Guerra comercial impacta mercado de commodities agrícolas
A escalada das tensões entre Estados Unidos e seus principais parceiros comerciais começa a remodelar o mercado de commodities agrícolas. Os produtores americanos de soja correm o risco de perder bastante, enquanto fiações vietnamitas e criadores alemães de suínos podem se beneficiar.
Canola
Os compradores chineses de soja, como a estatal Cofco, já recorrem ao Brasil como fornecedor alternativo aos EUA. A soja é uma das commodities escolhidas por Pequim para retaliar as tarifas de importação dos EUA. Os produtores de canola, outra oleaginosa que pode ser usada na ração do gado, também podem ser favorecidos.
Antes do acirramento das tensões comerciais com os EUA, a China já vinha comprando mais canola. O país comprou cerca de 4,8 milhões de toneladas em 2017, 30% a mais que em 2016, a maior parte do Canadá, o maior exportador mundial. "A China vem buscando importar mais canola e colza quando o preço é competitivo", disse Tracey Allen, do J.P.Morgan.
Embora as importações de canola sejam apenas uma fração das compras de soja da China, que somaram 95 milhões de toneladas em 2017, a expectativa de aumento nas vendas tem sido suficiente para manter firmes os preços da canola canadense. O contrato de canola para entrega em novembro na Bolsa Intercontinental (ICE) aumentou quase 3% do início do ano até a semana passada. "A diferença entre [a canola e a soja] aumentou, uma vez que os fundos de hedge estão comprados em canola e vendidos em soja", disse Mike Jubinville, analista da Pro Farmer Canada.
Milho
Os temores quanto ao futuro do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), entre EUA, México e Canadá, já encorajaram o México a diversificar seu fornecimento de commodities agrícolas. A China colocou o milho na lista de produtos que se tornaram alvos de tarifas de importação. As atenções agora estão voltadas em descobrir para onde irão as exportações americanas de milho e como o México, maior importador do cereal do país vizinho, vai reagir. O país latino-americano não incluiu nenhuma medida contra o milho em sua reação às tarifas que os EUA impuseram sobre o aço e o alumínio.
Mas, em 2017, o México comprou pouco menos de 600 mil toneladas do grão no Brasil, dez vezes a mais do que em 2016, segundo o International Trade Centre. Embora isso seja apenas 4% das importações totais de milho do México, os esforços do país para reduzir sua dependência dos EUA devem aumentar. "Vai ser difícil substituir todas as importações dos EUA, mas até 30% podem ser comprados do Brasil, Argentina e outros países", disse Stefan Vogel, analista do Rabobank.
Algodão
O algodão é outro alvo de Pequim. Como a China é o segundo maior comprador da fibra dos EUA, os preços em Chicago mergulharam à medida que as tensões foram se agravando. A China tentará comprar mais algodão de regiões como a Austrália, África Ocidental e Brasil, segundo a trading Plexus. A Índia, outro importante produtor, também deverá ganhar mais participação de mercado.
Outros beneficiários podem ser os produtores de fios no Vietnã, que importam o algodão americano e exportam os fios à China e outros compradores. Eles já estão colhendo os ganhos da queda nos preços do algodão, que eleva suas margens de lucro. "Os vietnamitas deverão ser beneficiários dos baixos preços [do algodão dos EUA]", disse Allen, do JPMorgan.
Carne suína
Os criadores de suínos da Alemanha viram sua produção ser vendida ao México pela primeira vez em junho deste ano, após as tarifas mexicanas sobre a carne suína produzida nos EUA terem criado oportunidades para produtores rivais.
Com o México e a China, dois importantes destinos da carne suína americana, impondo tarifas adicionais sobre as importações nesta semana, as ramificações do mercado provavelmente vão se ampliar. "Os embarques [dos EUA] à China estão em queda, uma vez que os compradores [chineses] vêm buscando outras fontes", disse Justin Sherrard, estrategista mundial de proteínas animais do Rabobank.
Pequim elevou em abril os impostos sobre a carne suína proveniente dos EUA de 12% para 37%.
A China é o maior produtor, consumidor e importador de carne suína no mundo, enquanto a Alemanha é o principal exportador, seguido dos EUA. Para analistas, Canadá e Espanha também vão procurar aproveitar as tensões comerciais entre EUA e China. "Há um grande rearranjo dos fluxos comerciais, o que significa oportunidades para alguns e riscos para outros", afirmou Sherrard, do Rabobank.
Carne bovina
A sobretaxa de Pequim à carne bovina dos EUA pode ajudar pecuaristas da Austrália. A carne americana não ocupa muito espaço nas gôndolas chinesas, mas é considerada de primeira qualidade. Os produtores americanos de carne bovina voltaram a ter acesso ao mercado chinês pela primeira vez em 14 anos em 2017. Assim como a carne australiana, o produto é vendido a preços mais altos. Em contraste, a carne do Brasil, maior exportador à China, é considerada "produto de volume", segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).
