Hidrogênio como produto de exportação ficou mais concreto, diz especialista
Luiz Augusto Barroso Foto PSR
Para Luiz Augusto Barroso, conflito no leste europeu deve acelerar o desenvolvimento de tecnologias para substituir o uso do gás natural
O diretor-presidente da consultoria especializada em energia PSR, Luiz Augusto Barroso, acredita que a guerra entre Rússia e Ucrânia vai acelerar o desenvolvimento de tecnologias para substituir o uso do gás natural. E uma de suas principais apostas é o hidrogênio verde. Mas ele também acredita que uma das mudanças para a transição energética resultante da guerra será a maior aceitação da energia nuclear.
A seguir, trechos da entrevista.
Qual o efeito da guerra no processo de transição energética?
A Europa já era um dos continentes mais avançados na transição energética antes de a guerra começar. Esse processo pode se acelerar ainda mais, já que o imperativo geopolítico está alinhado e o ambiente atual pressiona ainda mais a redução da dependência dos combustíveis fósseis. Isso pode dar um impulso ao desenvolvimento de novas tecnologias necessárias para substituir alguns usos do gás natural na Europa, como o hidrogênio. Há poucos dias a Comissão Europeia apresentou uma meta de importar 10 milhões de toneladas de hidrogênio em 2030. Antes da guerra, a Rússia se apresentava como um dos principais exportadores do produto para a Europa, aproveitando a proximidade geográfica e a infraestrutura física existente de gás. Agora, a Rússia fica fora do que deve se tornar o principal mercado importador de hidrogênio.
Mas alguns países já falam em reativar usinas a carvão e nucleares. Isso significa um retrocesso?
Na Europa, a reativação das usinas a carvão é uma decisão pragmática, mirando o curto prazo, num contexto de crise de energia elétrica. Por enquanto, isso não afetou os planos de redução do uso de carvão a médio e longo prazo, o que seria, sim, um retrocesso justificado apenas pela necessidade de independência energética. O caso da nuclear é diferente: é uma tecnologia praticamente sem emissões de gases de efeito estufa, que é social e politicamente aceita em alguns países, mas não em outros. Seu problema é basicamente econômico. A curto prazo, postergar o descomissionamento (retirada) das nucleares em alguns países, como a Alemanha, seria também uma decisão pragmática para reduzir a dependência do gás russo. Mas, até agora, apenas a Bélgica tomou uma decisão neste sentido. Talvez uma das grandes mudanças para a transição energética resultantes dessa guerra será a maior aceitação da energia nuclear.
Qual a sua aposta em termos de novas tecnologias?
Um preço do petróleo alto deixa algumas tecnologias verdes mais competitivas. Por exemplo, quem dirige carro elétrico está menos exposto ao preço do petróleo, o que pode acelerar a entrada da mobilidade elétrica e a implantação da infraestrutura necessária. Em outros casos, onde as tecnologias não estão maduras ainda, um preço do petróleo mais alto pode acelerar o desenvolvimento e a demonstração de novas tecnologias, como o uso de combustíveis sintéticos para a aviação ou transporte marítimo. O negócio do hidrogênio como commodity de exportação ficou mais concreto. E, nesse contexto, o hidrogênio verde pode ganhar espaço. É também razoável apostar em um renascimento das nucleares e uma aceleração em tecnologias de captura e sequestro de carbono. O cenário atual também traz a importância das ações pelo lado da demanda, abrindo uma oportunidade para organizar a agenda da eficiência energética, onde há espaço para muito ganho no comércio e indústria. Devemos ter ações de transformação da forma como se consome a energia, desde a adoção da eletrificação até o estímulo pelo uso de outros energéticos. De nada adianta termos oferta de hidrogênio e eletricidade abundante, se a maior parte da demanda não funcionar a hidrogênio e eletricidade.
Como fica o Brasil nesse processo?
O Brasil tem uma posição privilegiada nesse processo. Apesar de importar GNL (Gás Natural Liquefeito), que deve ficar mais caro, o País exporta petróleo e pode se beneficiar da alta conjuntural dos preços. O Brasil tem a matriz de geração elétrica com mais renováveis entre as grandes economias mundiais, e o segundo maior uso de renováveis no transporte, vantagens estratégicas que o País pode aproveitar. As fontes limpas de produção de eletricidade já são as mais econômicas. O aumento da ambição nessa área faz sentido, trazendo novamente as hidrelétricas com reservatórios para o planejamento. A aceleração da transição europeia, que vai requerer combustíveis limpos importados, abre oportunidades para o Brasil exportar produtos energéticos e industriais verdes. A meta de importação de hidrogênio da Europa cria grandes oportunidades para o Brasil com o hidrogênio verde, quando o combustível entrar na equação. O valor do hidrogênio para o País pode ser alavancado pela produção de fertilizantes a partir da amônia.
Como a alta de preços de energia vem afetando os ambientes de mercado?
Na Europa o aumento dos preços de eletricidade e gás já vinha ocorrendo antes da guerra. Todos os governos buscaram maneiras de proteger, pelo menos em partes, os consumidores do repasse dos aumentos. Foram criadas operações de financiamento de aumentos tarifários muito parecidas com as que o Brasil fez na pandemia e na crise hídrica. A guerra na Ucrânia trouxe uma nova e maior escalada de preços e que pode se estender por mais de um ano. A Comissão Europeia discute interferir, em caráter emergencial, nos mercados de energia elétrica e gás. Várias são as medidas discutidas como subsídios para alívio nas contas de energia/gás e parcelamentos/postergação de prazos para pagar as faturas. Para financiar esses auxílios, estão na mesa propostas de uma taxa sobre lucros excessivos (“windfall profits”) de empresas do setor de energia, especialmente grupos com geração de energia, além do uso de fundos governamentais, como os obtidos com a taxação do carbono. Outra medida vislumbrada pela Comissão, e que tem ganhado apoio, é a adoção de preços-teto para o gás e para a geração de energia elétrica neste contexto de guerra (O Estado de S.Paulo, 26/3/22)