Governo avalia ampliar geração de energia por usinas à biomassa
O governo brasileiro tem estudado uma medida para impulsionar a geração de energia por usinas movidas à biomassa, principalmente de cana-de-açúcar, o que poderia reduzir a necessidade de acionar termelétricas mais caras e poluentes, disseram à Reuters um secretário do Ministério de Minas e Energia e um executivo do setor.
As conversas sobre a iniciativa começaram em meio a uma disputa judicial que tem deixado bilhões de reais em aberto em um acerto de contas mensal do mercado de eletricidade realizado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o que faz usinas de biomassa ficarem sem receber pelo que geram acima do previsto.
A ideia em discussão prevê que as usinas de biomassa possam declarar para 2019 um valor adicional de garantia física, que é o montante de eletricidade que elas podem comercializar no mercado.
Atualmente, as unidades recebem pelo que geram acima da garantia física por meio de créditos nas liquidações financeiras da CCEE, mas a briga judicial que se arrasta desde meados de 2015 deixou as usinas de biomassa movidas a bagaço de cana com um acumulado de mais de 300 milhões de reais a receber, segundo estimativa da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica).
A última liquidação financeira realizada pela CCEE, referente a operações de julho, envolveu 11,58 bilhões de reais, mas arrecadou apenas 2,38 bilhões junto aos agentes do mercado para pagar os credores, como as usinas de biomassa.
“As usinas têm biomassa e querem voltar a produzir. Mas o que elas geram acima da garantia física é liquidado na CCEE. Elas têm o crédito na CCEE, mas não recebem... nessa conjuntura, estamos avaliando fazer uma revisão extraordinária de garantia física”, disse à Reuters o secretário de Planejamento do Ministério de Minas e Energia, Eduardo Azevedo.
Ele explicou que, para ganhar a garantia física adicional, que será válida para o ano de 2019, as usinas precisarão apresentar contratos comprovando disponibilidade de biomassa e maquinário para a produção da energia extra.
“A gente vai ter que fazer uma portaria, estamos avaliando aqui uma série de circunstâncias, de alternativas para fazer isso. A ideia é que possa sair antes de dezembro”, adicionou Azevedo.
O presidente-executivo da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), Newton Duarte, estimou que, se confirmada, a medida do governo poderia incentivar uma geração adicional de 500 megawatts médios pelas usinas de biomassa, o que significa aproximadamente a produção de uma hidrelétrica de grande porte, de 1 gigawatt em capacidade.
“O governo parece estar atento e sensível a essa dificuldade dos geradores, que estão entregando energia para o sistema e não estão recebendo na liquidação da CCEE... com essa flexibilização, dando uma garantia física adicional, as usinas se veem na possibilidade de gerar mais e vender no mercado livre de energia”, explicou.
Ele disse que a medida poderia possibilitar até que geradores de energia com usinas à biomassa se inscrevam em leilões do governo previstos para o final do ano, que contratarão energia de empreendimentos existentes para atender à demanda das distribuidoras —os chamados A-1 e A-2.
Segundo Duarte, as conversas com o governo apontam para a possibilidade de os geradores declararem uma garantia física adicional de até 30 por cento do valor de suas garantias originais, com validade até o final de 2019.
“Com isso, as usinas podem fazer uso de toda a biomassa existente”, afirmou ele, ressaltando que os geradores não têm aproveitado todo o potencial de produção da fonte nos últimos anos devido à guerra judicial que impacta as operações na CCEE.
Existem atualmente 271 usinas à biomassa em operação no Brasil, o que representa 12,7 gigawatts em capacidade, segundo dados da CCEE. O potencial representa quase uma usina de Itaipu, que soma 14 gigawatts em potência instalada.
CONTA DAS TÉRMICAS
A medida para ampliar a geração de usinas à biomassa poderia reduzir custos com o acionamento de termelétricas mais caras, como usinas a óleo, atualmente ligadas para atender à demanda devido ao baixo nível nos reservatórios das hidrelétricas, segundo Azevedo, do Ministério de Minas e Energia.
O secretário afirmou que essa é “a maior motivação” para a ideia da pasta de incentivar a fonte.
“O pleito deles (usinas) é: dado que tenho condição de gerar e minha biomassa é mais barata que as térmicas, é um ganho para todo mundo. Eles como empreendedores e o país como comprador de energia mais barata e mais limpa”, afirmou.
Estão ligadas no país atualmente uma série de térmicas de alto custo, acionadas por decisão do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), colegiado de membros do governo e técnicos da área de energia.
Os programas operacionais que guiam a operação do sistema elétrico não apontavam a necessidade dessa geração térmica, mas o CMSE preferiu acioná-las por cautela, após recomendação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), segundo Azevedo.
“A situação atual é muito conjuntural. Não se queria permitir deplecionar os reservatórios mais que o recomendado, então o ONS propôs e o colegiado aceitou”, explicou.
Segundo ele, a avaliação sobre a continuidade desse despacho térmico adicional será feita “semana a semana” (Reuters, 11/9/18)