Grande produtora de soja deixará de desmatar cerrado ainda em 2020
Legenda: Em área de cerrado, na Bahia, plantações de soja - Marizilda Cruppe/Greenpeace
Diretor de sustentabilidade da SLC Agrícola, uma das maiores no segmento no país, diz, porém, que é contra uma possível moratória no bioma.
Uma das maiores produtoras de soja do Brasil se comprometeu a parar de desmatar o cerrado ainda em 2020. A empresa, que diz ainda ter áreas para serem desmatadas antes de finalmente encerrar a derrubada, afirma que o agronegócio brasileiro não precisa mais destruir biomas para aumentar a produção. Mas, ao mesmo tempo, Álvaro Dilli, diretor de RH e Sustentabilidade da SLC Agrícola, diz ser contra uma moratória da soja no cerrado, expediente que conseguiu reduzir acentuadamente o desmate amazônico relacionado ao grão.
A SLC Agrícola, que, segundo dados de agosto da B3, tem valor de mercado superior a R$ 4 bilhões, tem cerca de 450 mil hectares no cerrado, divididos em áreas de soja (maior parte), milho e algodão, em 16 fazendas em seis estados.
A principal parceira comercial da SLC é a Cargill, que recentemente sofreu um revés relacionado ao desmatamento. A empresa norueguesa Grieg Seafood, uma das principais no ramo de salmão no mundo, deixou de usar a Cargill como fornecedora por ligações com desmate ilegal no cerrado e na Amazônia.
A própria SLC, recentemente, recebeu destaque negativo internacional. A ONG internacional Global Witness cobrou publicamente o fundo Odey Asset Management, que detém quase 10% das ações da SLC, pela sua ligação com a empresa brasileira.
O ponto central apontado pela ONG foi exatamente a expansão da SLC sobre áreas do cerrado, que, apesar de ter metade do tamanho da Amazônia, apresenta níveis de desmate tão altos quanto os do bioma de floresta. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, foram destruídos 6.483 km² do cerrado, segundo dados do Prodes, sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para mensuração de desmate.
Apesar de a empresa ser conhecida por boas práticas agrícolas —o que a levou a fazer parte da recente Iniciativa Carbono Bayer, que, em parceria com a Embrapa, pretende medir a captura de carbono de tais ações— e estar ligada a selos internacionais de soja sustentável, a contínua expansão sobre áreas de floresta do cerrado preocupa analistas de risco e ambientalistas.
Em 2017, o Fundo Soberano da Noruega deixou de investir na SLC, possivelmente por causa da ligação da empresa com desmatamento.
Folha - As emissões de gases-estufa do Brasil estão associadas em grande parte ao desmatamento. Não é necessário desmatar para aumentar a produtividade; então, por que ainda temos desmate forte ligado ao agro?
Álvaro Dilli - Essa é uma pergunta instigante. Você coloca bem que hoje em dia não precisa [desmatar]. A SLC Agrícola encerrou o ciclo dela de abertura de áreas e transformação de área nativa. A gente não faz mais isso.
Desde quando vocês não desmatam?
Estamos fazendo ainda as... O nosso projeto vai até 2020. De áreas que nós tínhamos há dez anos, no nosso estoque de terras. Estamos concluindo esse ciclo agora em 2020. A partir de 2020 encerra-se o ciclo de abertura de áreas. Temos muito pouco para abrir, em torno de 5.000 hectares no máximo.
O Brasil não precisa mais transformar áreas para continuar produzindo mais. Vamos entrar por onde já foi desmatado legalmente. Podemos fazer integração lavoura-pecuária, lavoura-pecuária-floresta. Ilegalmente nem fale, não tem mais sentido nenhum.
Como diz um artigo recente publicado na revista científica Science, então quem desmata são as maçãs podres dessa cesta?
Não tenha dúvida disso.
Em quantas fazendas da SLC ocorre desmatamento e em quantas a soja é sustentável?
Menos de 1% é essa área que ainda tem para limpeza e transformação. Estão nas fronteiras agrícolas, Maranhão e Piauí, áreas pequenas comparadas com a nossa operação. E é o fim de um ciclo.
