Fogo na Amazônia foi ateado por interesses que destroem, diz papa
Legenda: Bispos e cardeais, além de representantes de povos indígenas, participaram da celebração na Basílica de São Pedro
Francisco abre encontro que debaterá questões ambientais e temas polêmicos da Igreja Católica na Amazônia. Em missa no Vaticano diante de bispos e indígenas, pontífice alerta contra "ganância de novos colonialismos".
O papa Francisco abriu neste domingo (06/10) a reunião no Vaticano em que bispos e outros convidados dos nove países da Amazônia debaterão, durante três semanas, a situação ambiental e dos povos indígenas na região, bem como temas da Igreja Católica pertinentes à área.
A abertura do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica foi marcada pela celebração de uma missa na Basílica de São Pedro, no Vaticano. Em sua homilia, o pontífice condenou as queimadas que devastam a Floresta Amazônica, bem como os "interesses" destrutivos por trás delas.
"O fogo ateado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o do Evangelho", declarou Francisco. "O fogo de Deus é calor que atrai e congrega em unidade. Alimenta-se com partilha, não com os lucros."
"Pelo contrário, o fogo devorador alastra quando se quer fazer triunfar apenas as próprias ideias, formar o próprio grupo, queimar as diferenças para homogeneizar tudo e todos", completou o pontífice durante missa solene.
Ele também lamentou "os tempos em que houve colonização em vez de evangelização" e alertou para "a ganância de novos colonialismos".
O sínodo vai até 27 de outubro e reunirá 184 bispos, incluindo 113 dos nove países que ocupam a Amazônia, entre eles o Brasil, que abriga 60% da maior floresta tropical do mundo.
Representantes de povos indígenas, alguns com penas coloridas adornando a cabeça, se reuniram na Praça de São Pedro para assistir à missa inaugural do papa, que já expressou sua preocupação com os povos originários ameaçados na Amazônia.
"Estamos pedindo ajuda ao mundo, porque estamos muito preocupados com a nova política de exploração de mineração na Amazônia", disse José Luiz Cassupe, membro de uma comunidade indígena em Rondônia, à agência de notícias AFP.
Um grupo de indígenas brasileiros ligados ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) participou da cerimônia e estendeu faixas dentro da basílica com a seguinte frase, em português e italiano: "Contra o roubo e a devastação e invasão dos territórios indígenas."
O documento que rege as discussões do sínodo denuncia em termos contundentes injustiças e crimes sociais cometidos na região amazônica, incluindo assassinatos de indígenas e ativistas ambientais, e sugere um plano de ação da Igreja.
"Ouçam o grito da 'Mãe Terra', agredida e gravemente ferida pelo modelo econômico de desenvolvimento predatório e ecocida… que mata e rouba, destrói e devasta, expulsa e descarta", diz um trecho do documento de 80 páginas.
A preparação para o sínodo incluiu cerca de 260 eventos realizados na região, que reuniram 80 mil pessoas, numa tentativa de dar voz às populações locais no documento.
Em setembro, um relatório da ONG Human Rights Watch (HRW) afirmou que ações de redes criminosas impulsionam o desmatamento e as queimadas na Amazônia, com a participação de invasores de terra e fazendeiros que contam com a proteção de milícias armadas.
O documento estabelecia ligações entre o desmatamento ilegal e os incêndios florestais com atos de violência e intimidação contra os chamados defensores da floresta, que incluem ativistas, agricultores, comunidades indígenas e até policiais e agentes públicos.
Fim do celibato
Sob o lema "Amazônia – Novos caminhos para a Igreja e uma ecologia integral", a reunião deve abordar não somente a questão ambiental na região, mas também problemas enfrentados pela Igreja na Amazônia, como a falta de padres.
Como forma de lidar com essa escassez, uma das propostas a serem debatidas diz respeito à ordenação de homens casados como sacerdotes em comunidades remotas da Amazônia, o que pode abrir caminho para o fim do celibato de padres.
Na missa deste domingo, o papa disse esperar que o sínodo tenha inspiração para "renovar os caminhos para a Igreja" na região, mas pediu "prudência audaciosa" para que "não se apague o fogo da missão".
"A Igreja não pode de modo algum limitar-se a uma pastoral de manutenção para aqueles que já conhecem o Evangelho de Cristo. O ardor missionário é um sinal claro da maturidade de uma comunidade eclesial", afirmou (DW, 6/10/19)
Opinião: Sínodo deve impulsionar reflexão sobre a essência da Igreja
Para a população indígena na Amazônia e, portanto, também para a floresta, a Igreja Católica desempenha um papel importante. Francisco deve atender à recomendação de permitir sacerdotes casados, opina Christoph Strack.
