Índices de desmatamento na Amazônia são manipulados, diz ministro
O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general da reserva Augusto Heleno, afirmou que os índices de desmatamento na Amazônia são "manipulados", ao ser questionado sobre a crescente preocupação internacional sobre a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro,
"A Amazônia é brasileira e quem tem que cuidar dela somos nós. Esses índices de desmatamento são manipulados. Se você somar os porcentuais que já anunciaram até hoje de desmatamento na Amazônia, a Amazônia já seria um deserto. No entanto, nós temos muito mais da metade da Amazônia intocada. E os países que nos querem cobrar o comportamento que eles acham correto nunca seguiram esse comportamento. O maior preservador de ambiente do mundo é o Brasil", disse Heleno à BBC News Brasil em entrevista por telefone.
O general da reserva não comentou especificamente a divulgação dos novos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que observa e monitora por meio de imagens a derrubada da floresta. Segundo balanço parcial do órgão divulgado nesta semana, o desmatamento na Amazônia cresceu, em junho deste ano, quase 60% em relação ao mesmo mês de 2018 - de 488,4 km² para 762,3 km² de mata nativa, o equivalente a duas vezes a área de Belo Horizonte. Esses números foram divulgados logo após a conclusão da entrevista. Nesta quarta-feira (3/7), o órgão afirmou que o desmatamento total no mês de junho foi ainda maior, de 920,4 km², aumento de 88% em relação ao mesmo mês no ano passado.
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No acumulado de 2019, foram derrubados 2.273,6 km² de floresta, o pior registro desde 2016.
Também na quarta-feira, a reportagem voltou a questionar o general Heleno sobre suas críticas aos índices de desmatamento e perguntou se ele também se referia aos resultados do Inpe. "Esses dados sobre desmatamento merecem certa reserva. Essa pergunta deve ser feita ao Ministério do Meio Ambiente."
Em nota, o INPE afirmou que a transparência e a consistência da metodologia do órgão são reconhecidas internacionalmente e que o sistema permite avaliações independentes de qualquer pessoa ou instituição. "O Prodes, nosso sistema pioneiro, possui mais de mil citações na literatura científica pela excelência de seus dados. O INPE monitora constantemente a qualidade dos dados sobre desmatamento, que atualmente apresentam índice superior a 95% de precisão."
Na semana passada, durante sessão no Parlamento alemão, a chanceler do país, Angela Merkel, disse que via "com grande preocupação a questão da atuação do novo presidente brasileiro (em relação ao meio ambiente)".
Bolsonaro rebateu Merkel e afirmou, dias depois, durante a reunião do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, que o Brasil não "aceitará" tratamento que, segundo ele, presidentes anteriores receberam de líderes de países desenvolvidos.
Durante a entrevista à BBC News Brasil, Heleno também falou sobre a relação com o presidente, a participação dos militares na política atual e a recente prisão do sargento da Aeronáutica por transportar 39 kg de cocaína no avião da comitiva presidencial. Mas se esquivou de comentar o atrito com um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), que disse que os homens da GSI "estão subordinados a algo em que não acredito".
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil: Há preocupação e críticas internacionais sobre a proposta de explorar a Amazônia brasileira de forma econômica. Estudos mostram que a Amazônia já tem um desmatamento altíssimo. Não é arriscado explorá-la?
General Augusto Heleno: A Amazônia é brasileira e quem tem que cuidar da Amazônia somos nós. Esses índices de desmatamento da Amazônia são manipulados. Se você for somar os percentuais que já anunciaram até hoje de desmatamento da Amazônia, a Amazônia já seria um deserto. No entanto, nós temos muito mais da metade da Amazônia intocada. E os países que nos querem cobrar o comportamento que eles acham correto nunca seguiram esse comportamento. O maior preservador de ambiente do mundo é o Brasil.
BBC News Brasil: Recentemente, generais deixaram o governo, como no caso de Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo). O sr. não acha que as Forças Armadas podem ficar desprestigiadas com demissão de generais, por exemplo?
Heleno: Primeiro, todo mundo pensa que existe no Palácio, e volta e meia falam sobre isso...
BBC News Brasil: Uma ala militar e outra ala civil, palaciana, no governo.
Heleno: Isso não existe. Jamais houve uma reunião desta ala militar para decidir qualquer coisa. Nós todos somos amigos, amigos de 40 anos, mas nunca houve uma reunião para decidir alguma coisa em nome ou para fazer a vontade desta área militar, de uma posição desta ala militar. Jamais aconteceu isso. Nós vivemos cada um no seu canto, não vou dizer que é isoladamente porque nós conversamos com todos os ministros.
