Futuro da comida, obesidade e o exemplo da China
Legenda: A empresária, escritora e youtuber Lucilia Diniz
Por Lucilia Diniz
Demanda por alimentos vai gerar novos hábitos.
“Tudo que anda, nada, rasteja ou voa de costas para o céu é comida”, diz um ditado cantonês que os chineses levam muito a sério. Ouvi a frase em Macau de um senhor que tentava me vender barrinhas de proteínas prensadas. A barrinha de “tudo” era um mix de insetos e iguarias exóticas de alto valor proteico.
Os chineses sabem que nada deve ser desperdiçado quando a missão é alimentar mais de 1,3 bilhão de pessoas em um só país. O futuro da comida pode estar no exemplo milenar da China. O aproveitamento máximo das diversas formas de proteína presentes na cultura e na culinária chinesa pode inspirar o mundo.
O recente estudo “The food revolution”, um panorama mundial produzido pelo banco suíço UBS, indica cinco tendências que moldarão a indústria da alimentação em 2030: escassez econômica em bolsões de pobreza, novos hábitos dos consumidores, preocupações com saúde e bem-estar, transformação digital e sustentabilidade. Como ligar essas pontas nos inspirando no provérbio chinês?
A demanda por alimentos no mundo vai gerar novos hábitos de consumo. A biotecnologia avança na produção agrícola, nos elos com a saúde e pode auxiliar pessoas no combate à obesidade. Soma-se a essas variáveis uma consciência maior de que tudo deve passar pelo rigor da sustentabilidade. Negócios nascem dos cinco paradigmas que a nova era impõe. A revolução alimentar deve gerar um mercado de US$ 700 bilhões em 2030. A inovação de alimentos crescerá cinco vezes mais em uma década.
Outro segmento chave é de delivery e buscas online. O banco suíço estima que o tamanho desse mercado passará dos US$ 60 bilhões atuais para US$ 365 bilhões em 2030.
A geração millenial é adepta incondicional dos meios digitais, o que estimula as compras pela internet. Há contradições que tornam a equação mais complexa. A mesma geração que adora pedir comida online quer comer de forma consciente.
A vida segue no admirável mundo novo até que somos informados que a obesidade só cresce. No Brasil, o Vigitel (pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), do Ministério da Saúde, revelou que um a cada cinco brasileiros sofre de obesidade —alta de 68% no país de 2006 a 2018.
A obesidade se tornou questão de saúde pública no mundo. Os avanços tecnológicos são fantásticos, mas criam sedentarismo. Hábitos são mais plurais e, às vezes, conflitam. Enquanto o culto ao corpo permanece, a gastronomia ganha status de entretenimento e arte. Há o apelo para que você se jogue nos desejos gastronômicos. Prato cheio para o efeito sanfona?
Posso falar com a autoridade de quem foi obesa. Cheguei a pesar 120 kg, e minha virada só aconteceu aos 38 anos —mas cada um tem seu tempo e jeito. Mudanças podem acontecer aos 50 anos ou mais. Após mil tentativas, emagreci sem cortar carboidrato e bebida. Um copo de vinho era até bem-vindo. Há 20 anos mantenho meu peso. Minha experiência virou missão de vida. Introduzi conceitos de alimentação, influenciando e lançando hábitos. Hoje, me orgulho quando vejo pessoas comendo quinoa, granola e delícias saudáveis. Sinto-me precursora. Quem passa por uma transformação tão ampla tem a necessidade de compartilhá-la.
As experiências individuais ajudam a construir tendências. O futuro alimentar e a obesidade são temas que se entrelaçam. A comida diruptiva em escala pode um dia ser uma solução para suprir a carência nos bolsões de pobreza. Pode se tornar uma frente contra a obesidade, com toda a complexidade que nos desafia, seja na má alimentação e nos hábitos digitais que acomodam. Mas não esqueçamos do ditado chinês. Vale refletir sobre tudo que pode significar comida saudável e que mantenha o peso sob controle (Lucilia Diniz, empresária, escritora e youtuber especializada em alimentação saudável, saúde e bem-estar; fundadora da marca de alimentos Goodlight e ex-acionista do Grupo Pão de Açúcar; Folha de S.Paulo, 12/9/19)