28/10/2024

G20: Prenúncio da disputa entre China e EUA por mais influência no Brasil

G20: Prenúncio da disputa entre China e EUA por mais influência no Brasil

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Um homem caminha junto ao banner do G20 durante a reunião de ministros de Relações Exteriores do G20, realizado na Marina da Glória, no Rio de Janeiro. Foto Wang Tiancong - Xinhua

 

Diplomacia brasileira tem de explorar rivalidade para obter ganhos; evento ocorrerá em novembro, no Rio de Janeiro.

 

No mês que vem o Brasil sedia pela primeira vez uma cúpula do G20. Será uma ótima oportunidade para ditar nossas agendas no cenário internacional, além de estreitar laços com uma variedade de países. É provável, porém, que o evento acabe funcionando também como um prenúncio da disputa entre China e Estados Unidos por influência em terras tupiniquins.

 

Isso porque 2024 foi o ano das efemérides —comemoramos há pouco 200 anos das relações com Washington e 50 com Pequim. E enquanto os americanos pouco celebraram a data, a China a utilizou estrategicamente. Ainda em 2023, o embaixador Zhu Qingqiao defendeu um salto nas relações bilaterais, condicionado à entrada do Brasil na Iniciativa de Cinturão e Rota (ou Nova Rota da Seda, como tem sido chamada por Lula).

 

O tema não é novo. Minha primeira reportagem na Folha, lá em 2021, por exemplo, tratava exatamente disso. "Brasil deveria entrar na ‘nova rota da seda’ da China? Talvez já esteja", dizia a manchete, seguida por especialistas argumentando motivos pelos quais a Iniciativa de Cinturão e Rota não fazia sentido no nosso contexto.

 

Em geral, argumentavam, Brasil e China têm uma relação econômica tão robusta que já teríamos vantagens além das oferecidas pela adesão ao projeto. Pesquisas mostravam também que não houve aumento substancial de investimentos chineses nos países que resolveram fazer parte da iniciativa.

 

Havia muito pouco a ganhar e bastante a perder —a começar pela percepção de que isso pudesse passar aos EUA e Europa, dificultando o trato diplomático. A China, então, mudou sua abordagem: propôs integrar o PAC brasileiro aos fundos de investimentos da iniciativa. Dilma Rousseff foi a primeira a levar a proposta ao Planalto, e Lula demonstrou interesse em avaliar os possíveis ganhos.

 

Washington poderia ter respondido com investimentos, mas preferiu mandar recados. Em passagem pelo Brasil, a general que lidera as tropas do Comando do Sul, Laura Richardson, pediu que Brasília se atentasse às "letras pequenas" do acordo. Nesta semana, foi a vez da representante americana para o comércio, Katherine Tai, visitar São Paulo e exortar Lula a avaliar o tema "com objetividade".

 

No entorno do presidente há quem recomende anunciar a adesão apenas depois de conhecidos os resultados das eleições americanas, evitando tornar ainda mais espinhosa a relação com um possível governo Trump, por exemplo. Mas a verdade é que este é um tema dentro de um universo maior.

 

Americanos e chineses devem apertar a disputa por influência mundial e, na América Latina, seguimos sendo a joia da coroa. No mês que vem, Joe Biden deve se encontrar com Lula em Belém dias antes de partir para o G20 no Rio. Quer alardear um pretenso "compromisso americano" com o combate às mudanças climáticas e se aproximar do Brasil.

 

Logo depois da cúpula, será Xi Jinping a viajar a Brasília para uma visita de Estado que deve se encerrar com a tal entrada brasileira na iniciativa e a celebração de acordos comerciais, como venda de aviões da Embraer e abertura do mercado chinês para mais commodities.

 

A ocasião talvez sirva como exemplo para os próximos anos: na disputa entre duas potências nos interessa usar a rivalidade para pedir por mais (Folha, 26/10/24)