Estamos ganhando a batalha agrícola – Por José Roberto Mendonça de Barros
Bobagens ideológicas não podem complicar o comércio com chineses e árabes.
A agricultura americana está sofrendo dois grandes golpes.
O setor tem sido a maior vítima da guerra comercial com a China, iniciada no ano passado pelo presidente Donald Trump. Em consequência, os chineses reduziram suas compras, especialmente de soja, a níveis muito baixos.
Isso obrigou os fazendeiros americanos a armazenar uma quantidade extraordinária do produto, tendo de incorrer no custo de construção de novos silos e armazéns. Como resultado, o preço da soja em Chicago caiu algo como 15% no primeiro semestre de 2018.
Os chineses puderam fazer isso porque se abasteceram em larga escala na América do Sul, especialmente devido às boas safras do Brasil e da Argentina. Na realidade, o resultado para nós foi ainda melhor, porque a queda do preço em Chicago se converteu num prêmio pago às exportações brasileiras, de aproximadamente o mesmo valor.
É por isso que nossas vendas estão batendo recordes. Toda a renda perdida pelo agricultor americano se transformou em ganhos extraordinários para o Brasil.
Essa situação, já bastante ruim, foi agravada por uma quantidade anormal de chuvas no meio-oeste americano, o que vem provocando um volume de enchentes sem precedentes.
Os jornais têm todos os dias notícias sobre o rompimento de dezenas de represas e a inundação de estradas e propriedades. Muitos silos com soja acabam ruindo porque os grãos úmidos estufam e implodem o equipamento, perdendo-se completamente. O prejuízo de capital, ainda não contabilizado, é enorme.
Essa situação ocorre num momento de piora drástica da posição financeira do setor rural. A renda real líquida caiu de US$ 123 bilhões, em 2013, para US$ 63 bilhões no ano passado. Uma queda de 50%! Ao mesmo tempo, as dívidas cresceram 20%, para US$ 417 bilhões.
Embora o valor dos ativos dos agricultores tenha se mantido estável no mesmo período, é muito provável que a situação atual acabe por levar a uma redução. O preço da terra deverá cair, não só pela diminuição da geração de renda agrícola, como também pela destruição de parte do capital social e privado das regiões afetadas.
Finalmente, a previsão é ainda de muita chuva na primavera do hemisfério norte. Em consequência, ainda veremos perdas adicionais, agravando o cenário. O plantio da nova safra de verão será prejudicado em alguma medida, mas só o futuro dirá quanto. É quase certo que a situação vai piorar.
Além da questão climática, o quadro para a próxima safra não pode ser construído sem adicionarmos um eventual acordo comercial entre Estados Unidos e China. A previsão quase unânime dos analistas é que, no máximo em maio, teremos algo assinado e, a partir daí, haverá um retorno das importações agrícolas por parte da China. Entretanto, a questão-chave é qual será a dimensão do movimento comercial.
Não tenho dúvida de que a embocadura do comércio agrícola vai mudar, dado que o presidente americano, com a delicadeza que caracteriza seus movimentos, rompeu de forma unilateral as normas do comércio internacional.
Qual a mudança que antevemos?
Há muito tempo Brasil e Estados Unidos disputam o mercado chinês. Em 2013, nós passamos a exportar mais, porém, as vendas americanas sempre foram relevantes. Entretanto, no ano passado ocorreu algo nunca visto: vendemos 70 milhões de toneladas e os Estados Unidos apenas 8 milhões, já que os chineses pararam de comprar depois da imposição das tarifas determinadas por Trump, levando à estocagem que mencionamos no início deste artigo.
O Brasil mostrou-se um fornecedor muito confiável.
Ora, em qualquer país do mundo a importação de alimentos é tão relevante quanto delicada politicamente. Isso é ainda mais verdadeiro na China, país que só pensa estrategicamente e, a despeito da pressão dos negociadores, não vai correr o risco de comprometer seu abastecimento dependendo do mau humor do presidente de plantão.
Isso será o novo normal: a importância do suprimento não americano vai se consolidar cada vez mais no mercado chinês, e não falamos apenas de soja, mas de carnes e outros produtos também.
Estamos ganhando a batalha pelo mercado oceânico de grãos e outros produtos agrícolas. É por isso que bobagens ideológicas não podem complicar nosso comércio com chineses, árabes e outros clientes. É muito sério o que está em jogo.
(*) Agradeço ao pessoal da MBAgro as discussões que tivemos enquanto escrevia este artigo (José Roberto Mendonça de Barros é economista e sócio da MB Associados; O Estado de S.Paulo, 7/4/19)