Expansão do agro e do extrativismo elevou emissão de CO2 no Brasil
Site do Inpe com visualização do desmatamento acumulado (em amarelo) na Amazônia. Reprodução
Sucesso econômico das atividades que ocupam lugar das florestas contribui para flexibilização das regras de preservação, agravando a crise climática.
Por Pedro Rezende Mendonça, urbanista e analista de dados do Instituto de Referência Negra Peregum e Maíra Rodrigues da Silva
Coordenadora da área de Combate ao Racismo Ambiental do Instituto de Referência Negra Peregum, é bióloga, mestre e doutoranda no Programa de Geociências (IG/UNICAMP
A imagem de país biodiverso e conciliado com a natureza contrasta com a responsabilidade concreta do Brasil nas mudanças climáticas: o país é o quinto maior emissor de gases efeito estufa do mundo. Parte significativa dessas emissões vem da mudança de uso do solo, que consiste, a grosso modo, no desmatamento para abrir espaço para usos como agropecuária, mineração ou mesmo urbanização.
Dados do Observatório do Clima agregados pelo Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades apontam que, entre 2019 e 2022, as emissões de CO2 per capita por mudança de uso da terra no país aumentaram sua participação nas emissões totais de 45% para 48,3%, em um cenário onde as emissões totais também cresceram. As regiões Norte e Centro-Oeste respondem juntas por mais de 80% das emissões por mudança de uso do solo, reflexo da expansão da fronteira agrícola e de atividades extrativistas, como a mineração, que se acelerou nos últimos anos.
Os alertas de desmatamento dão outra dimensão dessa frente de expansão. A área de alertas de desmatamento chegou ao seu ponto máximo em 2022, ano em que os alertas somaram uma área equivalente a 3,6 vezes o Distrito Federal. Em todo o período registrado pelo MapBiomas, de 2019 a 2024, as áreas de notificação somam 8,8 milhões de hectares. A tendência de aumento na área desmatada foi revertida nos últimos dois anos, também em virtude do retorno de ações de fiscalização, mas há uma inflexão na concentração territorial: a concentração de área de alertas de desmatamento da região Nordeste supera as regiões Norte e Centro-Oeste. Quase toda a área desmatada no Nordeste em 2024 está relacionada à expansão agrícola, e concentra-se especialmente no interior da Paraíba, Ceará e Bahia.
Com isso, aumenta a pressão sobre a Caatinga, que já é o bioma mais suscetível às mudanças climáticas, como demonstra o seu processo de desertificação acelerado.
Mas mesmo com a redução recente, é importante lembrar que o passivo do desmatamento é grande e persistente. Quando ocorre desmatamento com mudança de uso do solo, o ciclo de emissão está apenas se iniciando. Além da emissão do carbono que antes era armazenado pelas florestas, as atividades econômicas que se instalam no lugar da vegetação original também são emissoras. A agropecuária, principal emissora de gás metano no país, responde a 95% dos alertas de desmatamento até julho de 2024.
Assim, a sustentação de uma atividade econômica poluente ao longo dos anos é capaz de superar o impacto imediato da emissão por mudança de uso do solo.
O sucesso econômico das atividades que ocupam o lugar das florestas contribui para capitalizar a pressão política para flexibilização das regras de preservação, e cria um ciclo vicioso de agravamento da crise climática.
Além disso, mesmo num cenário de queda do desmatamento, ainda testemunhamos o pior ano de queimadas no Cerrado nos últimos 20 anos, e não são raros os registros de céus cobertos de fuligem das queimadas nas cidades do interior do país. Nos últimos dias, várias cidades de São Paulo sofreram com a fumaça resultante de queimadas no interior do estado. Ainda que as queimadas ocorram sobre propriedades rurais, com solo já ocupado, esse modelo de ocupação da terra segue trazendo danos ao clima e à saúde.
Os impactos resultantes de décadas de emissão continuarão a recair sobre o campo e sobre as cidades na forma de eventos extremos, e por isso ações de adaptação são urgentes. Mas, como diversos movimentos da sociedade civil organizada denunciam há anos, o perfil socioeconômico dos afetados por tais eventos diferem daqueles que se beneficiam do aprofundamento da crise climática. Assim, tão importante quanto atingir as metas assumidas nos acordos internacionais, é preciso avaliar se as ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas têm servido para diminuir ou para aprofundar as desigualdades, perpetuando o racismo ambiental, ou se tem promovido uma adaptação antirracista (Folha, 28/8/24)