Financiamentos do Plano Safra 2019/20 ficam quase estáveis e juros sobem
O Plano Safra 2019/20 ofertará 222,74 bilhões de reais em financiamentos aos agricultores brasileiros, familiares e empresariais, volume praticamente estável ante o montante anunciado no programa anterior, e também terá juros mais altos a grandes produtores, em um momento em que o governo enfrenta um aperto fiscal.
Nesse cenário, com o país caminhando para colher uma nova safra recorde de grãos em 2018/19, o governo vem buscando modernizar o sistema de financiamento, visando diversificar as fontes de recursos, com maior participação dos bancos privados, e aproveitando a taxa básica de juros Selic na mínima histórica de 6,50% ao ano.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ressaltou durante o anúncio do plano que, em esforço “para atender a todos”, o governo está buscando ampliar novas ferramentas de crédito e deverá implementar medidas para melhorar as condições do negócio agrícola, que incluem ajuda do BNDES para renegociar dívidas.
Entre as ferramentas de crédito, ela citou 55 bilhões de reais do plano que deverão ser garantidos via Letras de Crédito do Agronegócio, com um impulso adicional após no início do ano o governo ter autorizado que 100% do volume de LCAs destinadas a produtores rurais sejam negociadas a taxas livres, visando fomentar a emissão do papel.
No plano anterior, a estimativa era garantir 45 bilhões com as LCAs, mas a meta ficou longe de ser alcançada, porque uma parte das taxas dos títulos não era livre.
“Este é o caminho que numa economia aberta o crédito rural deverá trilhar nos próximos anos”, destacou Tereza, ao comentar que o governo destravou as LCAs.
O volume total de recursos de financiamentos do plano, que representa uma alta de 0,28 por cento ante o anunciado para 2018/19, deverá ser dividido em 169,3 bilhões para custeio, comercialização e industrialização e 53,4 bilhões de reais para investimentos.
O Plano Safra foi anunciado antes de novas orientações de estímulo para o setor que deverão vir por meio de uma medida provisória, informou o ministério.
A MP, que está próxima de ser publicada, segundo o ministério, estabelecerá, por exemplo, o chamado Fundo de Aval Fraterno (FAF), que vai facilitar a renegociação de dívidas dos produtores rurais, contraídas junto aos bancos, distribuidoras ou agroindústrias. Para isso, disse o ministério em nota, o BNDES já dispõe de 5 bilhões de reais, em linhas que teriam três anos de carência e prazo de até 12 anos de pagamento.
A MP também estenderá para o setor rural o chamado Patrimônio de Afetação, que permitirá ao produtor desmembrar seu imóvel para oferecer como garantia nos financiamentos agropecuários. “Com isso, o produtor não terá de oferecer toda a sua fazenda para garantir uma operação.”
O governo também deverá permitir, por meio da MP, que todos bancos trabalhem, a partir da safra 2020/21, com oferta de crédito com juros subsidiados pelo Tesouro Nacional. Atualmente, apenas as instituições oficiais, como Banco do Brasil, e cooperativas de crédito podem financiar com as taxas mais baixas, que beneficiam principalmente pequenos produtores.
A MP também permitirá que a Cédula de Produto Rural (CPR) seja emitida com correção pela variação cambial, viabilizando a emissão do papel e de Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) no exterior. “A ideia é o produtor tomar empréstimo mais barato no Brasil e em outros países”, disse o ministério em nota.
Presente no lançamento do plano, o presidente da Organização das Cooperativas do Brasil, Márcio de Freitas, destacou o esforço do governo “em um momento em que o país busca o equilíbrio fiscal e o caixa está baixo”.
Diante de uma quase estabilidade nos recursos para o crédito, a ministra da Agricultura comentou que não é fácil, no quadro de aperto orçamentário atual, “anunciar grandes cifras como as de hoje”.
Mas ela ressaltou que o Tesouro Nacional disponibilizou de forma inédita mais recursos para subvenção dos pequenos produtores (Pronaf) do que para os demais. Dos 10 bilhões de reais destinados para subvenção de juros, quase 5 bilhões de reais serão para atender os agricultores familiares.
O total de recursos do plano 2019/20 prevê ainda 1,85 bilhão de reais para apoio à comercialização, que inclui compras de produtos agrícolas pelo governo.
O ministério informou que o volume de recursos para subvenção do prêmio do seguro rural mais do que dobrou, para 1 bilhão de reais. Outra novidade do plano é o financiamento de moradias rurais, que terá 500 milhões de reais.
JUROS MAIORES
O governo federal aumentou os juros do Plano Safra 2019/20 para parte dos produtores, diante da forte demanda verificada no ano programa anterior, explicou nesta terça-feira o secretário de Política Agrícola, Eduardo Sampaio.
Segundo ele, o governo ainda optou por elevar as taxas de algumas linhas visando aumentar a abrangência do plano.
