25/10/2023

Fundo de investimento criam gigantes do agro global no interior do Brasil

Fundo de investimento criam gigantes do agro global no interior do Brasil

ESTADÃO AZUL

Por Cristiane Barbieri

Fundos locais enxergaram na área inúmeras oportunidades pouco exploradas e têm criado empresas para torná-las futuras campeãs na Bolsa.

Grandes fundos estrangeiros de private equity, aqueles que compram participações em empresas fechadas para turbiná-las, torcem o nariz para investimentos que fogem dos grandes centros urbanos no Brasil, especialmente aqueles ligados ao agronegócio.

Entre os motivos, estão a volatilidade cíclica do setor, a menor capacidade de consumo da população no interior do País, bem como a possibilidade de melhorar as companhias apenas com ferramentas de gestão. Porém, os fundos locais enxergaram aí uma avenida de oportunidades pouco exploradas - e têm aproveitado para criar grandes empresas, com a intenção de torná-las futuras campeãs na Bolsa. Algumas, já com certo porte, têm potencial para virar líderes globais em suas áreas de atuação, com o peso do Brasil na área.

 

“O agronegócio, do ponto de vista de crescimento para a economia brasileira, é super relevante”, diz Cristiano Lauretti, sócio e gestor da área de private equity do Kinea. “É a vocação natural deste País, que sofre há décadas com a retração da indústria.” Para ele, o gestor precisa ter a cabeça aberta para olhar setores que se destacam nos mercados locais. “Se não, está deixando na mesa oportunidades interessantes”, afirma.

Do mesmo modo que o Kinea, fundos como o Pátria e o Aqua Capital, entre outros, têm lançado-se nessa frente. Apesar de não investirem em terra ou na produção de grãos, especificamente, procuram orbitar em torno do agronegócio - e da riqueza que ele gera. A ideia é consolidar setores que são bastante pulverizados, como varejo e distribuição de produtos agrícolas, bem como novas tecnologias em torno do campo.

Laboratório de multiplicação de bactérias da Solubio, do Aqua- Brasil está na linha de frente dos bioinsumos. Foto Tiago Queiroz

“Todo investidor gosta do agro, mas não gosta do risco do agro”, afirma Sebastian Popik, fundador do Aqua Capital, que investe exclusivamente em empresas da área. “O desafio é saber como ter exposição, sem estar suscetível a toda essa volatilidade. Há indústrias que estão um pouco mais amparadas - e tentamos estar aí.”

Assim, o Aqua criou plataformas como a de distribuição de insumos agrícolas Agrogalaxy, que teve receita líquida de quase R$ 12 bilhões no ano passado e no fim do último trimestre tinha 169 lojas em 14 Estados do País. Já o Pátria é dono da distribuidora Lavoro Agro, sua plataforma latino-americana na área, que teve receita líquida anual de R$ 7,7 bilhões até o fim de junho de 2022 e, em dezembro, tinha 215 distribuidoras no Brasil, na Colômbia e uma trading no Uruguai.

Por sua vez, a Kinea tem a distribuidora de produtos pecuários Alvorada, enquanto o Pátria é dono da Agroline, também do mesmo segmento. Todos os fundos, de alguma maneira, também investem em empresas nas fronteiras tecnológicas, como produtoras de bioinsumos e análises de terra, além de outras frentes de inovação, com as quais procuram construir líderes de mercado.

Agroline, do Pátria rede voltada exclusivamente a pecuaristas.  Foto Tiago Queiroz

Nesta área, especificamente, os especialistas dizem que o Brasil está à frente de todos os países, em termos de pesquisa, desenvolvimento e uso dos produtos. O Estadão/Broadcast publicará reportagens especiais sobre essas empresas, ao longo dos próximos dias.

“Investimos de R$ 200 milhões a R$ 300 milhões para comprar participações minoritárias”, diz Lauretti. “Com um cheque deste tamanho, a empresa já tem de ser média para grande e ser líder de uma região ou nacionais, para consolidar áreas.”

