19/05/2025

Expansão de celulose cria conflito com produtores de cana em SP

Expansão de celulose cria conflito com produtores de cana em SP

Fábrica da Bracell em Lençóis Paulista, no Centro-Oeste de São Paulo. Foto Divulgação

 

Associação diz que houve compra de até 30% da área de municípios; Bracell e Turvinho afirmam que obedecem legislação brasileira.

 

A aquisição de extensas áreas de municípios do interior de São Paulo para o cultivo de eucalipto e fabricação de celulose provocou um conflito de empresas do setor com produtores de cana da região, que afirmam que a obtenção dos terrenos é irregular.

 

Essas aquisições têm sido feitas por empresas ligadas à Bracell, que é controlada por acionistas estrangeiros.

 

A principal delas é a Turvinho Participações Ltda., uma subsidiária da Estrela SSC Holdings S.A., cujas ações são divididas entre a Bracell e empresários brasileiros —esses últimos controlam a companhia.

 

Em ações apresentadas à Justiça e ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a Ascana (Associação dos Plantadores de Cana do Médio Tietê) afirma que a compra desses terrenos rurais parte de um grupo econômico estrangeiro e precisaria de autorização do Incra e do Congresso Nacional.

 

O pano de fundo para as ações é a preocupação com o aumento dos preços dos terrenos rurais da região pelos produtores de cana. A entidade diz que a medida também incide em temas "relacionados à agroinflação e segurança alimentar".

 

Procurada, a Turvinho afirma que é uma "empresa nacional com 51% do controle de capital por brasileiros e que é uma subsidiária integral da holding Estrela, também controlada por acionistas brasileiros" e que suas operações são "aderentes às restrições legais, inclusive ao parecer da Advocacia-Geral da União de 2010 que limitou a aquisição de terras por estrangeiros".

 

"Não há qualquer impedimento de que uma empresa com controle de brasileiros atue na compra e arrendamento de terras rurais. O foco da atividade da Turvinho Participações é disponibilização de áreas –por meio de compra e arrendamento– para reflorestamento e fornecimento de madeira para a indústria de papel e celulose", diz a empresa, em nota.

 

Já a Bracell não se manifestou. A companhia se define como "uma das líderes globais na produção de celulose solúvel especial", que "baseia suas operações no cultivo sustentável de eucalipto e fábricas de última geração".

 

Ela se identifica como uma "empresa-irmã" das outras que integram o Grupo Royal Golden Eagle, que tem sede em Singapura.

 

Segundo um levantamento encomendado pela Ascana, até outubro de 2024 as empresas que têm algum tipo de ligação com a Bracell já haviam comprado terrenos rurais em 28 municípios no entorno do centro-oeste paulista, sendo que em cinco deles a ocupação ultrapassa 10% do território.

 

O excedente está nos municípios de Fernão, Vera Cruz, Presidente Alves, Álvaro de Carvalho e Oriente —o último com 32% ocupados pelas firmas, de acordo com a pesquisa.

 

No total, o levantamento aponta que as empresas com ligações com a Bracell já são proprietárias de quase 100 mil hectares de terras rurais no estado de São Paulo.

 

A associação apresentou no último dia 25 uma representação ao Incra afirmando que a compra que excede o limite territorial de 10% fere a lei que disciplina a aquisição e o arrendamento de terras rurais por pessoas estrangeiras ou sociedades equiparadas a elas no Brasil.

 

"A necessidade de controle do território brasileiro é questão de segurança nacional, que terá reflexos em toda a política nacional relativa à ocupação territorial e questões agrárias", diz a Ascana na ação.

 

No pedido ao Incra, a associação pede que seja reconhecida "a irregularidade insanável da aquisição e dos arrendamentos diretos e indiretos de terras rurais pelo Grupo Bracell", o que implicaria a "nulidade de pleno direito dos negócios jurídicos já concretizados e, também, a proibição das novas aquisições e arrendamentos sem prévia autorização do Incra e do Congresso Nacional".

 

Essa não é a primeira vez que a Ascana tenta rever as compras de terrenos pela Bracell. Em 2022, a associação também entrou na Justiça contra a empresa, mas o caso foi parar no STF (Supremo Tribunal Federal), que ainda definirá onde o processo deve tramitar.

 

Uma das justificativas da Ascana é que a Estrela SSC Holding S.A. recebeu aportes de mais de R$ 470 milhões da Bracell em 2018. Essa quantia, diz a entidade, fez as empresas ligadas à Bracell terem "capital social majoritariamente composto por sociedade estrangeira com sede no exterior".

 

Na ação apresentada no Supremo, a defesa afirma que a empresa Bracell SP, que é controlada por acionistas estrangeiros, só tem imóveis urbanos correspondentes às suas instalações e "não é proprietária ou arrendatária de imóveis rurais e apenas celebra contratos de compra de madeira e contratos de parceria agrícola".

 

Já sobre as outras empresas das quais é sócia, diz que é subsidiária da Estrela SSC Holding S.A. e da Turvinho, que "embora contenham participação societária das sociedades Bracell International PTE e Bracell Singapore PTE", são controladas por pessoa jurídica brasileira.

 

Segundo a defesa da companhia, "as relações societárias, empresariais e comerciais entre o Grupo Bracell (...) nas empresas Estrela e Turvinho obedecem inteiramente à legislação brasileira".

 

O Incra ainda não se manifestou a respeito do pedido da Ascana, que será analisado pela Procuradoria do órgão.

 

Uma das maiores disputas judiciais do Brasil, recentemente encerrada com um acordo, também tem relação com a aquisição de terras no Brasil por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras.

 

No ano passado, o Incra solicitou a anulação da compra da Eldorado Celulose pela Paper Excellence.

A empresa foi comprada pela Paper, associação de companhias de origem canadense e malaia com um dono indonésio. A negociação foi selada em 2017 com a brasileira J&F.

 

Em maio deste ano, a J&F fechou acordo para recomprar a parte da Paper Excellence na Eldorado Celulose.

 

A atuação do Incra nesses casos nem sempre é uniforme e tratada caso a caso. O órgão não tem atuado em outras ações sobre compra de terrenos no Brasil por empresas estrangeiras.

 

No STF também há uma ação sobre a lei que regula a compra de imóveis rurais por estrangeiros. O processo está sob a responsabilidade do ministro André Mendonça (Folha, 19/5/25)