26/10/2023

Gigante de insumos agrícolas fatura R$ 12 bi ao ano

Gigante de insumos agrícolas fatura R$ 12 bi ao ano

Fazenda Santa Bárbara, da FB Agro no preparo para o plantio, com o milho armazenado.  Foto Tiago Queiroz

  Por Cristiane Barbieri

Plataforma de varejo do fundo Aqua Capital foi criada em 2026, em Jataí (GO), com seis aquisições de empresas da região.

“Aquele ali é meu psicólogo, meu médico, meu tudo…”, diz Josué Berté, dono da FB Agro, apontando com a cabeça para Jorge Luis Borges de Andrade, consultor técnico de vendas da Agrogalaxy, plataforma de varejo de insumos agrícolas do fundo Aqua Capital. “Dia desses, eu estava sem fumar, nervoso, e liguei para ele só para contar história e falar palavrão.”

A brincadeira é seguida de uma explosão de gargalhadas, no meio da entrevista concedida ao ar livre, numa mesa de madeira sombreada por árvores, ao lado do refeitório da Fazenda Santa Bárbara, em Paraúna (GO). É piada, mas sintetiza os desafios de um negócio que, apesar de bilionário e em crescimento, ainda caminha para a profissionalização, como tem mostrado o Estadão/Broadcast em uma série de reportagens.

 Berté, de 45 anos de idade, produz milho e soja em 6 mil hectares, em Goiás. É terra a perder de vista. Por ser um grande produtor, poderia comprar diretamente da indústria - e recebe diariamente técnicos em suas porteiras, com ofertas de todos os tipos. “Isso é igual namorada, quem me conquistar, leva”, afirma ele. “Eu e o gordinho (Andrade) nascemos juntos. Viemos para essa região quando não tinha estrada e tinha de dormir aqui porque ficava atolado. Agora um cara quer entrar e vender tudo para patrolar (passar por cima) o gordinho? Não patrola, entendeu?”

O Aqua começou a montar a Agrogalaxy em 2016, quando comprou a Rural Brasil, em Jataí (GO) - onde Andrade, inclusive, trabalhava. Foi crescendo por aquisições e montando lojas do zero, faturou R$ 12 bilhões no ano passado, com um desafio intrínseco ao setor. “Eu não vendo para uma outra empresa jurídica, eu vendo para um CPF, que é uma grande empresa ao ar livre”, diz Guilherme Badauy, diretor de operações da Agrogalaxy.

Isólica, Berté, Andrade e Alves: negócios movidos à terra. Foto: Tiago Queiroz

Assim, nas seis aquisições feitas em sete anos, apesar de comprar o controle da empresa, o fundador sempre ficou. Exatamente pelo motivo apontado por Berté: nesse negócio, relacionamento é tudo. “O fundador fica com uma participação grande do negócio e permanece como um diretor ou um C-Level (um dos comandantes da empresa)”, afirma Alessandro Isólica, gestor de operações em investimentos do Aqua Capital. ”Não queremos perder todo o conhecimento que ele tem do negócio - aliás, quando o cara diz que quer vender tudo e sair, evitamos fechar a compra.”

A marca local, a qual o agricultor está acostumado, também é mantida. “São empresas com mais de 30 anos de mercado, consolidadas e com tradição muito forte na região”, diz Badauy. “As novas lojas são todas Agrogalaxy, mas cuidamos com muito zelo das adquiridas porque não queremos ruptura nem perda de identidade.”

 Aos poucos, uniformes e design da loja começam a ter a cara Agrogalaxy, mas a digitalização das vendas caminham na medida da demanda - que não é lá muito grande. “Não dá para ter robozinho e URA (atendente eletrônica) para um cliente que compra R$ 10 milhões”, afirma Badauy. Barté completa: “No dia em que puser robozinho, eu estou fora.”

O desafio dessa adaptação à profissionalização e ao ganho de escala na gestão do agronegócio repete-se em outras áreas. Se antes o fundador da loja cuidava de tudo, a entrada na plataforma do Aqua significa dividir decisões e perder poder, mas ter especialistas para apoiar o trabalho.

“Na loja pequena, o mesmo diretor que comanda o time de vendas é o que senta com o fornecedor para negociar preço”, afirma Mariel Alves, diretor da Agrogalaxy. “Aqui, a minha responsabilidade é dar vazão para o portfólio, com suporte de áreas como suprimento e operações, alinhadas à demanda do cliente que o técnico encontra lá no campo.”

