Estudo diz que agro tem soluções baseadas na natureza, mas precisa avançar
Produção animal sustentável do agro para a região da Amazônia. Foto Regina Souza Embrapa
Sumário para Tomadores de Decisão do Relatório Temático sobre Agricultura, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos será apresentado em setembro.
Os dados consolidados do Sumário para Tomadores de Decisão do Relatório Temático sobre Agricultura, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos destacam a contribuição do setor para o Produto Interno Bruto (PIB), o conjunto de todos os bens e serviços produzidos no país em um determinado período. O relatório completo está em fase final de elaboração e deve ser divulgado no começo de setembro. Uma prévia do estudo foi apresentado nesta terça-feira (16), na sede da Embrapa Solos, no Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro.
Conforme a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, o agro responde por cerca de 20% dos empregos formais e por mais de um quarto (27%) do PIB do país (R$ 403,3 bilhões em 2020).
Segundo o professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenador do relatório, Gerhard Ernst Overbeck, o agro do Brasil é um país diverso, considerado o celeiro do mundo por causa da grande produção convencional. Daí a necessidade de encarar os desafios da sustentabilidade, que não são pequenos para um país tão diverso e grande, como é o Brasil.
“Água limpa, regulação do clima, manutenção da fertilidade e da estrutura do solo, polinização de culturas e controle biológico de pragas e doenças são alguns exemplos”, diz ele. A intenção é que o documento influencie gestores e lideranças públicas e privadas no momento de tomar decisões com base na sustentabilidade e no equilíbrio combinado da agricultura, biodiversidade e serviços ecossistêmicos. De acordo com a plataforma, os serviços ecossistêmicos são benefícios gerados pela natureza que sustentam a vida no planeta. Além disso, são essenciais para garantir a capacidade da produção agrícola.
Para a pesquisadora Rachel Bardy Prado, da Embrapa Solos e também coordenadora da publicação, existem opções viáveis e eficazes para um agro ainda mais sustentável no Brasil, se houver vontade política, porque é possível conciliar melhor produtividade nas pastagens e cultivos com a mitigação das mudanças climáticas. “O relatório traz soluções já adotadas em algumas regiões do Brasil capazes de tornar a agricultura nacional mais diversificada, competitiva e resiliente. Essas práticas agregam maior renda aos produtores que conservam o capital natural”, afirmou ela.
Na avaliação dos autores do estudo, a aplicação da Lei de Proteção da Vegetação (norma federal instituída em 2012) anularia, entre 2020 e 2050, a perda de 32 milhões de hectares de vegetação nativa no país. Além disso, o aumento na produtividade das pastagens brasileiras permite atender a demanda futura por carne, culturas agrícolas, produtos madeireiros e biocombustíveis, sem a necessidade do agro de converter mais hectare algum de vegetação nativa e ainda liberando terra para restauração em larga escala, por exemplo, na Mata Atlântica, apontou o texto.
O estudo também identificou entre as alternativas, o estímulo à restauração de áreas de reserva legal e de preservação permanente; os incentivos econômicos e mecanismos financeiros para atividades agro sustentáveis, como Pagamento por Serviços Ambientais, linhas de crédito verdes, créditos de biodiversidade, REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) e mercado de cotas de reserva ambiental; os programas de extensão rural com foco na agroecologia; a valorização e a disseminação de práticas e tecnologias sociais; os sistemas de rastreabilidade de cadeias produtivas; o Sistema Plantio Direto; as florestas plantadas; o turismo rural; e o Sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta.
Apesar disso, o professor Overbeck ressaltou que a transformação desejada nos sistemas de produção agrícola, só acontecerá se esses mecanismos forem “incentivados e disseminados para ganhar escala, ampliar sua abrangência nos biomas e, sobretudo, alcançar os agricultores mais vulneráveis”.
“A verdadeira sustentabilidade da agricultura passa pela melhoria da qualidade de vida no campo e nas cidades, pela agregação de renda aos marginalizados, pelo aumento da soberania alimentar e pela manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. É preciso que os governos e o setor privado ajam com seriedade e de forma integrada, assegurando a efetiva implementação das normas ambientais”, diz Rachel.
O Relatório Temático é um diagnóstico detalhado que agrega informações científicas e casos que tiveram êxito nas interações entre os usos do solo e a biodiversidade no Brasil, quando se refere ao bem-estar humano e respeito aos saberes tradicionais. O estudo reuniu, ao longo de três anos, 100 profissionais de diversas áreas, integrantes de mais de 40 instituições de todos os biomas do país.
“O contexto histórico, temporal foi marcado no estudo principalmente a partir do primeiro Código Florestal de 1965, traçando um perfil de todo uso e cobertura da terra e ocupação pela agricultura até os anos atuais e projetando para o futuro também na parte em que são abordados os modelos e cenários futuros”, disse Rachel.
Elaborado por 35 pesquisadores, o Sumário para Tomadores de Decisão analisa desafios relacionados ao modelo de uso da terra predominante no país e as soluções para tornar a agropecuária uma prática mais sustentável e inclusiva. O trabalho dos pesquisadores sintetizou o conteúdo principal com linguagem simplificada e em formato didático.
Desafios para o agro resolver
O professor Overbeck afirma que entre os desafios atuais da produção está a resolução da contaminação da água, na parte que cabe aos produtores, por causa do uso de diversos insumos em determinadas regiões do país, o que pode contribuir para a escassez hídrica.
“Vamos ter uma série de problemas até para a própria produção agrícola, se essa tendência se mantiver. Talvez isso tenha ficado mais evidente nos últimos anos em conexão com as mudanças climáticas, que são outro vetor de mudança muito forte e têm a ver com o uso da terra, principalmente no Brasil”, disse ele. “As emissões, devido ao desmatamento na Amazônia, são um grande driver das mudanças climáticas e os modelos e cenários disponíveis indicam que a própria agricultura será impactada muito negativamente pelas mudanças climáticas. É o primeiro setor a ser afetado.”
Overbeck chamou a atenção para a expansão das áreas agrícolas que tem ocorrido em todos os biomas, enquanto a vegetação nativa tem diminuído, dependendo da atuação de unidades de conservação ou a existência de terras indígenas. “Alguns biomas têm percentagem de vegetação nativa bastante baixa, por exemplo, na Mata Atlântica e no Pampa também. Isso também está sendo discutido no Sumário e, consequentemente, a gente tem queda de biodiversidade associada a essas mudanças.”
Entre os modelos projetados no estudo há a estimativa de que, na fronteira Amazônia Cerrado, as variações no clima regional tem potencial para comprometer a viabilidade de 74% das atuais terras agrícolas até 2060. Dados do MapBiomas revelam que, em 38 anos (1985 a 2022), a área utilizada para a agricultura no Brasil cresceu 95,1 milhões de hectares, informa o estudo.
Outra avaliação indicou que a tendência é o avanço de cultivos de soja, milho e cana-de-açúcar no Cerrado e na Mata Atlântica e de áreas de pastagem na Amazônia e no Pantanal. “Essa expansão agrícola intensificará a pressão sobre unidades de conservação e terras indígenas”, destacou o estudo. Overbeck também coloca que a agricultura familiar e de pequena escala precisa de mais incentivo, pela sua importância na produção diversificada de alimentos nessas áreas (Forbes com Agência Brasil, 17/7/24)