EUA:Fazendeiros se preparam para o pior sob nova guerra comercial de Trump
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Ameaças tarifárias levam preocupação para estados republicanos produtores de grãos, como Iowa.
A fazenda de soja de Aaron Lehman, no coração de Iowa, parece um oásis de calma em meio à turbulência e tumulto do segundo mandato do presidente Donald Trump. No entanto, tudo isso pode mudar em questão de semanas.
Lehman está se preparando para o impacto de uma potencial guerra comercial iniciada em Washington, que ele diz que pode devastar o cinturão de milho dos EUA e prejudicar irreparavelmente a posição do país com seus vizinhos.
"Os fazendeiros entendem que as relações comerciais sobem por uma escada, onde você trabalha duro para construí-las, mas descem por um elevador —muito, muito rápido", disse Lehman na sala de estar de sua casa de fazenda, cerca de 32 quilômetros ao norte da capital de Iowa, Des Moines.
Foi uma semana turbulenta na política comercial dos EUA. Trump anunciou no último fim de semana que imporia tarifas de 25% sobre o México e o Canadá, dizendo que eles não estavam fazendo o suficiente para conter o fluxo de migrantes e o tráfico ilícito de fentanil para os EUA. Depois, após negociações de última hora com os líderes dos dois países, ele concordou com uma trégua de 30 dias.
O mesmo não aconteceu com a China. A tarifa de 10% que ele impôs sobre todas as importações chinesas ainda está em vigor. E muitos em Iowa acreditam que é apenas uma questão de tempo até que as tarifas sobre os vizinhos do norte e do sul sejam restabelecidas.
O tiro de abertura de uma nova guerra comercial causou calafrios no Centro-Oeste. Canadá, México e China juntos representam metade de todas as exportações agrícolas americanas. Apenas no ano passado, os EUA venderam mais de US$ 30 bilhões (R$ 174,1 bi) em produtos agrícolas para o México, US$ 29 bilhões (R$ 168,3 bi) para o Canadá e US$ 26 bilhões (R$ 150,9 bi) para a China, de acordo com estatísticas do American Farm Bureau.
De repente, os fazendeiros estavam enfrentando o espectro de tarifas retaliatórias e a perspectiva de um conflito em grande escala que alguns temem que possa dizimar o coração rural norte-americano.
Trabalhadores de uma área do país que se tornou pilar de apoio a Trump agora se preocupam que as tarifas do presidente, embora suspensas no último minuto, tenham danificado permanentemente a imagem dos EUA aos olhos de seus parceiros comerciais mais importantes.
"Passamos de ser um vendedor de escolha para um vendedor de último recurso", disse Mark Mueller, um fazendeiro de perto de Waterloo, no nordeste de Iowa.
Poucos estados dos EUA incorporam melhor a riqueza agrícola do Centro-Oeste do que Iowa. É uma terra de vastos campos de milho que se estendem até onde a vista alcança, a paisagem interrompida ocasionalmente por silos de grãos, fardos de feno ou celeiros baixos. Os porcos superam as pessoas em mais de sete para um.
Também é território de Trump. Embora Iowa tenha votado nos democratas Bill Clinton e Barack Obama, apoiou Trump em 2016, 2020 e 2024 em números cada vez maiores.
Mais de um quinto da economia de Iowa —ou US$ 53,1 bilhões (R$ 308,3 bi)— está ligado à agricultura, desde a produção de culturas e gado até o processamento de alimentos e manufatura. É o maior produtor de milho, porcos, ovos e etanol do país e um dos três maiores produtores de soja. Isso o torna particularmente vulnerável a qualquer queda nas exportações agrícolas.
"O livre comércio é a espinha dorsal da economia no Centro-Oeste", disse Ernie Goss, economista da Universidade Creighton em Omaha, Nebraska. "O que temos aqui é uma das agriculturas mais produtivas do planeta, e o mercado doméstico não é nem de longe grande o suficiente para absorver todas as commodities produzidas aqui. Você precisa de mercados internacionais."
