27/08/2018

Frete tabelado provoca aumento de 12% nos gastos com transporte rodoviário

Frete tabelado provoca aumento de 12% nos gastos com transporte rodoviário

"Haverá impacto para o consumidor”, prevê o gerente-executivo de Política Econômica da CNI, Flávio Castelo Branco

Levantamento é da Confederação Nacional da Indústria, que ouviu 688 empresas.

Os gastos com transporte rodoviário subiram 12% após o governo adotar a tabela de preços do frete como parte do pacote de medidas que encerrou a paralisação dos caminhoneiros, que durou 11 dias e provocou uma crise de abastecimento no País. A informação é de um levantamento inédito realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com 688 empresas. 

Mais de metade delas informou que o custo das matérias-primas e insumos já subiu. O aumento médio é de 7%, mas quase 30 companhias relataram altas acima de 50%. “A consulta mostra que o efeito da intervenção no mercado é negativo do ponto de vista do custo para as empresas”, disse o gerente-executivo de Política Econômica da CNI, Flávio Castelo Branco. “Isso leva à pressão pelo aumento do preço do produto final, ou seja, haverá impacto para o consumidor.”

Se a constitucionalidade do tabelamento for confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), numa discussão que será retomada nesta segunda-feira com uma audiência pública sobre o tema, 60,5% das empresas pretendem adotar um “plano B” para o transporte. A opção preferida, apontada por 37,3% delas, é transferir a responsabilidade do transporte para o comprador. A formação de frota própria foi apontada por 27,4%. 

Um dado que chama a atenção é que, entre as alternativas possíveis, 17,5% das consultadas podem suspender ou reduzir a venda de produtos para determinadas rotas ou regiões. Isso porque o transporte mais caro pode inviabilizar a comercialização de alguns produtos. 

“Os fretes aumentaram em média 103% e isso cria dificuldades para as empresas de sal”, disse o vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Extração de Sal do Rio Grande do Norte, Aírton Torres. O setor estima um prejuízo de R$ 30 milhões desde o início da greve. 

Essa elevação acontece porque o sal era transportado no chamado frete de retorno. Caminhões iam com outros produtos para o Rio Grande do Norte e, na volta, traziam sal. Por isso, esse transporte era mais barato. Mas, com o tabelamento, a figura do frete de retorno desapareceu e o preço cheio é cobrado em todas as rotas. Não tem como diferenciar o frete de retorno dos demais”, justificou o ministro dos Transportes, Valter Casimiro. “Frete é frete.”

O Rio Grande do Norte responde por 95% da produção de sal do País. O transporte não está todo parado porque empresas recorreram a navios e barcos, segundo informou o Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens (Sindicam) do Rio Grande do Norte. Além disso, há empresas na região que possuem frota própria.

“Qualquer solução que a empresa adotar para sair do tabelamento vai gerar uma ineficiência na economia”, comentou Castelo Branco. “É um ajuste que traz menor produtividade e maior custo, ou seja, é um arranjo pior para o conjunto da sociedade do que o que tínhamos antes.”

Agropecuária é o setor mais afetado pelo tabelamento

O setor mais duramente afetado pelo tabelamento, porém, é o do agronegócio. Duas entidades do setor, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) estimaram perdas de R$ 500 milhões por dia durante a safra de soja. 

Na atual fase de colheita, a do chamado milho safrinha, a perda chega a R$ 2 bilhões, segundo o presidente da Aprosoja, Bartolomeu Braz. Ele acrescentou que os alimentos da cesta básica tiveram alta de 12% e há grande incerteza para o próximo plantio. Além de o frete de fertilizantes haver subido 40%, a comercialização antecipada da próxima safra está parada porque não se sabe quanto vai custar o transporte dela.

Para a economia como um todo, as perdas foram estimadas em R$ 53 bilhões, segundo estudo elaborado pelo economista Armando Castellar, da Fundação Getúlio Vargas. O trabalho foi anexado à petição das duas entidades para ingressar como parte interessada nas discussões do STF (O Estado de S.Paulo, 25/8/18)


Caminhoneiros afirmam que falta fiscalização para preço mínimo do frete

Legenda: Caminhoneiros cobram fiscalização por parte da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)

Para categoria, preço mínimo não é seguido; ANTT tem apenas 500 fiscais para cobrir 1,7 milhão de quilômetros de rodovias no Brasil.

