04/06/2018

Frango brasileiro na Europa, um caso de colonialismo

Frango brasileiro na Europa, um caso de colonialismo

Por Alysson Paolinelli, José Botafogo Gonçalves e Antonio Lício

Em meados de abril passado fomos informados de sanções comerciais impostas pela União Europeia à carne de frango exportada pelo Brasil, maior exportador mundial do produto. Oficialmente, as alegações pelas sanções são de caráter sanitário, mas seriam liberadas se o Brasil concordasse em pagar uma tarifa de € 1.024 por tonelada, o que revela a verdadeira razão da atitude: comercial.

Essa é uma prática comum em comércio internacional, chamada de "escalada tarifária": quanto maior a agregação de valor, maior a tarifa, para que os importadores tenham as matérias primas livres de restrições comerciais e que agreguem valor no local da importação. No caso das carnes de frangos, as matérias primas são milho e farelo de soja, transformadas em carnes pelo metabolismo das aves e a agregação de valor entre as matérias primas e a carne é de cinco vezes, daí a proteção tarifária.

Tanto o milho quanto a soja entram no mercado europeu livre de ônus, mas a carne de frango paga uma tarifa de 15,4% dentro de uma cota de 170.807 toneladas; acima dessa cota, tarifa de € 1.024 por tonelada. Trata-se da mais perfeita expressão de "colonialismo comercial", tão criticado ao longo da história, mas ainda praticado explicitamente pelos europeus, mais do que todos os demais países. O Brasil está contestando a medida na Organização Mundial do Comercio - OMC - e pode ganhar, mas parece-nos que as soluções são outras, mais fortes e eficientes.

As proteínas animais - carnes bovinas, suína, de aves, leite e ovos - tão demandadas pelo homem atual são produzidas a partir da combinação soja-milho em rações específicas, exceto para bois de pasto e peixes de captura. Depois da "doença da vaca louca", que contaminou bovinos e humanos e se origina pela ingestão de rações baseadas em proteínas animais, como farinha de peixe e de sangue, a soja se tornou absoluta na produção de rações. Mas se torna um produto cada vez mais escasso mundialmente, por exigências climáticas: Brasil e Estados Unidos empatam em primeiro lugar em produção com cerca de 115 milhões de toneladas cada um, e segundo lugar para Argentina com distantes 55 milhões de toneladas, num total mundial de 350 milhões de toneladas.

A União Europeia praticamente nada produz de soja; importa 20 milhões de toneladas de milho, 14 milhões de toneladas de soja-grão e 19 milhões de toneladas de farelo de soja (USDA, 2018) para produzir suas proteínas. Fica explícita sua dependência da soja para o atendimento da insubstituível proteína animal de sua população, principalmente crianças. E essa dependência é de quatro países: EUA, Brasil, Argentina e em menor escala, Paraguai, os maiores produtores/exportadores mundiais.

Os países do Mercosul - Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai - produzem conjuntamente 130 milhões de toneladas de milho e 170 milhões de toneladas de soja. Mas exportam 55 milhões de toneladas de milho e 70 milhões de toneladas de soja (grãos e farelo, com receitas totais de US$ 60 bilhões (média 2016-18). Se parte dessas matérias primas fosse transformada em carne de frango internamente - 55 milhões de toneladas de milho e mais 18 milhões de toneladas de farelo de soja - seria possível produzir 35 milhões de toneladas de frangos com valor adicional de US$ 65 bi; se importássemos todo o milho exportado pelos EUA (56 milhões de toneladas) seria possível produzir mais 35 mi de frango e ainda sobrariam 135 milhões de toneladas de soja, sem contar com o potencial produtivo interno de milho. A produção mundial de carne de frango atual é de 90 milhões de toneladas e o Mercosul se tornaria hegemônico na produção de proteínas animais.

Como já dito, a agregação de valor entre soja-milho para carne de frango é de cinco vezes, isto é, um dólar exportado de soja-milho pode gerar cinco dólares se exportado em forma de frango (ou um pouco menos no equivalente suínos). Isso resulta de uma indústria de carnes intensiva em mão de obra, em termos de salários e pessoal, ao contrário da produção dos grãos, altamente mecanizada e pouco empregadora. Daí a escalada tarifária da União Europeia sobre nossos frangos. O Brasil e seus irmãos do Sul entregam a melhor parte da geração de renda e emprego aos "colonizadores", que ainda debocham de nossa ingenuidade ao impor cotas tarifárias às nossas carnes para evitar a concorrência às suas carnes produzidas com nosso milho e soja!

Para superar essa contradição ridícula e infantil, bastaria uma política comum dos quatro países sulinos que maximizasse internamente a produção de carnes, com trocas internas de importações/exportações dos atuais saldos de milho e soja exportados, sem nenhuma necessidade de passar pela burocracia da OMC.

Finalmente, a Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) desenvolveu interessante índice de desenvolvimento municipal baseado em renda, emprego, educação e saúde, com valores entre 0,00-1,00. Os mais altos índices estão principalmente nos municípios onde se encontra agricultura pujante associada a produção de carnes: soja-milho-frango-suínos-bovinos. De um total de 5.517 municípios pesquisados, somente 431 obtiveram notas acima 0,80, dos quais 25 são capitais e os demais esbanjam riqueza e bem-estar. Todo brasileiro deveria conhecer pelo menos um deles para se conscientizar que é possível ter um Brasil desenvolvido. E o que precisamos para acrescentar pelo menos mais 1.000 nesse grupo? Planejamento e ações públicas concertadas, como acima sugeridas (Alysson Paolinelli é engenheiro agrônomo e presidente da Abramilho. Foi ministro da Agricultura; José Botafogo Gonçalves, diplomata, foi ministro da Indústria e Comércio e secretário executivo da Camex; Antonio Lício é economista, PhD, e consultor em Brasília)