Haddad sentiu o golpe, não deu o braço a torcer e culpa STF e Congresso
Fernando Haddad-Foto Wilton Junior Estadão
Fernando Haddad concedeu entrevista nesta segunda-feira, 30, e colocou culpa em eventual descumprimento de meta fiscal nos outros Poderes.
Por Eliane Cantanhêde
Sem ter como culpar Lula ou Rui Costa, ministro da Fazenda disparou contra os outros poderes para explicar razões pelas quais a meta fiscal não deve ser cumprida em 2024.
Nem parecia o mesmo Fernando Haddad. Ar cansado, contrariado, impaciente e, enfim, mal-humorado, o ministro da Fazenda disse a jornalistas que prometeu déficit zero em 2024, mas sabe-se lá se vai cumprir. E não concordou nem discordou do chefe Lula, que lhe passou uma rasteira e anunciou o fracasso da promessa antes de discutir com ele os vários ângulos de uma questão tão sensível. Pior: no fim do ano, com Haddad correndo contra o tempo para aprovar suas pautas no Congresso.
Sem ter como atacar o presidente da República, contar toda a verdade e apontar o dedo para o chefe da Casa Civil, Rui Costa, Haddad descarregou a culpa — e, possivelmente, a raiva— fora do governo: na Câmara, no Senado e no Supremo Tribunal Federal. Segundo o ministro, não foi Lula quem sabotou o país, foram eles, os dois outros Poderes, que, desde 2017, vêm insuflando privilégios para empresas e secando a arrecadação federal.
“A estimativa de arrecadação não está se confirmando, mesmo com o PIB crescendo”, reclamou. Mas, se admitiu o problema, não assumiu a culpa, que jogou em fatores já fartamente conhecidos quando levantou a bandeira do déficit zero: juros, “ralos tributários”, “erosão da base fiscal do Estado” e duas decisões de seis anos atrás. Uma, do Congresso, criou uma brecha para subvenções que aumentaram as perdas de R$ 39 bilhões para R$ 200 bilhões. A outra, do STF, retirou Pis/Confins do cálculo de ICMS de empresas de cigarros e a Receita vai ter de “devolver” R$ 4,8 bilhões a elas. Mas quem pagou não foram as empresas, foram os consumidores…
O ministro da Fazenda tem razão, sim, ao reclamar do Congresso, do Supremo e de empresas e setores gananciosos, mas isso não elimina uma realidade econômica e política: a visão antiquada, populista e perigosa de Lula e do PT sobre rigor fiscal e controle da inflação. Não é de hoje que Haddad e Rui Costa se confrontam, um tentando trazer pragmatismo e uma política econômica atualizada e confiável, o outro sendo o fiel escudeiro das ideias do PT no governo. Pior: dentro do Planalto.
Haddad, candidato a presidente em 2018, tem uma relação quase filial com Lula, a quem respeita, admira e segue, enquanto Costa, um quadro técnico que entrou para a política e ascendeu na Bahia, longe de Lula, tem pouca intimidade e pouca história com o chefe. O que faz toda a diferença? Se antes estava longe de Lula, Rui Costa agora está a passos do gabinete e dos ouvidos de Lula, sempre tão sensíveis a pregações populistas.
Proximidade de Rui Costa com Lula no governo afeta os planos de Haddad, que perdeu a batalha em relação à meta fiscal. Foto- Wagner Lopes-CC
Alguma dúvida sobre a opção de Lula, entre assumir a importância do rigor fiscal, do corte de gastos e do respeito à matemática, ou ceder à tentação do discurso fácil e saboroso de que “no meu governo não tem corte de financiamento”? O risco de Haddad é perder uma guerra de vida ou morte no governo: a capacidade de influência sobre as decisões econômicas de Lula.
Se Rui Costa está mais perto do PT e do ouvido e das velhas convicções de Lula, Haddad aproximou-se tanto de ideias mais modernas quanto do BC, da Câmara e do Senado, do mundo empresarial, do setor financeiro e da mídia. Fez-se essencial. Se a economia for bem, o destino de Lula e do governo é um; se for mal, é outro, muito diferente. Economia ir bem significa seriedade, consistência e credibilidade, não um “saco de bondades” enganosas e descartáveis no curto prazo (Estadão, 31/10/23)