20/09/2024

IA e agro: Desafios jurídicos e éticos na transformação digital do campo

IA e agro: Desafios jurídicos e éticos na transformação digital do campo

É especialista em direito digital e proteção de dados e advogado no Opice Blum Advogados –

 

Por Rodrigo Toler

O avanço traz promessa de desenvolvimento sustentável, mas exige um cuidado constante para balancear inovação com proteção de direitos

Nos últimos anos, a integração entre direito agrário e direito digital ganhou relevância, especialmente com a ascensão da Inteligência Artificial e suas aplicações e proposta de regulação, levando à criação de oportunidades e desafios que demandam uma análise jurídica sofisticada para lidar com as novas implicações éticas, legais e econômicas.

O direito agrário, tradicionalmente focado em questões relacionadas, por exemplo, à posse e uso da terra, contratos agrários, e políticas de reforma agrária, já há alguns anos tem se deparado com novas dinâmicas impulsionadas pela transformação digital.

A digitalização no campo inclui desde o uso de drones para monitoramento de safras até sensores que coletam dados em tempo real sobre o solo e as condições climáticas. A implementação dessas tecnologias gera a necessidade de regulamentações que assegurem a proteção de dados e a privacidade dos agricultores, além de direitos de propriedade intelectual sobre as tecnologias desenvolvidas.

Nesse sentido, a IA tem se mostrado uma ferramenta poderosa para otimizar a produtividade no setor, já que, por meio de algoritmos avançados, possibilita a análise de grandes volumes de dados coletados no campo para prever padrões climáticos, otimizar o uso de água e fertilizantes, e até mesmo prever surtos de doenças nas plantações. Essas aplicações não apenas aumentam a eficiência, mas também reduzem custos e minimizam impactos ambientais.

No entanto, um dos principais riscos da integração da IA no agronegócio é a concentração de poder econômico e a monopolização de dados nas mãos de grandes corporações de tecnologia, que possuem os recursos necessários para desenvolver e implementar soluções de IA em larga escala, o que pode levar a um domínio de mercado e à exclusão dos pequenos e médios produtores.

Para mitigar esses riscos, é essencial que a legislação inclua mecanismos de governança de dados que garantam a transparência e o acesso justo às informações do setor.

Além disso, a criação de normas claras e específicas representa um passo necessário para assegurar que os benefícios gerados pelas tecnologias de IA sejam acessíveis a todos, evitando práticas anticompetitivas.

Questões relacionadas à privacidade e à proteção de dados pessoais dos agricultores também precisam ser levantadas. A coleta massiva de dados em tempo real sobre as operações agrícolas pode expor informações sensíveis, que precisam ser devidamente protegidas.

A IA também cria oportunidades significativas para a inovação no setor agrário, como o desenvolvimento de plataformas digitais que conectam diretamente os produtores com os consumidores finais, possibilitando a redução de custos, a eliminação de intermediários e o aumento da transparência nas transações.

No entanto, a criação e operação dessas plataformas exigem uma regulação específica, que aborde questões de segurança cibernética, contratos digitais, e direitos dos consumidores. A adaptação das normas jurídicas existentes, além da aprovação de um regulamento para o uso ético da IA no Brasil, é fundamental para criar um ambiente de negócios seguro e confiável, que incentive a inovação sem comprometer a proteção dos direitos fundamentais.

Nesse cenário, a implementação da IA no agronegócio também levanta questões sobre a responsabilidade por decisões automatizadas.

Quando uma decisão tomada por um algoritmo de IA resulta em danos, quem deve ser responsabilizado? O desafio jurídico aqui é determinar a responsabilidade em cenários complexos onde a decisão resulta de uma cadeia de ações automatizadas e de vários intervenientes, incluindo desenvolvedores de software, operadores de tecnologia e proprietários de terras. Estabelecer um marco legal claro sobre responsabilidade e accountability é essencial para dar segurança jurídica aos envolvidos e promover o uso ético e seguro da tecnologia.

Por fim, o avanço da IA no agronegócio traz uma promessa de desenvolvimento sustentável, mas exige um cuidado constante para balancear inovação com proteção de direitos. A colaboração entre Direito Agrário e Direito Digital é fundamental para criar políticas e leis que garantam o uso justo, inclusivo e benéfico da tecnologia (Rodrigo Toler é  especialista em Direito Digital e Proteção de Dados e advogado no Opice Blum Advogados; Folha, 20/9/24)