Temos ouvido muito grandes empresas falando, como a JBS, frigoríficos e outras “tradings”, que “2025 é nosso prazo”, “que até 2030 vamos eliminar isso”. Para a SLC Agrícola o ciclo se encerrou agora em 2020.
Então o compromisso da SLC é desmatamento zero até o fim de 2020? Em 2021 não haverá mais desmate ligado à SLC?
É isso aí.
O quanto esse prazo foi influenciado pelo atual momento externo de pressão?
Em 2015, 2014, compramos a última área para limpeza. De lá para cá já tínhamos definido: toda expansão vai ser para “joint ventures”, para arrendamentos em áreas já maduras. Menos de 1% das nossas propriedades têm áreas jovens, a maioria já é madura, com mais de três anos de operação. A maior pressão sobre o agronegócio só fortaleceu a nossa estratégia.
Além da pressão, temos visto ações concretas, como o caso da Cargill. Vocês têm tido dificuldade pela política ambiental do governo Bolsonaro?
Não sentimos e não vamos sentir. Não tem razão de ser. O Brasil não pode ter esse receio. Acordos com a União Europeia podem ter discussões em relação a isso, mas não vai ficar em pé. A SLC há mais de 12 anos teve a visão de que a agricultura no futuro seria certificável. Hoje a SLC tem inúmeras certificações, tem selo internacional, o RTRS (Round Table on Responsible Soy Association). Toda a soja que conseguimos vender lá fora vai com esse selo, que diz que é uma soja responsável, é uma soja sustentável.
Mas é inegável que nesse momento as ações do governo brasileiro pesam contra o agro no mercado internacional, certo?
Pois é, eu não queria entrar nessa linha política. Eu acho que a política tem hora que atrapalha, tem hora que ajuda. Eu vejo um Ministério da Agricultura muito atuante.
Você falou mais cedo de outras empresas jogando o compromisso do fim de desmate para a frente. Esse adiamento então não é necessário.
Esse adiamento não é… Para o Brasil como um todo, para o agronegócio, nós temos certeza. Eu estou falando sob a perspectiva brasileira, entendendo que com a tecnologia que temos hoje, as boas práticas, não é necessário. Isso é uma afirmativa.
Mas o que acontece é que o mundo e a sociedade precisam entender que muitos produtores, gente boa, fizeram os seus investimentos e compraram terra que tem cerrado de pé e floresta de pé. Hoje, querendo ou não, a floresta em pé vale menos do que a floresta transformada.
Nós temos que respeitar os ativos das pessoas, os investimentos. É a mesma coisa que morar em um apartamento em São Paulo de 200 m² e dizer que não posso entrar em 40 m². É teu, você comprou.
A comparação com apartamento é complicada. As florestas são um bem público, nacional com mais impacto do que como você cuida do seu apartamento. Mas entendo o que quis dizer.
É um patrimônio. Como que resolvemos a situação? Vamos entrar numa política de REDD [mecanismo de compensação por preservação de florestas], você não vai desmatar, vamos fazer um pagamento por serviços ambientais.
A moratória da soja teve um impacto grande na contenção do desmate na Amazônia e, ao mesmo tempo, houve aumento de produção. A SLC defende a expansão da moratória para o cerrado?
Eu particularmente não sou muito favorável a ter mais moratória em cima de uma legislação que já é muito rígida [Código Florestal], que estabelece exatamente o que pode ser aberto [desmatado]. Eu vejo que o produtor rural tem essa consciência de só desmatar se for realmente necessário.
Mas a área permitida para ser desmatada no cerrado é bem superior à da Amazônia. A moratória não poderia contrabalançar o jogo?
Para chegar ao Código Florestal de 2012 foram seis, sete anos de debate com as partes interessadas, até chegar nesse consenso. Não foi fácil. Nem os produtores ficaram 100% satisfeitos nem as ONGs ficaram. Achou-se um meio termo.
Acho que o planeta está muito respeitado. Os biomas serão preservados. Não há necessidade das ONGs gastarem energia, tempo, para fazer uma coisa mais dura ainda. Para o Brasil, estou falando. Agora, se a SLC entender que faz sentido, já temos o compromisso de não abrir mais. Mas hoje não está no nosso radar apoiar iniciativa nessa linha da moratória (Folha de S.Paulo 8/9/20