Fiasco em ranking de corrupção é resultado lógico – Editorial Folha

Má posição do Brasil reflete práticas como o desmantelamento da Lava Jato no STF e farra das emendas no Congresso.
Na vida pública, como na particular, é frequentemente possível optar por um ou outro caminho a seguir. Entretanto não se podem escolher as consequências da opção tomada. Tal reflexão é válida para ilustrar o lamentável afrouxamento, nos últimos anos, das regras e práticas destinadas a coibir a corrupção no Brasil.
A progressiva tolerância com a rapinagem do colarinho branco configurou, nesse período recente, o verdadeiro e talvez único projeto de união nacional a agregar o chamado centrão e os dois polos do espectro partidário. Do congraçamento participam também as cúpulas do Executivo, Legislativo e Judiciário.
Escolha feita, consequência deflagrada. Em 2024, o Brasil teve o pior desempenho em 12 anos no mais reputado levantamento global sobre a percepção da corrupção. O país caiu três posições em relação a 2023 e foi o 107º colocado numa lista de 180 nações arroladas no indicador da Transparência Internacional.
O Brasil divide a desonrosa posição com Turquia, Argélia, Tailândia, Níger, Maláui e Nepal. No escore sintético, produzido com dados de organizações globais e entrevistas com agentes privados, a república brasileira caiu também em termos absolutos e é tida como mais corrupta que Índia, Indonésia e Marrocos.
Mas o ministro da Controladoria-Geral da União, Vinicius Carvalho, mostra-se bem menos preocupado com o retrocesso no combate ao flagelo da corrupção do que com a má imagem do país revelada pelo documento da Transparência Internacional. Levar a sério esse indicador pode, segundo ele, alimentar "narrativas que minam a confiança nas instituições democráticas".
Tornou-se lugar-comum do discurso governista tratar a veiculação de dados ou argumentos desabonadores como ameaças de bomba atômica autoritária. Enquanto isso, dissimula-se o acordão formado nas altas esferas da República para destruir os esforços anticorrupção do passado e fazer vista grossa a potenciais desmandos do presente.
Uma reviravolta do Supremo Tribunal Federal enterrou, para efeitos práticos, um dos maiores escândalos de desmandos com dinheiro público que já se documentaram no país sob a Lava Jato. O Palácio do Planalto passa a mão na cabeça de um ministro sob suspeita de desviar recursos da estatal Codevasf.
A sem-cerimônia com que deputados federais e senadores torram bilhões em emendas de escasso controle escancara o baixíssimo risco de operações fraudulentas serem objeto de detecção, denúncias e condenações judiciais definitivas. A farra se dissemina em Assembleias estaduais e Câmaras municipais.
Desmerecer o diagnóstico da Transparência Internacional não mudará a realidade de que a corrupção vem se tornando mais tolerável no Estado brasileiro. Se há algo que desestabiliza a democracia nesse tema é o descaso com o dinheiro dos contribuintes (Folha, 13/2/25)