voltou a ser um órgão funcional. O STF precisa voltar a operar em modo ortodoxo.
Está em jogo a própria credibilidade do Supremo. Se suas decisões são percebidas por uma parcela não desprezível da população como motivadas mais pela política do que pela técnica, o Judiciário deixará de ser visto como o órgão legítimo para a resolução de conflitos. E isso seria praticamente um suicídio institucional (Folha, 18/6/25)