Não existe esse preconceito, área militar e área civil. Não tem nada disso. As reuniões ministeriais são absolutamente homogêneas. Não há nenhum privilégio para os militares e em nenhum momento as Forças Armadas encararam os generais que estão no primeiro ou até no segundo escalão da Presidência da República como sendo representantes das Forças Armadas. Não. Nós somos militares, essa foi nossa profissão a vida inteira. Mas nós não representamos as Forças Armadas.
Também não houve nenhum desgaste com estas demissões que você comentou porque, por exemplo, o general Santos Cruz, o próprio presidente e ele disseram 'olha, o casamento se desfez' e são amigos, muito amigos. Eles sempre foram muito chegados porque tiveram contato a vida inteira, contato muito próximo. Foram da equipe militar (...) de Exército juntos e depois fizeram escola de aperfeiçoamento militar juntos. A esposa do Santos Cruz dava carona para os filhos da dona Rogéria, que na época era esposa do Bolsonaro. Então, eles eram muito próximos.
BBC News Brasil: Mas quando saiu, o general Santos Cruz fez críticas, dizendo que tem muita fumaça, trapalhada...
Heleno: Mas não são críticas pessoais. São críticas funcionais. Ele se referiu funcionalmente ao que acontecia na Presidência da República, que ele dizia: "olha, acho que isso deve melhorar e tal". Mas não era nada ofensivo. Foi perguntado e colocou o que ele pensa. Mas nada que cause problema em lugar nenhum.
BBC News Brasil: O sr. não teme que as Forças Armadas se politizem? Porque muito se fala de 'bolsonorização' das baixas patentes.
Heleno: Depois que terminou o que chamam de regime militar, as Forças Armadas que foram educadas por aqueles que viveram intensamente o regime militar, elas foram despolitizadas e se convenceram que não tem que se meter em política.
BBC News Brasil: E agora não estaria de alguma maneira se metendo?
Heleno: Não, continua do mesmo jeito. As Forças Armadas votaram todo o tempo. Então, obviamente, tinham seus preferidos eleitorais. O Bolsonaro, obviamente, tinha, tem como um dos seus redutos de voto as Forças Armadas, as forças policiais, as forças de segurança. Até pela identidade de ele ter sido militar, de ele defender em toda a sua carreira politica, ele sempre defendeu os policiais civis, militares, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal sempre estiveram próximos a ele. Então, ele tem uma proximidade com essa faixa de profissional, com os profissionais dessa área de segurança, seja pública, nacional. Mas isso não significa uma politização das Forças Armadas como instituição.
BBC News Brasil: Como o sr. avalia esse caso do segundo-sargento Manoel Silva Rodrigues flagrado com 39 kg de cocaína no avião da Força Aérea Brasileira na Espanha. O sr. disse que foi mal interpretado quando disse que foi "falta de sorte".
Heleno: Eu não falei isso. Em nenhum momento eu coloquei para o sargento sorte ou azar. Eu coloquei o seguinte. Por falta de sorte, esta história da cocaína transportada no avião da Força Aérea Brasileira aconteceu no mesmo dia. O fato, por falta de sorte não dele, aconteceu quando estava começando o G20. Então, uma boa parte das manchetes que poderiam ter sido ocupadas pelas preocupações com o G20, pelas perspectivas que o Brasil tinha em relação ao G20, pelas ligações, pelas audiências bilaterais que teríamos, uma boa parte do espaço disponível na imprensa foi usado para falar daquilo ali. Mas não tem nada a ver com azar ou sorte. Eu jamais comentei: 'ah, o sargento deu azar'. O sargento não deu azar, o sargento é um marginal, um sujeito que cometeu um crime de lesa pátria.
BBC News Brasil: O sr. acha que ele pode ter agido sozinho? Ou contou com apoio? Por que e como ele conseguiu entrar com 39 kg de cocaína em um avião oficial?
Heleno: Até nós nos perguntamos isso. Isso aí é claro que ele se valeu talvez do tempo que ele estava nesta atividade, era um sujeito conhecido por todo mundo e que era um militar de conduta ilibada. É óbvio que vão afrouxando um pouco as medidas de segurança. Neste caso, não era o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) que tinha responsabilidade sobre a entrada de malas, de bagagens neste avião.
Mas eu entendo que essa continuidade neste tipo de função, sem nunca ter acontecido nada, vai dando uma maior circulação para o individuo. E ele estava numa equipe que chega muito antes que o restante, que recebe as refeições, água, gelo, e então ele entra e sai do avião (da viagem precursora presidencial) com muita frequência. Mas tudo isso vai ser esclarecido num inquérito policial militar que vai analisar. Não adianta a gente ficar fazendo suposições. Não estou escrevendo um livro de mistério. Tem que esperar a investigação.
BBC News Brasil: Um filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), fez criticas à atuação do Gabinete de Segurança Institucional ao comentar este caso (Carlos Bolsonaro respondeu a uma postagem na internet sobre a prisão dizendo que os homens da GSI "estão subordinados a algo em que não acredito"). Como o sr. viu esse tuíte do vereador?
