13/05/2019

Impacto e lições da peste suína na China – Por Marcos Sawaya Jank

Impacto e lições da peste suína na China – Por Marcos Sawaya Jank

Legenda: Agentes públicos em área afetada por peste suína africana na China

 

No longo prazo, o Brasil tende a ganhar, mas é preciso ter visão estratégica.

A China, país que produz e consome mais da metade da carne suína mundial, vem sendo devastada por uma grave epidemia de peste suína africana. A situação é calamitosa:

  1. Estima-se perda de 134 milhões de cabeças —sobre um total de 684 milhões—, gerando uma queda da ordem de 20% na produção de carne suína, que pode chegar a 35% se o pior cenário desenhado pelo Rabobank se concretizar. 

O problema se agrava com o grande trânsito de animais dentro da China e com o Sudeste Asiático, além do fato de um quinto da produção doméstica vir da pequena produção de “fundo de quintal”, com alta exposição ao vírus e controle sanitário precário.

  1. Para o Brasil, o principal impacto negativo da peste suína se dará sobre as exportações de soja, produto que lidera a pauta exportadora brasileira e componente essencial da ração de suínos e aves em propriedades tecnificadas.

Estima-se uma queda de 5 milhões a 10 milhões de toneladas no nosso volume previsto de exportações para a China em 2019/20, um cenário que pode se agravar no ano que vem, ainda que terceiros países (Europa, principalmente) devem comprar mais do Brasil para poder ampliar as suas exportações de carnes para a China.

  1. Vencida a crise, no longo prazo teremos ganhos importantes com a inevitável mudança do modelo de produção de carnes da China: maior controle sanitário, escala e profissionalização dos produtores com melhoria da genética, manejo e nutrição dos animais, o que favorecerá o consumo de farelo de soja.
  2. Há também a possibilidade de a China se abrir mais para a importação de carnes, que hoje respondem por menos de 5% do seu consumo. Mas esse segmento não crescerá de forma automática, como alguns querem crer. 

Ocorre que, ao contrário de commodities agrícolas como soja, algodão e celulose —para as quais o mercado encontra-se totalmente aberto para Brasil—, nas proteínas animais o acesso se dá por meio de um processo moroso e pouco transparente de habilitação de plantas industriais, caso a caso. 

Apenas 62 unidades brasileiras estão hoje autorizadas a exportar para a China, um número extremamente reduzido, sendo que apenas 3 estão autorizadas a exportar carne suína.

No curto prazo, quem realmente ganhará mercado são frango e carne bovina, substitutos do suíno.

  1. Atualmente, a China consome 84 kg de carnes por habitante/ano. A atual exportação de carnes do Brasil para China e Hong Kong equivale ao volume de 1 kg per capita/ano na China (1,4 milhão de toneladas). Com mais 1 kg/hab/ano, já estaríamos dobrando a exportação.
  2.     Uma última questão relevante é status sanitário brasileiro. Até aqui o Brasil escapou ileso das duas principais epidemias do mundo atual: gripe aviária e peste suína. Além da necessidade de reforçar todos os controles de defesa sanitária do país, o Brasil deveria pleitear a ampla aceitação de dois instrumentos fundamentais para garantir o acesso aos mercados, mesmo que parcial. 

O primeiro é a “regionalização sanitária”, que comporta, por exemplo, o nosso status de área livre de febre aftosa com vacinação. 

O segundo é a “compartimentalização sanitária”, que é o reconhecimento de sistemas integrados livres de doenças graças à adoção de práticas mais elevadas de biossegurança e rastreabilidade. O Brasil já possui “compartimentos” em que o controle da gripe aviária é extremamente elevado, que hoje servem de exemplo para o mundo.

Todos os pontos aqui apresentados estão ligados a “lições de casa” que precisam ser feitas neste momento: visão estratégica, melhor coordenação do setor privado, medidas suplementares de defesa sanitária e negociação qualificada com nossos parceiros no exterior (Marcos Sawaya Jank é specialista em questões globais do agronegócio, trabalha em Singapura. É livre-docente em engenharia agronômica pela USP. Esta coluna foi escrita em parceria com Rodrigo C A Lima, sócio-diretor da Agroicone e especialista em temas sanitários.; Folha  de S.Paulo, 11/5/19)