Os brasileiros com mais de 40 anos já viram essa história mais de uma vez: o governo fixa preços numa tabela e, no minuto seguinte, ela começa a ser descumprida. É o que vem acontecendo, em maior ou menor escala dependendo do produto e da região, com os preços do frete rodoviário. Lideranças de caminhoneiros ouvidas pelo ‘Estado’ cobram a fiscalização da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para garantir os preços mínimos.

“Ninguém cumpre”, afirmou o presidente do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens no Estado do Pará (Sindicam-PA), Eurico Tadeu Ribeiro dos Santos. “No Norte é pior, porque não tem fiscalização.” 

Wallace Landim, o “Chorão”, que vive em Goiás, concorda. “Tem muitas empresas que não estão pagando o piso mínimo.” Ele pretende reunir caminhoneiros em frente à sede da ANTT após a audiência no STF, nesta segunda-feira, para pressionar pelo início da fiscalização. Já em São Paulo, os preços têm sido observados pela maioria, segundo o presidente da Federação dos Caminhoneiros de Carga em Geral (Fetrabens) do Estado de São Paulo, Norival Almeida Silva, o “Preto”. Ele explicou que o frete pesa mais quanto menor é o valor do produto transportado, por isso a tabela precisará passar por alguns ajustes. “Quando chegar a lei certinha, ela vai funcionar.”

“Tem de tudo”, disse o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de Ijuí (RS), Carlos Alberto Litti Dahmer. “Gente cumprindo, gente descumprindo, embarcador que cumpre a tabela mas a transportadora, não.”

Pela lei que estabeleceu a política de preços do frete rodoviário, cabe à ANTT garantir que os valores mínimos sejam cumpridos. Mas a agência tem apenas 500 fiscais para 1,7 milhão de quilômetros de rodovias no País inteiro. Está longe de ter uma estrutura como a que havia nos tempos dos planos econômicos, quando havia um órgão destinado especificamente a fiscalizar os preços, a Sunab.

“Toda vez que o governo quer tomar uma medida emergencial e eleitoreira, se vale de um tabelamento”, afirmou a ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon, para quem a fixação de preços do frete é inconstitucional. Para ela, esse parece ser também o entendimento do ministro Luiz Fux, que relata três ações de inconstitucionalidade contra a medida no Supremo Tribunal Federal (STF). 

No momento, a ANTT não está fiscalizando o cumprimento da tabela. As normas para que esse trabalho seja feito ainda estão em discussão e levarão pelo menos 90 dias para ficar prontas. Mas isso não quer dizer que o mercado esteja livre para não segui-la. A lei garante que, caso o caminhoneiro preste um serviço abaixo do preço de tabela, ele tem direito a indenização igual ao dobro da diferença devida. 

Caminhoneiros relatam ameaças das empresas

Para conseguir a indenização, porém, o caminhoneiro tem de entrar com uma ação na Justiça. Segundo as lideranças, algumas empresas que contratam autônomos têm ameaçado cortar do cadastro os que reclamarem. “Mas ninguém quer denunciar”, disse Eurico. Por causa disso, o sindicato dirigido por Litti entrou com uma demanda coletiva na Justiça. 

Segundo o líder paraense, recentemente algumas empresas foram multadas por não preencherem totalmente o formulário entregue ao caminhoneiro com os dados do frete. As informações estavam incompletas justamente pela falta do preço do serviço. Elas, porém, têm pressionado os motoristas a arcar com a multa. Ainda assim, o Sindicam paraense já ingressou com algumas ações na Justiça. 

Já o presidente da Fetrabens paulista orientou seu departamento jurídico a não ingressar com ações cobrando a indenização. “Não precisamos brigar”, disse. “Chorão”, por sua vez, orientou a base a guardar as notas fiscais e aguardar um posicionamento da ANTT (O Estado de S.Paulo, 25/8/18)