Heleno: Não vi.
BBC News Brasil: Foi noticiado na imprensa brasileira. Se quiser, posso ler para o sr. O sr. quer?
Heleno: Não, não. Estou dizendo que não vi porque não vi.
BBC News Brasil: O sr. quer dizer que não quer comentar.
Heleno: É, não vou comentar.
BBC News Brasil: Mas a sua pasta não está ligada a esta área da segurança?
Heleno: Claro que a segurança do avião do presidente e do vice-presidente é do GSI, mas eu prefiro não ver estes comentários.
BBC News Brasil: O sr. acha que este foi um caso isolado?
Heleno: Totalmente.
BBC News Brasil: Mas isso não mancha a imagem das Forças Armadas?
Heleno: Você não pode incluir Forças Armadas nisso aí. É a mesma coisa que você pegar um advogado desonesto e, de repente, dizer que a advocacia é uma profissão desonesta. Não é isso. Os casos são tão isolados, tão raros que nós até achamos que a nossa seleção e os valores que colocamos nos caras são muito bons. Os casos são muito raros e dificilmente com esse volume. Porque realmente 39 kg de cocaína é um volume considerável. Então, não nos preocupa que isso tenha se multiplicado ou algo assim. Agora, é óbvio vai ter que ser apurado, como ele conseguiu colocar lá dentro. Se ele tem mais alguém que trabalhe junto com ele. Quem ia receber isso lá. São perguntas óbvias num contexto desse inquérito policial militar.
BBC News Brasil: O sr. e o presidente Jair Bolsonaro são amigos há mais de 30 anos. Como o sr. definiria o seu papel como conselheiro do presidente?
Heleno: Eu não me atribuo essa missão. Eu acho que essa missão surgiu porque eu comecei a conversar com ele desde o início da campanha, quando ele decidiu ser candidato. Eu morava perto dele na Barra e volta e meia nós íamos almoçar juntos. Trabalhei na campanha dele e ele sabia da minha torcida para que desse certo. Então, a minha aproximação dele foi crescendo e até pela minha idade, pelos meus cabelos brancos eu passei a ser aquele em quem ele tinha maior confiança para discutir determinados assuntos. Mas não quer dizer que eu seja conselheiro. Muita coisa que eu digo ele não faz. Até pela personalidade dele, ele tem uma personalidade muito forte.
BBC News Brasil: Por exemplo?
Heleno: Ah, várias coisas. A gente tem uma reunião matinal, com cerca de oito assessores, e ali se conversa muita coisa. E eu muita coisa digo: 'Presidente, acho que não deveria ser assim". E às vezes ele brinca: 'ah, o senhor entende de estratégia, mas de política o senhor não entende'. Ele falou isso para o Paulo Guedes: 'Olha, você entende de economia, de política entendo eu". E a gente tem que reconhecer que ele é um fenômeno politico. Tudo o que ele enfrentou para ser vitorioso, ele é um fenômeno político. Como foi um fenômeno politico, o senhor Luiz Inácio (Lula), que se apagou tristemente.
BBC News Brasil: O sr. participou das manifestação a favor do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, no último domingo (30/6). O sr. não acredita que as recentes revelações veiculadas pelo site The Intercept Brasil possam enfraquecê-lo?
Heleno: Não acho não. Acho que ele saiu mais fortalecido porque as conversas que ele teve com o Dallagnol (Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba) foram totalmente voltadas para a profissão dele e não teve nenhum partidarismo ali. Foram conversas perfeitamente viáveis entre um procurador e o juiz. Tanto que vários membros do Judiciário já os defenderam. E várias vezes já apareceram contatos de membros da mais alta corte do país com advogados de partes. Isso aí é porque é o Moro e o Bolsonaro.
BBC News Brasil: O que o sr. quer dizer? Uma oposição definida seja o que eles fizerem?
Heleno: Explico que há por parte de muitos políticos, que estão envolvidos até o pescoço, a disposição de defender ardentemente a volta da situação anterior, porque é a única chance de eles se salvarem. Se o país resolver consertar, eles sabem que vão parar aí numa das alas aí da Papuda, de Gericinó (Complexos Penitenciários). Então, é óbvio que eles vão tentar de todas as maneiras, com todos os cinismos, com todas as falsidades, tentar voltar ao que era, dizendo que era o grande projeto de governo, que o Brasil ia ser a grande potência do mundo.
Isso está claramente demonstrado que era um projeto de poder, que era desprezível, que o Brasil entrava em último lugar nessa história. Era um projeto pessoal, ideológico, e esse retorno, se Deus quiser, isso não pode voltar a acontecer (BBC Brasil, 3/7/19)