Frigoríficos: Acordo para checar origem legal de gado criado no Cerrado
gado criado no Cerrado - Foto Blog InfoMoney
Protocolo lançado, porém, não prevê desmatamento zero e se limita a fornecedores diretos.
JBS, Marfrig e Minerva aderiram nesta segunda-feira (23) ao Protocolo do Cerrado, iniciativa de organizações ambientais que visa estabelecer boas práticas na compra de gados criados nesse bioma.
O documento, cuja elaboração também contou com apoio dos frigoríficos, trata da relação das empresas com seus fornecedores diretos.
Nos últimos anos, o desmatamento no Cerrado tem crescido principalmente na região apelidada de Matopiba, junção das siglas de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
O último Prodes Cerrado, que registra os dados oficiais de desmatamento no Brasil, divulgado em novembro passado, apurou 11 mil km² de desmatamento —aumento de 3% em relação ao ano anterior. A alta do desmatamento no Cerrado, aliás, já é superior do que o registrado na Amazônia.
O protocolo lançado nesta segunda estabelece 11 critérios que devem ser seguidos pelos frigoríficos que aderiram à política, incluindo a checagem de que a área do produtor rural que vende gado para as empresas não seja oriunda de desmatamento ilegal e não esteja sobreposta a terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação.
O documento, porém, não impede que os frigoríficos comprem de áreas desmatadas. O Código Florestal brasileiro prevê que, no Cerrado localizado dentro da Amazônia Legal, 65% do bioma ainda é passível de desmatamento e nas demais regiões, 80%.
Há pressão, porém, da União Europeia, que tenta impedir a entrada de produtos vindos de regiões desmatadas no continente.
Nesse quesito, o guia separa as regras entre blocos A e B, sendo que o primeiro grupo é reservado àqueles frigoríficos que compram gado de área desmatada legalmente. Nesse caso, a orientação é que, inicialmente, as empresas devem bloquear de sua lista de fornecedores quaisquer produtores que estiverem em áreas desmatadas constatadas pelo Prodes.
Já a partir de uma uma segunda avaliação, as empresas do bloco A, ao verificarem que o desmatamento foi legal, desbloqueiam o fornecedor, enquanto as do bloco B seguem bloqueando.
"O protocolo não é prescritivo para dizer se tem de ser de um jeito ou de outro. Essa foi a principal questão de discussão no grupo, e a solução encontrada foi essa, para acomodar os diferentes níveis de ambição que existem no setor", diz Isabella Freire, codiretora da América Latina da Proforest, organização que elaborou o protocolo com o Imaflora e o NDF (sigla para National Wildlife Federation).
"Existem muitas empresas que se comprometeram com o desmatamento zero na sua cadeia. Então também tem dentro do protocolo uma opção para elas. Hoje em dia, dentro dos frigoríficos, só a Marfrig tem um compromisso desse tipo", diz.
O guia também estabelece que as empresas devem evitar comprar gado de fornecedores que possuam embargos ambientais, estejam ligados a trabalho escravo, não tenham Cadastro Ambiental Rural regulado e criem mais de três cabeças de gados por hectare/ano.
Como hoje na região pouquíssimos produtores rurais conseguem de fato atingir esse número, a última exigência visa impedir a "lavagem de gado" na cadeia, quando um produtor rural que cria gado em área desmatada e bloqueada vende de última hora o animal para os fornecedores regulares dos frigoríficos.
Questionados pela Folha, JBS, Minerva e Marfrig disseram já adotar todas essas práticas. Nesse sentido, a importância do protocolo, argumenta quem fez parte da elaboração, é criar uma padronização no processo de checagem das empresas.
Agora, o próximo passo é desenvolver a auditoria das empresas, como já ocorre hoje na Amazônia, a partir de um protocolo feito pelo Imaflora e o Ministério Público Federal. Mas ainda não há prazo para isso.
"Pode ser que os grandes monitoram, mas em regra os frigoríficos em geral não costumam. Esse protocolo é um primeiro passo fundamental, mas é o primeiro. Ao mesmo tempo que a gente elogia e parabeniza uma empresa por aderir a um protocolo voluntário, a gente sabe também que as leis existem e têm de ser cumpridas. Então, é meio que dizer: 'Olha, parabéns, mas você não faz mais do que a sua obrigação'", diz Ricardo Negrini, procurador que ajudou a elaborar o documento.
Quem acompanha o tema também se queixa da falta de critérios para o acompanhamento de fornecedores indiretos desses frigoríficos, que segundo especialistas é onde estão as principais irregularidades do setor.
Os fornecedores indiretos são aqueles que criam, por exemplo, bezerros e vendem o gado ainda magro para os fornecedores diretos dos frigoríficos.
"Essas empresas avançaram no controle dos fornecedores diretos e iniciaram algum controle dos indiretos. Porém, sem informação completa da origem de todos os fornecedores indiretos, pois solicitam que os fornecedores diretos informem os indiretos, mas não os obrigam a isso e não têm confirmação de que as informações são fidedignas", diz Paulo Barreto, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
"Representantes de fazendeiros e de órgãos públicos têm barrado o acesso às informações de origem completa do gado e a ideia de instituir o rastreamento completo [desde o nascimento do gado] obrigatório do rebanho", afirma.
Apenas na Amazônia, segundo a organização, a pecuária ainda pode levar à derrubada de mais 3 milhões de hectares até 2025 caso não sejam adotadas medidas mais efetivas de fiscalização, como a rastreabilidade de todos os animais desde o nascimento. Ou seja: incluir fornecedores diretos e indiretos nas fiscalizações. Isso equivaleria à devastação de um território maior do que o estado de Alagoas ou 20 vezes a cidade de São Paulo.
Também fizeram parte da elaboração do protocolo a organização WWF, o GPA (dono do Pão de Açúcar), o Grupo Carrefour e os Arcos Dourados, maior franqueadora do McDonald's no Brasil (Folha, 25/4/24)