Guerra na Ucrânia vai ampliar produção de trigo do Brasil, avalia Embrapa
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Potencial de exportação brasileiro abrirá novos caminhos para o cereal nos próximos anos.
A guerra do Leste Europeu e a instabilidade mundial no setor de trigo são fatores pontuais, mas deverão incentivar o plantio do cereal no Brasil.
O potencial de produção e de exportação brasileiro vai abrir novos caminhos para o cereal nos próximos anos. O trigo vai seguir os passos do milho.
A avaliação é de Osvaldo Vieira, chefe-geral da Embrapa Trigo. Tanto o cenário nacional quanto o internacional vão levar a isso, segundo ele.
Há 20 anos, os brasileiros produziam apenas 35 milhões de toneladas de milho por ano, mas o potencial atual já supera 120 milhões.
Presos unicamente ao mercado interno, os produtores não tinham muito incentivo para produzir. Com o início das exportações e maior liquidez, a produção interna de milho vem subindo ano a ano.
Para Vieira, os preços externos do trigo estão elevados e dão sustentação aos internos. A demanda da indústria brasileira é boa e dá garantia aos produtores, uma vez que os argentinos, principais exportadores para o Brasil, estão diversificando seus mercados.
Além disso, a Embrapa e as entidades ligadas ao setor estão desenvolvendo novas variedades de trigo conforme as exigências dos mercados interno e externo.
O resultado é que as exportações gaúchas deste primeiro bimestre somam 1,22 milhão de toneladas, ante 522 mil de igual período de 2021.
Vieira destaca, ainda, o aproveitamento do trigo na produção de rações no Brasil e no mundo, devido ao preço elevado dos demais grãos. Há dois anos, 18% da produção mundial de trigo era destinada à alimentação animal. Neste ano, o volume deverá chegar a 21%, com o consumo de 160 milhões de toneladas pelo setor de ração, segundo dados do Usda (Departamento de Agricultura dos EUA).
O trigo ganha novas fronteiras no próprio Brasil. Paraná e Rio Grande do Sul são os principais produtores nacionais, mas Sudeste e Centro-Oeste também aumentam a produção.
Ceará, Maranhão, Piauí, Bahia e até Roraima já se somam à lista de potenciais produtores. Alguns desses estados apresentam boa produtividade, enquanto em outros a Embrapa ainda faz ajustes para buscar o melhor período de plantio, evitando chuvas na colheita.
O Brasil tem um grande potencial de produção e de exportação, acredita o chefe da Embrapa Trigo. Temporariamente, devido à invasão da Ucrânia pela Rússia, haverá um remanejamento das exportações mundiais, principalmente no Norte da África, região atendida pelos dois países em guerra.
A Austrália tem presença no Sudeste Asiático, enquanto Canadá e Estados Unidos buscam o mercado europeu. O Brasil poderá disputar os países da África, o que já é feito pelos argentinos. O mercado africano concentra grandes importadores.
Os produtores estão com novos olhares para o plantio neste ano no Brasil. Demanda, preços e efeitos da guerra do Leste Europeu sobre o mercado mundial farão com que a área cresça próximo de 30% no Rio Grande do Sul, espera Vieira.
Na avaliação da Consultoria Safras & Mercado, a evolução nacional será de 33%, em relação à de 2021. O Brasil deverá semear trigo em 3,6 milhões de hectares, a maior área dos últimos 36 anos, segundo a consultoria.
Se o clima ajudar, e a produtividade média atingir três toneladas por hectare, a produção nacional ficará próxima de 10 milhões de toneladas. Em 2021, foi de 7,7 milhões.
Carlos Hugo Winckler Godinho, especialista em trigo do Deral (Departamento de Economia Rural) do Paraná, principal produtor nacional, acredita em expansão de área, mas ele vê alguns obstáculos.
O preço do cereal está bom, e com liquidez, mas os custos de produção são elevados. Eles se assemelham aos do milho, mas este tem a vantagem de obter maior produtividade e, neste ano, está com o plantio no período ideal.
A área deverá crescer nas regiões mais frias do Paraná —de Pato Branco a Ponta Grossa—, mas a evolução será menor nas regiões mais quentes, como as de Cascavel ao Norte Pioneiro.
Élcio Bento, analista da Safras, diz que, além dos custos, a expansão de área depende ainda da oferta de sementes. Para Vieira, há semente, mas, com a demanda aquecida, o produtor poderá não encontrar a variedade desejada.
Rafael Furlanetto, gerente técnico da cooperativa Cocamar, diz que o produtor vai apostar no milho até o limite do período ideal de plantio.
Os preços do trigo estão bons, mas os custos são elevados, e o agricultor despende mais para produzir do que do que as receitas que obtém.
Maciel Silva, coordenador de Produção Agrícola da CNA, afirma que a guerra trouxe uma grande incerteza ao mercado mundial, o que poderia favorecer o aumento de área no Brasil. Os custos de produção, porém, são proibitivos.
Para o coordenador da CNA, o clima adverso, que tem se repetido nos anos recentes, é um fator também considerado pelos produtores. Neste ano, não há grandes espaços para a expansão de área, o que poderá ocorrer a partir do próximo, afirma ele.
O Brasil plantou 2,74 milhões de hectares de trigo em 2021, colhendo 7,7 milhões de toneladas. Exportou 2,1 milhões de toneladas e importou 7 milhões. O consumo foi de 12,5 milhões, segundo a Conab (Folha de S.Paulo, 22/3/22)