Fundo escandinavo exclui Cargill, Bunge e ADM por desmatamento no Brasil
Legenda: 10 de agosto - Fazendeiros do Pará declaram ‘Dia do Fogo’ e focos de incêndio disparam no estado. A cidade de Altamira teve aumento de 743% (Foto tirada em 30/08) Nacho Doce/Reuters
Exclusão foi determinada após temporada de queimadas; empresas citam políticas de monitoramento da cadeia e compromissos públicos.
O desmatamento no Brasil levou o escandinavo Danske Bank, que administra cerca de €237 bilhões (R$1,53 trilhão), a excluir de dois dos seus fundos as empresas Cargill, Bunge e ADM, três gigantes globais que operam o comércio internacional de produtos agrícolas, com destaque para a soja.
“O Danske Invest & Danica mantém restrições de investimento para Cargill, ADM e Bunge relacionadas ao desmatamento no Brasil”, afirmou à Folha o diretor de investimento sustentável do Danske Bank, Erik Eliasson. Questionado, o banco confirmou que a restrição implica na exclusão das empresas dos investimentos dos dois fundos.
“Apesar dos compromissos das empresas [com políticas de proteção ambiental], a taxa anual de desmatamento das florestas tropicais da Amazônia continua em um ritmo alarmante”, afirmou o diretor do segundo maior gestor de ativo escandinavo.
Procuradas, as companhias citaram políticas de monitoramento da cadeia e compromissos como a moratória da soja.
“Dados divulgados pela agência espacial brasileira, o Inpe, em novembro de 2020 indicaram que o desmatamento atingiu seu nível mais alto desde 2008; e 2020 constituiu um dos piores anos em mais de uma década em termos de hectares de terra desmatada”, continuou.
A exclusão das três multinacionais consta em uma lista de restrição de investimentos do fundo publicada em setembro de 2020, quando o Brasil enfrentava nova alta nas queimadas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal.
“Existem questões estruturais e políticas no Brasil quando se trata da proteção das florestas tropicais amazônicas”, afirmou Eliasson, com ressalvas às políticas ambientais das empresas.
“Até que haja uma agenda política mais forte e planos de ação e compromissos concretos para proteger as florestas tropicais, as empresas que compram na região provavelmente estarão expostas e contribuindo para o desmatamento das florestas, independentemente de quão fortes práticas de manejo possam ter. Por sua vez, essas empresas podem ser afetadas por graves riscos de reputação e diminuição da demanda do consumidor”, concluiu.
Três iniciativas de monitoramento ambiental de cadeias globais de commodities destacam as relações das três empresas com áreas desmatadas e queimadas no Brasil.
Em setembro de 2020, a ONG americana Mighty Earth compilou um ranking dos principais comerciantes de soja e apontou que a Bunge e a Cargill são as piores infratoras por altos riscos de desmatamento nas cadeias de abastecimento.
“Independentemente dos problemas em todas as cadeias de abastecimento, é claro que a Bunge e a Cargill se destacam do resto em termos de políticas fracas de sustentabilidade da soja, monitoramento, relatórios e divulgação insuficientes, áreas de abastecimento de alto risco e, o mais importante, os grandes volumes de liberação dentro de suas cadeias de abastecimento”, diz o relatório da Mighty Earth, que passou a monitorar as cadeias.
No estado do Mato Grosso, o maior produtor de soja do Brasil, a Bunge e a Cargill são as empresas mais expostas a risco de desmatamento entre os negociadores da commodity que exportam para a China. No caso da exportação para a União Europeia, a ADM também aparece entre as mais expostas. A análise foi publicada pela iniciativa Trase em junho de 2020, a partir de dados de 2018.
Segundo dados da organização de pesquisa Chain Reaction, mais de 36 mil alertas de incêndio foram registrados nas proximidades dos silos da Cargill, Bunge e ADM no último ano no Brasil. Entre junho e setembro de 2020, houve quase 17 mil alertas de incêndio nas proximidades dos silos da Bunge e mais de 12 mil perto da Cargill. A ADM teve mais de 7.300 alertas nas proximidades de seus silos.
Outro lado
Questionadas, as empresas citaram políticas de monitoramento da cadeia, transparência e a adesão a compromissos públicos voluntários, como a moratória da soja.
“Não é de nosso conhecimento que o Danske Bank tenha questionado sobre as práticas de sustentabilidade da Cargill, tão menos nos notificou sobre quaisquer restrições. Na verdade, temos um contínuo relacionamento bancário de colaboração na Escandinávia com o Danske”, afirma a Cargill.
“Além disso, podemos confirmar que a Cargill não fornecerá soja de agricultores que desmatam ilegalmente ou de áreas protegidas, e temos a mesma expectativa em relação aos nossos fornecedores”, continua a nota da Cargill.
Sobre as restrições de investimentos do Danske Bank, a ADM afirma em nota que “não teria como comentá-las ou mesmo saber o motivo por trás delas”.
“Não fazemos compras em nenhuma área recém-desmatada na Amazônia”, afirma a empresa, que também cita uma “política rígida de proibição de desmatamento”.
A Bunge informou acreditar "que qualquer solução duradoura e escalonável exigirá a participação e o engajamento de nossos parceiros em toda a cadeia de valor, dos agricultores aos clientes”.
A empresa também cita ter atingido em 2020 “100% de rastreabilidade de fazendas para compras diretas de soja no Brasil”.
Raio-X
Cargill
Atividade: processamento, distribuição, importação e exportação de grãos e proteína animal.
Onde: de origem americana, opera em mais de 70 países
Faturamento bruto: US$ 113,5 bilhões (2019)
Bunge
Atividades: processamento de grãos, fabricação de produtos alimentícios, importação e exportação.
Onde: de origem holandesa, está presente em mais de 40 países
Faturamento bruto: US$ 41 bilhões (2019)
ADM
Atividade: processamento de grãos, logística, importação e exportação.
Onde: de origem americana, presente em 60 países
Faturamento bruto: US$ 64,3 bilhões (2020) (Folha de S.Paulo, 6/2/21)