Vender carne bovina a preços mais altos no mercado chinês é questão de construção da marca e confiança, segundo analistas, que destacam os prejuízos que as tarifas poderiam provocar. Os impostos "poderiam, em última análise, restringir o acesso ao mercado e enfraquecer um grande concorrente dos exportadores de carne bovina australianos", disse Mark Bennett, chefe de agronegócios da ANZ (Financial Times, 11/7/18)
EUA:Guerra comercial causará perdas de US$ 4,5 bi para produtores de soja
Legenda: Produção de soja em fazenda de Ilinois, Estados Unidos
Sojicultor americano perde duas vezes, ao vender menos para China e sentir o efeito da queda de preços.
O desajuste provocado por Donald Trump no mercado de commodities vai custar caro para os produtores de soja nos Estados Unidos.
Da última semana de maio até agora, o contrato de negociação de novembro, o ponto de referência para as vendas da safra 2018/19, caiu 20% na Bolsa de Chicago. A Bolsa é referência de preços para o mercado dos EUA e para o internacional.
Essa queda, tendo em vista que ainda faltam 50% da soja da safra 2018/19 para ser comercializada, pode provocar um rombo de até US$ 4,5 bilhões (R$ 17,46 bilhões) no bolso dos americanos. A perda, conforme cálculos da Folha, ocorreria desde que os preços se mantivessem baixos.
Daniele Siqueira, analista da AgRural, diz que essa é uma simulação que pode não se confirmar. Os produtores dos EUA não vendem a safra toda durante um mês e, além disso, os preços podem voltar a subir.
Se o imbróglio entre China e EUA se alongar e a safra americana continuar prometendo volume elevado, porém, os preços podem continuar em queda.
Nesse caso, as perdas dos sojicultores americanos vão continuar por mais tempo e serão pesadas, segundo Siqueira.
Os Estados Unidos perdem duplamente com essa guerra comercial. "De um lado, tendem a exportar menos soja para a China, o que já é ruim. De outro, a própria guerra pressiona os preços da oleaginosa para baixo", diz ela.
O produtor do Brasil, ao contrário do dos Estados Unidos, mesmo com a queda de preços em Chicago, mantém rentabilidade com a soja.
Dois fatores favorecem os produtores nacionais: a desvalorização do real e os prêmios pagos pela soja brasileira.
Em maio, a soja brasileira tinha um prêmio de US$ 0,60 por bushel (27,2 quilos) no porto de Paranaguá (PR) em relação aos valores praticados em Chicago.
Atualmente, esse prêmio está em US$ 2,20 por bushel. Ou seja, os importadores pagam esse valor a mais do que custa a soja em Chicago para ter o produto brasileiro, em detrimento do americano.
Além disso, a desvalorização da moeda brasileira eleva o valor da soja em reais. Com isso, a saca de soja negociada em Sorriso (MT) teve queda de 1% de maio até agora, para R$ 69. Já em Cascavel (PR), o preço permanece estável, em R$ 79, no mesmo período, segundo Siqueira.
Dados da AgRural indicam que o preço atual de R$ 69 para a saca de soja em Sorriso seria de R$ 55,7 se o prêmio estivesse em apenas US$ 0,60, como em maio.
Pior ainda se o dólar tivesse permanecido em R$ 3,30. Nesse caso, a saca de soja estaria sendo negociada a R$ 45,9 em Sorriso, um valor R$ 23,1 abaixo do preço atual efetivo.
Uma tonelada de soja negociada a US$ 385 no porto renderia R$ 1.347,50 se o dólar estivesse a R$ 3,50. Se cotado a R$ 4, essa mesma tonelada subiria para R$ 1.540.
Depois de uma subida acelerada e atingir o maior preço do ano no início de março, devido à quebra de safra da Argentina, os valores de negociações da soja começaram a cair fortemente a partir de maio.
No dia 24 daquele mês, o primeiro contrato da oleaginosa foi negociado a US$ 10,51. Nesta quarta-feira (11), esteve em US$ 8,30 (Folha de S.Paulo, 12/7/18)
Guerra comercial é prelúdio de crise financeira, alerta Mobius
Talvez a guerra comercial entre EUA e China e a queda adicional de 10 por cento nas bolsas de mercados emergentes não sejam o pior que pode acontecer na economia global neste ano, segundo Mark Mobius (Foto). O investidor com longa experiência em países em desenvolvimento também enxerga uma crise financeira internacional no horizonte.