"Produtor fica numa bolha", diz Berté. Foto: Tiago Queiroz

Em outra frente, se antes a venda era praticamente toda passiva, agora, ela busca ser ativa. “Discutimos há um bom tempo, por exemplo, o impacto do El Niño, que traz instabilidade de chuvas, num eventual repique de vendas de sementes este ano”, afirma Alves. “Também usamos uma abordagem de venda de produtos biológicos, que tornam a planta mais resistente ao estresse hídrico.”

Nesse caso, uma das empresas investidas do Aqua, a Biotrop, tem um insumo que mistura microrganismos e torna a planta mais “hidro capacitada”, no jargão do setor, e resistente ao calor. “São bactérias do solo de Israel e da nossa caatinga que potencializam a resistência do broto”, diz ele. “O produtor pode evitar a perda do plantio e ter de replantar, que vai ser mais caro, se tiver de repor a semente e parte do adubo.”

Outras iniciativas que tentam criar maior previsibilidade, como vendas planejadas, enfrentam mais resistência dos agricultores. “Hoje, na porta da sementeira, tem o caos, um monte de caminhão parado na beira da rodovia, com filas de 10 dias para carregar”, diz Badauy. “O pessoal quer tirar a semente do galpão, onde ela fica guardadinha numa câmara fria e, quando começa a chover, já por no solo. Mas é preciso ter um senso de organização e de programação.”

No caso, a Agrogalaxy tenta mudar o comportamento para um problema que a aflige. Uma coisa é fazer compras para três ou quatro unidades de varejo. Outra é para 172 lojas, 28 silos, 11 centros tecnológicos e 13 unidades de sementes e atender 30 mil clientes. “É um trabalho que tem de ter bastante inteligência porque precisamos do produto para vender e, para isso, tenho de tomar posição de compra”, diz Badauy.

“E, com o fornecedor, não tem conversa: não posso devolver o produto.” Em outras palavras, se o cliente não comprar, ele fica com um problemão em casa. “Não temos de acertar na mosca, mas no olho da mosca”, afirma. “Se errar na mão, é muito dinheiro que fica na mesa.”

Do lado do agricultor, porém, a antecedência não convence. “Eu pago à vista só o que corre o risco deles cancelar”, diz Berté, que acabara de comprar sementes sem apelar ao parcelamento concedido pela empresa.

Aliás, esse é outro ponto importante, com conglomerados maiores no mercado: oferta de crédito, além das vias bancárias. “Eu não sei como está a política de crédito deles”, afirma Berté. “Eu só ligo para o Jorge e falo: ‘preciso de tanto’ e ele se vira lá, briga entre eles, e trás.”

 Borges diz ter agilidade e espírito de dono para agir. “Não chega nele que o crédito está mais arrochado e caro este ano”, afirma. “A gente consegue conversar internamente e ter flexibilidade.”

De todo modo, a empresa tem sofrido junto aos investidores. Avaliada em R$ 1,6 bilhão no início do ano, a Agrogalaxy tinha valor de mercado de pouco mais de R$ 600 milhões esta semana. Entre os motivos, está a inadimplência dos agricultores, que sofreram com a queda no preço das commodities, apesar de terem comprado insumos caros por causa da guerra na Ucrânia.

“Sem rodear toco, o produtor fica numa bolha: a loja vende R$ 10 milhões fiado para o agricultor, ele vai no Itaú e pega mais R$ 10 milhões, um fundo oferece mais R$ 10 milhões para comprar terras e ele se alavanca além do que pode”, diz Berté. “Eu tenho o meu milho aqui (armazenados em grandes silos bolsas para grãos numa das fazendas), mas só vendo o que produzo.” Nem todos são assim - e a Agrogalaxy terá de provar na próxima divulgação de resultados, em 13 de novembro, que essa inadimplência caiu.

Porém, ao saber que o Aqua investira numa indústria de queijos na região, além de ter comprado outras três empresas na vizinha Jataí, Berté se anima e diz que a produção de grãos, nas fazendas, deverá passar por processo de profissionalização semelhante no futuro. Pensa em fazer o mesmo um dia com seu grupo. “Uma velhinha lá na Alemanha, com o dinheiro parado, resolve confiar num fundo que investe no interior do Brasil”, diz ele. “Tá certo. Vai investir em petróleo? Alguém come petróleo? Nós ficamos sem petróleo, mas não sem comida.” (Estadão, 26/10/23)