No Plano Safra 2019/20, o governo aumentou para 8% ao ano os juros para financiamentos a grandes produtores, na comparação com o patamar de 7% visto no programa 2018/19, e elevou de 2,5% para 3% ao ano o piso dos juros para pequenos agricultores.
As taxas para financiamento de custeio, comercialização e industrialização para os médios produtores foram mantidas em 6% ao ano, na comparação com o plano anterior. Já os programas de investimento terão juros variando de 3% a 10,5% ao ano.
“No ano passado, ela (taxa) ficou meio baixa, o dinheiro acabou todo”, afirmou Sampaio a jornalistas, explicando que o governo optou, diante de um cenário de aperto fiscal, em praticamente manter o montante de recurso, mas elevar um pouco os juros de algumas linhas (Reuters, 18/6/19)
O parto difícil do Plano Safra – Editorial O Estado de S.Paulo
Embora já superado, esse problema é um detalhe significativo, porque reflete um estilo de administração e de articulação política. Esse estilo foi inaugurado pelo novo governo.
Suspense foi a primeira inovação do Plano Safra recém-anunciado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro. O esquema financeiro para a temporada 2019-2020,com R$ 222,74 bilhões previstos para empréstimos, foi apresentado com uma semana de atraso. “Achei que esse plano não ia sair. A criança nasceu”, disse no lançamento a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, num compreensível arroubo de sinceridade.
Parte do financiamento inclui subsídios e depende, portanto, da programação do Tesouro Nacional. Mas o Tesouro estava despreparado, até uma semana antes, para garantir o dinheiro necessário. O Plano Safra, no entanto, é duplamente rotineiro. É apresentado uma vez por ano, sempre na mesma época, e seu lançamento, portanto, é um evento dos mais previsíveis.
Embora já superado, esse problema é um detalhe significativo, porque reflete um estilo de administração e de articulação política. Esse estilo foi inaugurado pelo novo governo. Problemas para a execução do Orçamento eram previstos. A previsão se tornou cada vez mais segura com o mau desempenho da economia, já sensível no primeiro trimestre, e com o consequente agravamento da situação fiscal.
Era necessário, além de conter gastos, arranjar recursos para evitar a violação da chamada regra de ouro, a proibição constitucional de tomar empréstimo para despesas correntes. O governo precisava de financiamento de R$ 248,9 bilhões. A ministra da Agricultura teve de suspender o anúncio do Plano Safra até o Congresso autorizar o endividamento. A resistência da oposição foi mínima. Faltou o Executivo mobilizar sua base para conseguir a autorização mais cedo.
Nesse episódio, como na tramitação da reforma da Previdência pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o governo e seus aliados, ou supostos aliados, pouco se empenharam pelo resultado. Inexperiência pode ser parte da explicação. Mas valerá essa explicação quando o presidente envolvido na história foi deputado federal durante 28 anos? Quando o chefe de sua Casa Civil também tem um longo currículo como congressista?
Enfim, a criança nasceu, como disse a ministra da Agricultura, e os produtores do campo dispõem das informações essenciais sobre o apoio oficial na próxima temporada. O dinheiro previsto para o crédito rural é quase igual ao do ano passado, quando foi oferecida a soma de R$ 194 bilhões.
O total anunciado para 2019-2020 chega a R$ 222,74 bilhões. Mas esse valor inclui R$ 31,22 bilhões destinados ao Pronaf, o programa da agricultura familiar, agora sob controle do Ministério da Agricultura. Outra novidade: a verba destinada ao produtor familiar poderá ser usada na construção e reforma de moradia.
Como sempre, a maior parte do crédito, ou R$ 169,33 bilhões, será destinada a despesas de custeio, sobrando, portanto, R$ 53,41 bilhões para investimento. O quadro de aperto é evidente. Os juros oficiais para os grandes produtores devem passar de 7% para 8% ao ano. As taxas para médios e pequenos devem ser mantidas. Os grandes agricultores terão de obter parte relevante do crédito em fontes com juros livres. Cerca de R$ 55 bilhões, segundo a previsão, deverão ser captados por meio de Letras de Crédito do Agronegócio.
O aperto financeiro do governo explica boa parte das mudanças nas condições de financiamento. Parte das inovações, no entanto, resulta da tentativa de tornar o crédito à agricultura mais dependente de instituições do mercado. É uma questão conceitual. É cedo para dizer como funcionarão os novos esquemas. Mas é preciso levar em conta alguns fatos muito importantes quando se trata de política agrícola.
O primeiro é o amplo subsídio concedido ao agro no mundo rico. O subsídio brasileiro, já muito pequeno pelos padrões internacionais, ainda deve encolher. O segundo ponto é a desvantagem associada à infraestrutura ruim. Soma-se a esses fatores o aberrante cartel do frete, criado em 2018, ainda em vigor e apoiado pelo presidente Bolsonaro. Contestações apresentadas há um ano ao Judiciário só serão examinadas em setembro (O Estado de S.Paulo, 19/6/19)