Geração de energia eólica em alto mar abre possibilidades para o Brasil
Geração de energia eólica em alto mar - Fabian Bimmer Reuters
Aerogeradores instalados em parque eólico offshore na Alemanha, a cem quilômetros da ilha de Borkum; turbinas ficam em alto mar -
Estudo do Ministério de Minas e Energia mostra potencial para fornecer até 700 GW, triplo do disponível hoje.
A matriz energética brasileira está prestes a ser ampliada com a regulamentação da geração de energia eólica offshore. Nessa modalidade, os aerogeradores são instalados ao longo da costa oceânica, em alto mar.
O projeto de lei que cria o marco regulatório —de autoria do então senador e atual presidente da Petrobras, Jean Paul Prates— deve ser votado ainda neste ano na Câmara dos Deputados, após dois anos de tramitação.
O mercado global está aquecido e deve saltar dos 10 GW (gigawatts) estimados em 2022 para até 46 GW em 2030, segundo relatório da consultoria A&W, elaborado em parceria com a ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Eólica). De acordo com o estudo, cada GW instalado em offshore pode criar de 11 mil a 34 mil empregos em toda a cadeia de produção.
Esse modelo de geração já foi adotado por países como Alemanha, Inglaterra, Portugal, Japão, China, Noruega e França.
Estudo divulgado em 2020 pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), que é vinculada ao Ministério de Minas e Energia, mostrou que o Brasil tem potencial técnico para gerar até 700 GW por meio dos aerogeradores instalados no mar. É mais do que o triplo de toda a capacidade energética atual do país (194 GW). Dessa forma, a nova modalidade tem potencial para atender altas futuras da demanda.
Em seu planejamento decenal para 2032, a EPE estima que o consumo de energia elétrica poderá crescer 3,4%. O trabalho considera um cenário econômico mais estável para os próximos anos.
Até outubro, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis) recebeu pedidos de estudo de impacto ambiental de aproximadamente 13 mil aerogeradores, divididos em 78 projetos. No total, há potencial para gerar 189 GW nessa fase.
O tempo de elaboração de um parque eólico offshore é estimado em pelo menos cinco anos entre desenvolvimento e construção. O custo chega a US$ 4.700 por kilowatt instalado, o que equivale a aproximadamente o dobro do modelo onshore, em terra firme.
A presidente executiva da ABEEólica, Elbia Gannoum, acredita que o marco regulatório pode incentivar empresas que atuam no setor de óleo e gás com combustíveis fósseis a apostar em estratégias de redução das emissões de gases do efeito estufa.
"Vale destacar as capacidades e competências das empresas de petróleo e gás, que podem colaborar com a transferência de conhecimentos não só regulatório, mas também visando o desenvolvimento de projetos no mar. Companhias como Petrobras, Equinor, Total Energies e Shell têm participado ativamente das discussões para compartilhar caminhos regulatórios", afirma Elbia.
Em setembro, a Petrobras assinou um memorando de entendimento não vinculante com a Total Energies e a Casa dos Ventos. O objetivo é desenvolver estudos que devem resultar em negócios futuros tanto na modalidade onshore como na offshore, além de projetos de energia solar e hidrogênio verde no Brasil.
"Nosso propósito é atuar em conjunto com grandes players para deslanchar investimentos em negócios de baixo carbono, encorpando o cenário de pesquisa tecnológica no país", disse à época Jean Paul Prates.
VENTO QUE FORNECE ENERGIA TAMBÉM DIFICULTA INSTALAÇÃO NO OCEANO
Há diferenças nos processos de construção, manutenção e desenvolvimento de um parque eólico offshore se comparado ao onshore. O ambiente para infraestrutura marítima é mais agressivo, e não só pela maré. A própria ventania que irá abastecer os aerogeradores traz dificuldades na fase de montagem.
A base de qualquer empreendimento eólico offshore é a fundação —que pode estar situada mais próximo da região costeira, com uma perfuração direta, ou em águas profundas, com fundações flutuantes.
A vantagem da energia eólica em alto mar é a possibilidade de as pás, as torres e a estrutura dos aerogeradores serem maiores do que no continente. A via marítima permite maior facilidade de locomoção do maquinário quando comparado ao transporte por estradas, em que há obstáculos e limitações, como pontes e vias estreitas.
"Quanto maior a área das pás, mais vento elas absorvem. Na modalidade onshore, existe o desafio das entregas desses componentes, mas quando se vai para o offshore, é possível trabalhar com equipamentos maiores", explica Thiago Villar, diretor de vendas da Vestas, empresa líder na produção de insumos para energia eólica.
Há, entretanto, os custos de manutenção. Equipamentos em alto mar precisam de tratamento especial devido à maresia, por exemplo. É necessário aplicar uma pintura que proteja contra a corrosão, procedimento que encarece o investimento. Além disso, existe a dificuldade de criar uma cadeia nacional de fornecedores, como já ocorre na modalidade onshore.
"A manutenção no offshore é muito mais onerosa, por isso vale a pena investir em equipamentos mais caros durante o projeto inicial, para diminuir o tempo de manutenções preventivas e corretivas", diz Villar.
Outro ponto importante do desenvolvimento de instalações eólicas offshore é a produção de hidrogênio verde. Embora seja um elemento abundante, sua conversão em combustível demanda uma grande quantidade de energia. Sendo assim, é importante que a fonte geradora seja limpa.
No futuro, esse gás processado de forma menos agressiva ao meio ambiente poderá ser uma solução para combustíveis de aviação e de transportes marítimos, além de ser fonte de energia para indústrias e residências.
"A geração eólica offshore pode ser o principal motor do hidrogênio verde pelo mundo", diz o deputado federal Zé Vitor (PL-MG), que é relator do projeto de lei que será votado na Câmara dos Deputados.
O deputado afirma que o desejo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é votar o projeto ainda em novembro, antes do recesso parlamentar.
"O projeto veio do Senado e qualquer alteração deverá voltar para o Senado e, inevitavelmente, algum ajuste deve acontecer na Câmara. Mas o próprio meio político e o setor de energia entenderam a prioridade do tema", diz Zé Vitor (Folha, 24/11/23)