“Não há dúvida de que teremos uma crise financeira mais cedo ou mais tarde porque precisamos lembrar que estamos saindo de um período de dinheiro barato”, ele afirmou durante entrevista realizada em Cingapura. “Haverá um aperto de verdade para muitas dessas empresas que dependeram do dinheiro barato para se manter.”
A redução da liquidez com a normalização da política monetária pelo Federal Reserve dos EUA e pelo Banco Central Europeu prejudicaram os mercados emergentes neste ano, juntamente com a valorização do dólar e a deterioração da conjuntura de comércio internacional. A disputa entre EUA e China tende a se agravar, uma vez que as tarifas impostas pelos EUA dificilmente afetarão negativamente o presidente americano, Donald Trump, dado que o impacto inflacionário dessas medidas será compensado pela alta de salários nos EUA por causa do baixo nível de desemprego, argumentou o investidor.
Mobius, que deixou a Franklin Templeton Investments neste ano para montar a Mobius Capital Partners, prevê que o MSCI Emerging Markets Index cairá mais 10 por cento a partir dos patamares atuais. O indicador, que já recuou aproximadamente 16 por cento desde o pico atingido em janeiro, entraria então no território que caracteriza um mercado vendedor (bear market).
No câmbio, o MSCI Emerging Markets Currency Index perdeu aproximadamente 7 por cento desde a máxima atingida no final de março, forçando os bancos centrais de países como Turquia, Argentina e Indonésia a elevar juros para defender suas moedas. Os aumentos de juros podem ser “uma solução de curto prazo”, mas contraproducentes para nações muito endividadas, explicou Mobius, acrescentando que os governos precisam colocar as finanças em ordem para restaurar a confiança dos investidores.
Apesar do pessimismo, o investidor de 81 anos considera a queda uma oportunidade de compra e quer levantar recursos. Segundo ele, os seguintes segmentos têm potencial de ganhos em uma guerra comercial: setor de manufatura na Índia, empresas de tecnologia da Coreia do Sul, setor agrícola do Brasil, soja na Argentina, setor de calçados do Vietnã e de vestuário de Bangladesh (Bloomberg, 11/7/18)
China diz que não recua em guerra comercial iniciada por Trump
A China enfrentou o mais recente bombardeio de restrições tarifárias do presidente americano, Donald Trump, avisando que não vai recuar na guerra comercial iniciada unilateralmente pelos EUA.
A China “nunca cede a ameaça ou chantagem”, declarou o vice-ministro do Comércio, Wang Shouwen (Foto), em comentário enviado à Bloomberg nesta quarta-feira. “O lado dos EUA ignorou o progresso, adotou medidas unilaterais e protecionistas e começou a guerra comercial.”
A reação de Wang chegou poucas horas após uma agência do governo americano iniciar o processo previsto na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974 para reagir às “políticas industriais lesivas da China” com tarifas de 10 por cento sobre US$ 200 bilhões em produtos chineses.
É um agravamento dramático na tensão global que provocou quedas nas bolsas globais. As tarifas, que devem entrar em vigor já no quarto trimestre, se somam à taxação de 25 por cento que Trump impôs sobre US$ 34 bilhões em produtos chineses a partir de 6 de julho.
Negociações paralisadas
Wang acusou representantes do governo Trump de não negociar de boa fé e agravar a disputa de modo unilateral.
“A China fez grandes esforços e demonstrou máxima sinceridade para estabilizar as relações comerciais com os EUA”, afirmou Wang. “Lamentavelmente, o lado dos EUA não honrou suas palavras, fazendo mudanças o tempo todo.”
Não se tem notícia de conversas entre o alto escalão das duas maiores economias do mundo desde a visita infrutífera do secretário de Comércio, Wilbur Ross, a Pequim no início de junho.
“O comportamento dos EUA é típico do ‘valentão do comércio’, impondo ameaça grave à cadeia global de valor”, afirmou Wang. “Isso vai prejudicar a recuperação da economia global, lesando diversos negócios e pessoas comuns ao redor do mundo. Isso vai prejudicar os interesses de empresas, funcionários e consumidores na China e nos EUA.”
‘Completamente infundadas’
Segundo Wang, a China não hesitará em retaliar as 301 tarifas “completamente infundadas” do governo Trump. Ele defendeu a resposta de Pequim à última rodada de tarifas americanas, argumentando que as medidas são “totalmente baseadas em legislação doméstica sólida e regras internacionais”.
Representantes da Organização Mundial do Comércio em Genebra temem que, se EUA e China entrarem em uma guerra comercial de medidas recíprocas usando leis domésticas em vez dos processos da OMC para solução de disputas, sua capacidade de arbitrar conflitos comerciais será reduzida.
“É hora de qualquer um que se importa com a saúde da economia se levantar e prestar atenção”, afirmou o diretor-geral da OMC, Roberto Azevedo, no Twitter em 5 de julho (Bloomberg, 11/7/18)