Grandes empresas fazem ‘vestibular’ para startups
Legenda: Leonardo Santos, CEO da Semantix, empresa com mais de 300 funcionários e receita de R$ 100 milhões
Em busca de inovação, gigantes apostam em programas específicos e desafios abertos; concorrência chega a cem candidatos para cada vaga.
As startups ganharam, nos últimos dois anos, mais chances de fornecer para grandes empresas brasileiras e para multinacionais que atuam no País. Hoje, mais de 50 companhias abrem espaço, via concursos próprios ou parceria com aceleradoras, para inovações para seus negócios.
O garimpo de ideias originou um concorrido “vestibular”. Em programas mais estruturados, destinados a desafios específicos, a concorrência fica, em média, em 30 candidatas por vaga. Para desafios abertos, a cada cem inscritas, apenas uma startup costuma ser selecionada.
A altíssima concorrência reflete tanto o “boom” de startups no País – só neste ano, 5 mil empresas devem entrar no mercado, elevando o total de negócios de tecnologia a 15 mil – quanto a falta de preparo de alguns empreendedores que se aventuram no mundo dos negócios sem uma ideia original ou um plano de ação bem definido.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estado, os erros mais comuns dos que ficam pelo caminho são ideias sem relação direta com o tema apresentado pelas empresas ou propostas sem chance de ganhar escala.
Para ajudar as empresas a separar o joio do trigo, a 100 Open Startups desenvolveu um sistema que “filtra” ideias. Em 12 anos de mercado, a companhia já cadastrou 30 mil negócios – a maior parte deles hoje fora do mercado.
Na plataforma online da companhia, que fomenta a avaliação constante das ideias, hoje há 8,2 mil empresas consideradas ativas.
No entanto, só as 1,5 mil mais bem avaliadas têm chance de um dia apresentar uma ideia ao rol de parceiros, que também é responsável pela manutenção financeira do sistema – o grupo inclui mais de 40 negócios, como Bosch, Dow, Braskem e Johnson & Johnson.
“Vejo uma onda inicial de apoio a startups. É um movimento que ganhou força nos últimos dois anos”, diz Maximiliano Carlomagno, sócio da consultoria de inovação corporativa Innoscience.
A empresa, que ajuda gigantes como Klabin, Roche e M. Dias Branco a encontrar startups, diz que as companhias querem estratégias que já tenham alguma prova de aplicação prática. “O maior problema é que, em boa parte dos casos, os resultados são facilmente questionáveis. Não vale apenas ter uma ideia na cabeça.”
Na farmacêutica Roche, que está com as inscrições abertas para seu desafio de startups até o dia 23, os concorrentes precisam ter conseguido provar que seu negócio pode atrair interesse no mercado – foi o que fez a Heartcare, dona de um aplicativo de monitoramento de saúde que já tem mais de 26 mil usuários cadastrados e que foi a vencedora do desafio no ano passado (leia mais na pág. B5).
Do grupo inicial de 150 startups que a Roche seleciona por meio da Innoscience, apenas cinco empresas são convidadas a apresentar seus projetos às diferentes áreas e subsidiárias da Roche, de acordo com Lênio Alvarenga, diretor médico da multinacional. A concorrência, portanto, é de 30 candidatos para cada vaga.
Escala
Seguindo uma estratégia diferente, o banco Bradesco faz o garimpo de startups dentro de casa, sem focar um segmento específico. Tudo começa no Inovabra Habitat, em São Paulo, que serve de espaço de incubação para empresas nascentes.
É pelo Habitat que o banco começa a observar potenciais alvos de investimento, segundo Fernando Freitas, superintendente de inovação do Bradesco. “Se vemos ali uma necessidade mapeada, a empresa passa para fase dois”, explica o executivo.
Nessa etapa adicional, o banco tenta ajudar a montar um plano mais estruturado para a startup – se o negócio superar esse desafio, qualifica-se para receber o investimento do fundo do Bradesco voltado ao setor.
Os aportes, diz Freitas, podem variar de R$ 1 milhão a R$ 10 milhões ou de R$ 10 milhões a R$ 30 milhões, conforme o nível de desenvolvimento de cada companhia. O funil, porém, é ainda mais estreito: de acordo com o executivo, de cada cem projetos que passam pelo Inovabra Habitat, só um é escolhido para receber investimento.
Um dos negócios que conseguiram levantar capital com o Bradesco foi a Semantix, de Leonardo Santos. A companhia, que faz análise de dados para grandes clientes, incluindo Cielo, Elo, Rede e Claro, hoje tem 300 funcionários e fatura mais de R$ 100 milhões por ano.
Parte da equipe veio de aquisições que a companhia fez a partir de 2016, quando recebeu seu primeiro investimento externo. “Nosso objetivo é nos tornarmos um unicórnio, chegando à avaliação de US$ 1 bilhão, e abrir o nosso capital na Bolsa”, afirma Santos (O Estado de S.Paulo, 9/6/19)