 

Apesar de serem gestoras nascidas no Brasil, grande parte dos investidores que coloca os recursos sob seus cuidados é estrangeiro. Com US$ 1,1 bilhão em gestão, o Aqua, por exemplo, tem mais de 90% dos recursos provenientes de outros países. O mesmo acontece nos outros fundos.

“Sempre que pensam no agro, os norte-americanos têm como padrão os seus próprios produtores: com propriedades menores e pouco capitalizadas, tocadas por pessoas mais velhas, que acabam sendo pouco rentáveis, com margem da ordem de 4%”, afirma Ruy Cunha, presidente da Lavoro Agro e diretor do Pátria para a área. “Só que, no Brasil, essa rentabilidade gira em torno de 35% a 40%.”

Os motivos, segundo ele, dizem respeito ao modelo de negócios. O produtor brasileiro, em sua grande maioria, é dono da terra e não paga pelo aluguel da propriedade, como é o caso do norte-americano. “O brasileiro também tem duas, às vezes, até três safras para rentabilizar sua propriedade e, quando se coloca tudo junto, percebe-se que ele é mais resiliente porque tem margem para absorver variações de preço.”

Outros pontos têm atraído esse capital estrangeiro, via fundos locais. Um são as perspectivas do setor como um todo, que mesmo com pandemia e guerras, continua crescendo. “Os fundamentos são de longo prazo”, diz Cunha. “O mundo precisa comer e há poucos lugares com capacidade de produção para atender à demanda.”

Além da consolidação de áreas, os fundos trazem profissionalização aos negócios. Nas mãos da primeira geração de fundadores, as empresas do agro têm grande espaço de crescimento apenas com a introdução de ferramentas de gestão tradicionais. Muitas vezes, porém, enfrentam resistência dos fundadores. “No começo era mais difícil porque não tínhamos experiência e tinha a sensação de perda do dono: ‘antigamente a gente fazia isso dessa forma’”, diz Cunha. “Aprendemos a lidar com isso melhor e temos hoje um time dedicado à integração de empresas, que procura garantir as transições cada vez mais suaves.”

Outra frente que os fundos dizem trazer está ligada à melhoria dos parâmetros de sustentabilidade. Formalizadas, as varejistas, por exemplo, são proibidas de oferecer crédito a produtores que não tenham o Cadastro Ambiental Rural (CAR) em dia. “A parte ambiental é um dos componentes que entra na concessão de crédito e 80% das nossas vendas são a prazo”, afirma Cunha.

Aqua fez IPO da Agrogalaxy e captou R$ 350 milhões, em 2021. Foto Tiago Queiroz

Os fundos também têm conseguido vender, com alguma facilidade, os negócios, após dar algum porte às empresas. O Aqua, por exemplo, adquiriu fatias em 50 companhias e criou 15 plataformas. Vendeu seis delas e em um caso, o da varejista Agrogalaxy, fez um IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) no qual captou R$ 350 milhões, em 2021. Apesar da oportunidade de sair do negócio, o Aqua continuou à frente da empresa.

Já o Pátria abriu o capital da Lavoro na Nasdaq via um Spac, as chamadas “empresas cheque em branco”, criadas especificamente para aportar capital e levar à Bolsa companhias com potencial de crescimento. Fechado em setembro do ano passado, o acordo avaliou a empresa em US$ 1,2 bilhão e resultou na captação de US$ 225 milhões destinados exclusivamente à companhia. Da mesma maneira, o Pátria continuou no negócio.

Já o Kinea investiu na Lojas Avenida, especializada em vestuário, em 2014, de olho na riqueza gerada pelo agro para a população do Centro-Oeste e vendeu-a em 2021. “Pegamos a recessão da Dilma em 2015 e 2016, pandemia e mesmo assim, vendemos nossa participação para um grupo sulafricano, o Pepkor, que tem mais de 5 mil lojas naquele país e está chegando em São Paulo”, diz Lauretti.

“Não tivemos um grande retorno por causa do período que atravessamos, mas é um caso que serve para mostrar que o investidor estrangeiro de regiões que não são as suspeitas usuais também olham para o interior do País.” (Estadão, 20/10/23)