Grupos de WhatsApp assustam mais do que o El Niño
Fenômeno El Niño - Nasa- MDivulgação
Para agrometeorologista da Rural Clima, o super El Niño não deverá ocorrer.
O El Niño ainda não chegou, mas já está em formação. Pelas informações atuais, no entanto, dificilmente será um super El Niño, como está sendo veiculado. Olhando apenas pelo lado do clima, este será um ano mais tranquilo. As avaliações são de Marco Antônio dos Santos, agrometeorologista da Rural Clima.
"Me preocupam mais as notícias que vão circular nos grupos de WhatsApp do que o próprio efeito do El Niño", afirmou ele nesta quinta-feira (21) na Agri Week, um evento da consultoria Safras & Mercado que avalia as perspectivas da safra 2023/24.
O Brasil poderá viver o mesmo cenário da safra norte-americana, quando os modelos climáticos indicavam problemas pontuais, mas boa parte das notícias mostrava um cenário muito mais complicado do que realmente ocorria.
Com isso, produtores brasileiros se deixaram influenciar pelas notícias e retardaram as vendas de milho, à espera do anúncio de quebra de safra nos Estados Unidos e, por consequência, uma elevação de preços.
Com o avanço da colheita norte-americana, os números mostram uma boa safra, principalmente a do milho, que ficou em patamar próximo ao recorde já registrado, afirma Santos.
O Brasil vive uma panela de pressão, e o calor está tomando conta do país por conta de uma massa de ar seco. As temperaturas devem atingir patamares recordes nos próximos dias. Além disso, a umidade relativa do ar está extremamente baixa, principalmente nas regiões centrais, indicando condições semelhantes às desérticas.
Esse clima só muda na metade da próxima semana, quando virão novas chuvas. Os desafios ficam para o Matopiba (região que engloba Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), que não terá chuvas.
O plantio da soja avança a partir da primeira semana de outubro, mas não no ritmo desejado pelos produtores, uma vez que as chuvas serão irregulares. A partir de meados do próximo mês, no entanto, o regime de chuvas deverá se consolidar, segundo o agrometeorologista.
Ainda não chove como deveria porque o El Niño não está consolidado. Apesar de o oceano Pacífico estar quente e sua região central ter anomalia de 1,5º, caracterizada como de moderada a forte, a atmosfera não está totalmente conectada.
Os fenômenos anteriores traziam chuva mais rapidamente. Agora há chuva no Sul e ausência dela no Norte. A configuração de um super El Niño exigiria uma anomalia de aquecimento das águas acima de 2º no Pacífico, o que os modelos climáticos não estão sinalizando.
Para Santos, o El Niño ainda está em formação porque, oficialmente, pelas regras internacionais de meteorologia, o fenômeno só é caracterizado quando a média móvel de cinco trimestres indicar 0,5º ou mais. Já foram registrados três. Será difícil, no entanto, que a temperatura ultrapasse 2º, como ocorreu em 2015 e 2016. Deverá ficar entre 1º e 1,5º.
Os produtores vão ter de conviver com mais chuvas na Argentina, no Paraguai, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. Já as regiões centrais terão chuvas irregulares, mas não haverá ausência delas.
Os efeitos do El Niño exigem dos produtores gestão e tomada de decisões na hora certa. As chuvas irregulares das regiões centrais e Norte obrigam o produtor a ficar de olho na umidade nos próximos 30 dias. Já as chuvas do Sul poderão dificultar os plantios do arroz e da soja e atrapalhar a colheita de trigo.
Tudo deve caminhar dentro de uma normalidade, mas alguns produtos poderão sofrer os efeitos mais do que os outros. O café, que teve uma florada antecipada, será afetado por essas temperaturas altíssimas, afirma Santos.
O setor de cana deverá ter um número maior de dias de interrupções da colheita, mas as chuvas dos próximos meses vão revigorar o potencial da planta para a próxima safra.
O arroz é uma cultura que poderá registrar os maiores problemas, devido ao atraso no plantio. Já a soja poderá ter o ciclo encurtado nesta safra, afirma o agrometeorologista.
O Brasil não está sozinho nesse enfrentamento do clima. Ásia e Oceania terão fortes secas, que afetarão as produções de café, cana-de-açúcar, soja e milho dessas regiões.
Santos acredita que a safra 2023/24 não será recorde, mas a vê dentro da normalidade. Soja, na pior das hipóteses, repetirá o volume de 2023. Já o milho aumenta a produção no verão, mas perde na safrinha. Com isso igualaria o volume deste ano (Folha, 22/9/23)