A última série de ameaças tarifárias evocou memórias dolorosas da guerra comercial desencadeada por Trump em seu primeiro mandato. Entre os movimentos mais marcantes estava Trump impondo tarifas sobre US$ 300 bilhões em bens chineses. Pequim respondeu em 2018 aplicando tarifas de 25% sobre importações de soja, carne bovina, carne suína, trigo, milho e sorgo dos EUA.
O confronto terminou com os países assinando um acordo comercial em 2020, no qual Pequim se comprometeu a aumentar suas compras de bens e serviços dos EUA. Mas desde então, tem comprado mais grãos de países como Argentina e Brasil, que ultrapassaram os EUA como principal fornecedor de milho da China em 2023.
Na última guerra comercial, "muitos de nossos compradores asiáticos começaram a desenvolver relações com produtores de soja na América do Sul, e eles têm tomado cada vez mais nosso mercado", disse Lehman, que também é presidente da União de Fazendeiros de Iowa. "E não recuperamos isso."
Nem todos os fazendeiros de Iowa se opõem à maneira como Trump usou a ameaça de tarifas para alcançar um objetivo político chave —conter a imigração ilegal.
"Foi uma estratégia que ele precisou usar para... levar esses países à mesa de negociações", disse Steve Kuiper, fazendeiro de quarta geração de Iowa que cultiva milho e soja no Condado de Marion, sudeste de Des Moines. Afinal, "um presidente tem apenas quatro anos para cumprir tudo o que prometeu fazer, então ele precisa começar imediatamente para ganhar tração".
Ainda assim, ele é pessimista quanto à capacidade do México e do Canadá de cumprir as promessas de fortalecer a segurança nas fronteiras a tempo. "Demora uma eternidade para essas coisas acontecerem, e eles têm apenas 30 dias", disse ele.
A perspectiva de outra rodada de tensões comerciais surge com os fazendeiros americanos já em uma situação difícil, atingidos por uma queda nos preços das culturas e custos mais altos. A renda líquida das fazendas, uma medida ampla dos lucros, foi de US$ 181,9 bilhões (R$ 1 tri) em 2022, mas está projetada para ter sido de US$ 140,7 bilhões (R$ 816,9 bi) em 2024, de acordo com dados do Departamento de Agricultura dos EUA —uma queda de 23%.
"Esta [guerra comercial] não está vindo em um bom momento", disse Rick Juchems, fazendeiro de perto de Plainfield, no nordeste de Iowa. "Os preços das commodities estão baixos e o preço dos insumos como sementes e fertilizantes está subindo." Fontes da Associação de Produtores de Milho de Iowa disseram que muitos fazendeiros estavam produzindo com uma perda de US$ 100 por hectare.
Os investimentos em novos equipamentos estão em baixa, refletindo a desaceleração mais ampla, disse Juchems. "Tenho amigos que perderam seus empregos vendendo máquinas agrícolas devido à demanda reduzida. Os pátios estão cheios de tratores não vendidos."
Fabricantes de equipamentos agrícolas como Deere, Kinze Manufacturing e Bridgestone/Firestone demitiram centenas de trabalhadores em Iowa desde o ano passado.
No entanto, as perspectivas para as finanças das fazendas podem ficar ainda mais sombrias se Trump cumprir sua ameaça de tarifas de importação. O fertilizante, por exemplo, pode se tornar muito mais caro, já que mais de 80% do suprimento de potássio dos EUA — um ingrediente chave— vem do Canadá.
Mas talvez o efeito mais destrutivo do debate tarifário seja a incerteza que ele gerou, pouco antes da crucial temporada de plantio da primavera.
"Nós nos viraremos enquanto soubermos o que está por vir", disse Juchems. "Mas as coisas estão mudando o tempo todo. Tenho certeza de que o mundo inteiro está rindo de nós."
Lehman disse que os fazendeiros estavam tentando permanecer otimistas. "Eles me dizem que têm esperança de que cabeças mais frias prevaleçam e que essa disputa resulte em bons acordos comerciais", disse Lehman. "Mas eles também estão se preparando para o pior." (Financial Times, 10/2/25)