"A realidade é mais importante do que a ideia." Essa foi uma das principais frases da primeira encíclica do papa Francisco, publicada no final de 2013. Intitulada de "Evangelii gaudium" (Alegria do Evangelho), a carta soava como um novo começo, uma tentativa de pensar em pessoas concretas, em suas necessidades e esperanças. Dificilmente outra frase poderia explicar melhor a força que impulsiona o papa latino-americano nessas três semanas do Sínodo para a Amazônia, que começa neste domingo (06/10).
Ao contrário de dogmáticos e ideólogos distantes, seja qual for sua "cor teológica", Francisco se preocupa com a situação das pessoas na vasta região amazônica e com os povos indígenas cuja existência está ameaçada. E, neste caso, o papa também se preocupa com o "pulmão verde" da Terra, com as queimadas e a destruição ambiental, com os crimes contra a criação.
Os dramáticos incêndios florestais na Amazônia abalaram pessoas em todo o mundo. A mata continua queimando, mas a atenção da mídia se volta agora para outros assuntos. Francisco sabia da catástrofe, e não a esquece agora também. Durante o sínodo, ele recordará a situação repetidamente à comunidade mundial, e esperamos que seja um lembrete drástico.
O primeiro papa que se nomeou em homenagem a São Francisco é um papa verde – para além da cor política. E seu coração se abre quando pode mostrar seu afeto por pessoas simples e sensatas, também movidas por essas preocupações.
Francisco é solidário com os marginalizados. No caso da Amazônia, são os povos originários, os indígenas que estão sob pressão e sofrem em vários dos nove países da região amazônica. Como a terra é sagrada para eles, são um espinho atravessado na garganta das empresas multinacionais e dos latifundiários. E, hoje, a Igreja se posiciona de maneira mais decidida do que antes.
Um dos grandes cardeais da América Latina, o brasileiro Cláudio Hummes – sacerdote há mais de 60 anos e com mais experiência pastoral do que muitos dos críticos do papa em seus idílicos destinos romanos – não se cansa de avisar que cerca de 80% das comunidades na região amazônica recebem visitas irregulares de sacerdotes (isso significa só algumas vezes por ano).
Em tempos de fortalecimento de igrejas fundamentalistas, isso enfraquece as comunidades e os fiéis. Porque a Igreja vive, em sua essência, da celebração conjunta da Eucaristia, e essa Eucaristia liga a Igreja ao sacerdócio.
Hummes também recorda que homens e mulheres da Igreja já foram assassinados na Amazônia e temem por suas vidas. É uma situação mais que dramática.
Espera-se que o sínodo – e mais do que isso ele não pode proporcionar – recomende ao papa a admissão ao sacerdócio de "homens casados de fé comprovada". Essa questão é explicitamente mencionada no documento de trabalho do sínodo (e é por essa razão que os opositores antiquados de Francisco estão gritando "heresia" e "apostasia").
É de se esperar que o papa siga essa recomendação e não recue novamente, pois, como dito, trata-se da vida espiritual de pessoas e comunidades ameaçadas existencialmente. Francisco poderia dar esse passo, pois a ordenação de homens casados não viola nenhum dogma. A permissão para que eles exerçam o sacerdócio cabe apenas ao papa.
Será que tal passo na região amazônica teria um impacto na teoria e na prática na Alemanha? "A realidade é mais importante do que a ideia", disse Francisco. A ideia de mudar o sacerdócio existe na Alemanha há muito tempo, mas a realidade é diferente. Assim, as dúvidas são apropriadas.
O que impressiona em Roma nos dias de hoje é com que veemência os críticos e provavelmente odiadores do papa declaram estado de emergência. Alguns dos círculos conservadores de direita no meio americano, para quem o "trumpismo" é o novo evangelho, expressam puro ódio mesmo quando os bispos também falam em "heresia" (pelo qual alguém poderia ter sido queimado no passado) ou quando tuiteiros desejam que este papa morra logo.
Mas a Igreja na Alemanha e na Europa somente continuará existindo se passar por uma transformação, pouco a pouco. Se o sacerdócio é clerical e de fato continua sendo um ofício de poder, ele está morto nessas regiões e está arrastando a Igreja para baixo.
O Sínodo para a Amazônia pode e deve impulsionar a reflexão sobre a essência da Igreja – no Vaticano e também na Alemanha. E só assim poderá haver evolução. Mas, até lá, é um caminho muito, mas muito longo.
Por fim, a Igreja sob este papa está lutando agora contra conflitos que o Concílio Vaticano II (1962-1965) pôs em marcha com sua abertura ao mundo e que, desde então, têm sido reprimidos ou combatidos a partir de cima. São conflitos difíceis, mas necessários. E seu pano de fundo é: "A realidade é mais importante do que a ideia." (DW, 6/10/19)