Incra rompe com MST e determina fim de diálogo com líderes sem-terra
Legenda: General Jesus Corrêa, indicado por Jair Bolsonaro para presidir o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária)
Memorando-circular foi enviado nesta quinta-feira (21) a todas as superintendências do órgão.
O novo ouvidor agrário nacional do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), o coronel do Exército João Miguel Souza Aguiar Maia de Sousa, enviou memorando-circular nesta quinta-feira (21) a todas as superintendências do órgão com a orientação de que seus chefes subordinados não recebam mais entidades ou representantes “que não possuam personalidade jurídica”, caso do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
No mesmo memorando, o ouvidor afirmou que “não deverão ser atendidos invasores de terras (estes devem ser notificados conforme a lei)”. Na prática, a circular, chamada de “recomendação”, representa o rompimento de diálogo do Incra com o MST. O coronel pede que a orientação seja repassada pelos superintendentes a todos os chefes de divisão e executores das unidades do órgão no país.
Egresso da área da inteligência militar, o coronel foi escolhido para o cargo pelo novo presidente do Incra, o general da reserva João Carlos de Jesus Corrêa. No memorando, o coronel diz que a medida é tomada “em consonância com as diretrizes emanadas pela presidência do Incra”. A Folha indagou ao presidente do Incra e sua assessoria se ele tinha conhecimento ou apoiava a orientação do ouvidor, mas não houve resposta até o fechamento deste texto.
A assessoria do Incra encaminhou uma resposta do próprio ouvidor agrário. Segundo o coronel, "o interessado" que procura as unidades do Incra "só representa a si mesmo, desde que devidamente identificado, na defesa de seus interesses, a não ser que possua procuração para fazê-lo em nome de outrem". Esses interessados, segundo o ouvidor, "poderão ser recebidos e ouvidos, conforme previsão contida na legislação específica". O ouvidor disse ainda, pela assessoria do Incra, que "pretende regulamentar, no mais curto prazo, os procedimentos de audiência concedidas a particulares por agentes públicos em exercício na autarquia". Por fim, o ouvidor afirmou que "a manifestação do interesse do cidadão é livre e deve ser feita pelos canais que os órgãos públicos mantêm para a comunicação direta e a manutenção do diálogo com a população".
Graduado na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) em 1986, o coronel Sousa foi analista de inteligência do CIE (Centro de Inteligência do Exército) e chefe da Divisão de Suporte à Inteligência do centro de 2015 a 2016. De 2008 a 2010, foi comandante da EsImex (Escola de Inteligência Militar do Exército), na qual também havia sido instrutor de inteligência de 2005 a 2007.
Procurada, a direção nacional do MST preferiu não se manifestar. Apesar do rompimento de relações do Incra, o MST e membros do governo Jair Bolsonaro têm procurado manter canais de diálogo. Depois que o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo no Palácio do Planalto, disse em entrevistas, em janeiro, que poderia receber em seu gabinete membros do MST, contatos foram mantidos com o órgão, que prepara uma reunião para breve.
A posição do novo ouvidor é oposta a toda a trajetória da ouvidoria.
Nos anos 90, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, em meio a uma série de conflitos agrários no país, a ouvidoria agrária nacional surgiu justamente como uma intermediadora dos atritos no campo, promovendo reuniões e saídas negociadas entre sem-terra e fazendeiros em terras sob disputa e em vias de sofrer ações de despejo pela Polícia Militar.
Na época o órgão ganhou projeção pela atividade do desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Acre Gercino José da Silva Filho. Nos anos 2000, durante o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, Gercino permaneceu no cargo por quase três anos com as mesmas funções (Folha de S.Paulo, 23/2/19)